Direto da Redação
Leticia Mendes: "Nova chance"
Jornalistas do Diário Gaúcho opinam sobre temas do cotidiano
Quando nasci meu pai tinha 64 anos. Fui o que se chama no interior de “a raspa do tacho” ou a caçula. Em outubro passado, meu pai teria feito 101 anos. Mas ele já partiu há algum tempo. Cresci sabendo que iria perdê-lo. É estranho quando olho para trás e penso assim. Numa criança consciente sobre a morte. Mas eu pensava mesmo nisso, desde muito pequena. E, talvez por isso, fazia questão de amá-lo muito. Não sabia quantos anos ele viveria com a gente.
Então escrevia longos cartões coloridos onde declarava o quanto me orgulhava de ser filha dele. Elencava suas qualidades. O pai dizia que eu escrevia como gente grande, e eu amava isso. “Meu sapinho”, ele me chamava, durante os nossos cafés da manhã, onde ouvi inúmeras vezes as mesmas histórias. O tempo passou. Meu pai partiu um dia antes do meu aniversário de 21 anos, num julho muito difícil nas nossas vidas. Foram duas décadas ao lado dele. E, claro, não foi e nunca é tempo suficiente.
Mesmo sabendo que iria perdê-lo, eu não estava preparada. Não foi nada fácil. Anos depois, ainda pensava que poderia ter feito algo diferente, ter estado mais com ele, e não perdido tanto tempo com dilemas da minha juventude. “Eu sabia, poderia ter feito melhor”. É curioso como a gente sempre encontra um jeito de se culpar.
Por mais afetuoso que fosse, meu pai tinha um jeito um tanto prático de enxergar a vida. Talvez fruto da idade. Tinha uma certa serenidade. Enquanto minha mãe se derramava em lágrimas pela separação de alguém próximo, ele concluía, sem comoção, “casamento é para isso mesmo, para ficar junto ou separar”. Pensei muitas vezes que ele deveria ter algum conselho prático para me dar sobre sua própria falta.
Não comecei a escrever pensando nisso. Queria tratar de algo otimista. Contar que esta semana tomei coragem para ter novamente um gato. O meu Capiroto – não julguem o caráter do Capizinho pelo nome – partiu em setembro. Foi um processo difícil, dolorido. Sentenciei, convicta, que jamais teria outro. Passaram-se quatro meses. E, no último domingo, chegou Frederico Evandro – sim, é o pistoleiro de Lisbela e o Prisioneiro, mas sem julgamentos com o nome, por favor.
Talvez meu pai me dissesse que a vida é exatamente isso. Seguir em frente.