Carvão mineral
Incerteza toma conta de Candiota após desligamento de usina: "Clima é de aflição geral"
Cidade na região da Campanha tenta reverter encerramento de contratos para geração de energia, enquanto busca nova matriz econômica
Quando os relógios marcaram meia-noite, em 31 de dezembro de 2024, a alegria e a esperança que reinaram na maior parte dos lares gaúchos não encontrou eco nos 10,7 mil habitantes de Candiota, na região da Campanha. No exato momento do Réveillon, a usina Candiota 3 foi desligada, projetando uma nuvem de angústia e incerteza que paira até hoje sobre a cidade.
Motor da economia local, a usina emprega 500 pessoas e induz ao município indicadores robustos como a segunda maior média salarial e o terceiro maior PIB per capita do Rio Grande do Sul. Sem perspectiva de retomada da produção energética, a aflição toma conta dos moradores e das autoridades.
— O clima é de aflição geral. Já tem gente colocando a casa à venda, outros com medo de ter de fechar o comércio. Sem a usina, a cidade vai ficar numa perna só — diz o prefeito, Luiz Carlos Folador (MDB).
Com capacidade para gerar 350 megawatts (MW), Candiota 3 teve o contrato de venda de energia extinto no último dia do ano. Uma emenda incluída em um projeto de lei aprovado pelo Congresso ampliava a validade do termo, porém a medida foi vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na justificativa, o governo cita o custo da energia gerada a partir de carvão mineral e os acordos ambientais assinados pelo Brasil. “Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição contraria o interesse público ao obrigar a realização de contratação de termelétricas a carvão mineral, o que impactaria os preços das tarifas de energia a serem custeados pelos consumidores residenciais e o setor produtivo. Ademais, as contratações de usinas de fontes fósseis não são compatíveis com os compromissos internacionais assumidos pelo país, bem como com as políticas públicas voltadas à transição energética, à mitigação das mudanças climáticas e à descarbonização da matriz energética brasileira”, diz o documento enviado ao Congresso.
Com 12 bilhões de toneladas de carvão em seu subsolo, Candiota detém 38% das reservas nacionais do minério. Todavia, a pedra negra que sempre gerou riqueza na região é o combustível fóssil mais poluidor do planeta. Segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), ao abrigar duas usinas movidas a carvão, o município foi responsável por 22,5% das emissões de gases de efeito estufa por gigawatt/hora em 2023. Sozinha, Candiota 3 emitiu 13% desses gases.
A restrição ao uso do carvão sempre preocupou os habitantes de Candiota. Há pelo menos quatro anos, eles buscam novas alternativas econômicas enquanto tentam convencer o governo a incentivar modelos de transição energética. O que ninguém acreditava era que um dia a usina seria simplesmente desligada.
Filho e neto de trabalhadores de Candiota 3, Elissandro Maurente trabalha há 27 anos no complexo energético. Suas preocupações cresceram em 2022, quando a Eletrobras, dona da usina, foi privatizada. No ano seguinte, a companhia vendeu Candiota 3 à Âmbar Energia por R$ 72 milhões, dentro de uma política de geração sustentável da empresa. À época, somente a usina gaúcha respondia por um terço das emissões de carbono da Eletrobras. A mudança gerou dividendos para Maurente. Ele foi promovido, ganhou aumento salarial e no vale-refeição, além de um plano de saúde melhor. Agora, mais uma vez teme pelo próprio futuro.
— Estava tudo melhorando. Mas agora ninguém sabe como vai ser. Eu fico preocupado com meu emprego, claro, mas também com a região. Sem a usina, o que será disso tudo aqui? — pergunta-se o operário.
Economia já impactada
De acordo com a prefeitura, metade da força de trabalho de Candiota provém da cadeia produtiva do carvão. A arrecadação municipal, da qual 40% é sustentada pela usina, já refluiu. Somente nos primeiros 25 dias de janeiro a receita com Imposto Sobre Serviços (ISS) caiu 30%.
Dona de um dos principais restaurantes locais, a empresária Célia Melo também sentiu queda no movimento. Fundado há três anos, o Nuestro Resto tem cem lugares e fatura em média R$ 40 mil mensais. Agora, apenas metade das mesas estão ocupadas e a comida sobra no bufê.
— Imagina, isso aqui está sempre lotado à uma da tarde. Olha essas mesas vazias. Como vai ficar Candiota sem a usina? Um deserto — diz Célia, angustiada ante a possibilidade de ter de demitir um dos oito funcionários.
Sem geração de energia, toda a cadeia se desfaz. Praticamente não há movimento nas minas a céu aberto de onde são retiradas as 8 mil toneladas diárias de carvão que abastecem a usina. Outros projetos ligados à matriz energética também estão parados. Por ora, estão suspensas as instalações de uma fábrica de cimento, com investimento previsto de R$ 100 milhões, e de uma usina de gaseificação de carvão com tecnologia alemã e chinesa, que projeta injetar R$ 5 bilhões no município.
Nesta semana, uma comitiva com sete representantes do município está em Brasília, buscando audiências com parlamentares e o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. O grupo trabalha com duas alternativas: a derrubada do veto no Congresso ou a edição de uma Medida Provisória estendendo os contratos de venda de energia.
— A usina precisa voltar o quanto antes. Estamos buscando outras matrizes econômicas, mas isso não se faz do dia pra noite — desabafa Folador, lembrando que Candiota 3 teve contribuição fundamental para a geração de energia na escassez hídrica de 2021 e no ano passado, durante a enchente de maio.
Procurada, a Âmbar Energia disse que colocou parte dos funcionários em férias e está fazendo manutenção preventiva e periódica dos equipamentos. Em nota, a empresa disse que a usina gerava mais de R$ 80 milhões por ano em tributos e que “estuda medidas para minimizar o significativo impacto socioeconômico decorrente da interrupção da operação de Candiota 3, enquanto uma solução definitiva não for encontrada”.
— Eu nasci aqui, vi a cidade crescer e prosperar. Acho que a gente tem futuro, sim. Claro que eu tenho medo, mas tenho mais esperança — afirma a comerciária Chalise Pedroso, 32 anos, diante do pessimismo generalizado nas ruas de Candiota.