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Fonte de renda

"Dá orgulho de ver": mão de obra das comunidades torna possíveis os desfiles das escolas de samba de Porto Alegre

Barracões no Complexo Cultural do Porto Seco começam a ter produção meses antes da folia para encher os olhos do público

21/02/2025 - 12h06min

Atualizada em: 21/02/2025 - 12h06min


Gustavo Gossen
Gustavo Gossen
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Frederico Feijó
Frederico Feijó
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Grande parte das pessoas vê o Carnaval como um tempo de diversão e descanso. Para quem coloca os carros alegóricos na avenida, porém, a festa popular é fonte de renda. Complementar para alguns, principal para outros.

O Carnaval de Porto Alegre 2025 ocorrerá nos dias 14 e 15 de março.

Muito antes dos desfiles, a reportagem de Zero Hora visitou barracões das escolas de samba no Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte de Porto Alegre. E verificamos que, enquanto o som dos tamborins ainda não embala foliões, o ritmo era ditado pelas serras, martelos e soldas.

Força de pessoas da comunidade

A primeira parada, ainda em janeiro, foi no espaço destinado ao Estado Maior da Restinga, cujo enredo deste ano será São Jorge. Cerca de 10 pessoas trabalhavam em quatro carros alegóricos, todos na fase final de montagem.

Prova disso é que não havia espaço para confeccionar fantasias para o número expressivo de "tinguerreiros",  que sagradamente desfilam na agremiação da zona sul da Capital. Em março, a Restinga levará para a avenida quatro alegorias e cerca de 20 alas, o que somará entre 1.500 e 1.600 componentes.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Luciano Maia, carnavalesco da Estado Maior da Restinga.

De acordo com o carnavalesco Luciano Maia, a escola conta com cinco ateliês - chamados por eles de QGs - espalhados pela cidade e, dois meses antes do desfile, estavam em ritmo intenso de produção. Em cada um desses espaços, em média, cinco pessoas trabalham.

 Toda a plástica visual da Restinga é produzida com 100% da força de pessoas da comunidade — orgulha-se Maia.

O carnavalesco explica que a escola defende a ideia de manter o festejo de Porto Alegre através da cadeia produtiva local:

O Carnaval da Restinga produz renda e emprego. Aqui no barracão, além das pessoas trabalhando nas alegorias, há também quem cuida da alimentação para a equipe, limpeza do espaço e toda a questão de logística do barracão.

Além de uma escola de samba

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Maurício Molina Leites, presidente da Filhos de Maria.

No barracão da Filhos de Maria, entende-se o porquê de a escola estar chamando atenção de quem acompanha o Carnaval. Mesmo sendo a caçula do Carnaval de Porto Alegre, fundada em 2019 no bairro Lomba do Pinheiro, a escola logo na estreia tornou-se bicampeã da Série Bronze e tem apresentado desfiles elogiáveis na Série Prata.

O presidente Maurício Molina Leites, um dos fundadores, dá pistas do que leva a isso: mobilização durante o ano todo e oficinas para que pessoas da própria comunidade se qualifiquem.

A gente não é uma escola de samba, e sim um projeto social que trabalha com Carnaval. O nosso foco é fazer com que a cadeia produtiva funcione e, para isso, formamos profissionais — afirmou Leites.

Cerca de 80% das fantasias para o Carnaval 2025 nasceu das mãos de pessoas criadas dentro da escola, que formou os aderecistas, detalha o presidente da Filhos de Maria:

— A gente quer o melhor para a nossa comunidade e ela devolve isso com carinho e expectativa de um grande desfile.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Paulo César Pereira Alves, um dos fundadores da Filhos de Maria.

Um dos fundadores da escola e atual presidente do Conselho da Filhos de Maria, Paulo César Pereira Alves conta que o trabalho dura o ano todo. Com a matéria-prima cara, o primeiro passo é ver o que pode ser reciclado de um enredo para o outro. Isso apenas após alguns dias do desfile. Depois, o trabalho é no barracão e pelas mãos da comunidade:

Temos ateliê na comunidade, temos oficinas profissionais na sede da escola. Isso tudo é fonte de renda extra para algumas famílias, sendo que, para outras, é a principal fonte de recursos.

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Raíssa Santos da Silva, decoradora e figurinista.

Enquanto Alves falava à reportagem, ao lado, mãos dedicadas faziam ajustes em uma escultura que vai integrar o desfile deste ano, cujo enredo é Temos nosso próprio tempo. Com a tesoura, Raíssa Santos da Silva caprichosamente faz os mínimos retoques. Segundo o dirigente, ela tem "uma mão diferenciada", sendo "concorrida pelas outras escolas"

— A gente se adiantou e contratou ela primeiro acrescenta o presidente do Conselho da Filhos de Maria.

Raíssa é decoradora e figurinista, com mais 30 anos de história no Carnaval e passagem por diversas escolas. Para ela, o melhor pagamento é ver o trabalho pronto na avenida:

É bonito ouvir os comentários "como tá lindo", e eu digo "ah, fui em que fiz". Dá aquele orgulho de ver que o pessoal encheu os olhos ao ver o teu trabalho

Além da renda extra, Raíssa diz que há sempre aprendizado e a relação de amizade no barracão. Apesar de começar cedo, o trabalho segue até os últimos minutos, tanto que atravessar a avenida sambando não é possível.

— No dia, nem consigo desfilar, porque sempre tem algum ajuste final ou alguma escola pede ajuda de última hora destaca a decoradora e figurinista, confirmando assim ser realmente"disputada" pelas agremiações.

Trabalho o ano todo

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Arlindo Mença, o Baia, presidente da Unidos da Vila Mapa.

No barracão da Unidos da Vila Mapa, a reportagem viu os preparativos da escola para contar a história de Maria Bonita, colocando a personagem do cangaço em protagonista e fonte de inspiração para outras mulheres.

O presidente Arlindo Mença, o Baia, apresentou parte da equipe de barracão da escola da Lomba do Pinheiro. Naquele momento, eram 10 pessoas remuneradas trabalhando.

A pessoa trabalha e recebe. Isso faz bem para cadeia produtiva, porque o Carnaval não é só aquilo que é visto em março — diz Baia.

O dirigente explica que o trabalho segue ao longo do ano todo, primeiro com o tema e o samba. No barracão é onde surgem as demandas de trabalho nas alegorias e surge a necessidade por costureiras, sapateiros. Há, ainda, os instrumentos para bateria e outros itens necessários para fazer o Carnaval acontecer, possibilitando que a comunidade também desfile:

— A comunidade que desfila não paga por fantasia. A escola que aporta tudo, desde a comissão de frente até o último carro explica.

Importância para a economia de Porto Alegre

Jonathan Heckler / Agencia RBS
Festa popular é construída pelas mãos dos trabalhadores.

Quem visita o Complexo Cultural do Porto Seco fora da época do Carnaval não visualiza um sambódromo, apenas os barracões das escolas. Isso porque o local onde ocorrem os desfiles desde 2004 não conta com estruturas permanentes.

O prefeito Sebastião Melo afirma que, no novo mandato, pretende reforçar essa cadeia produtiva a partir da retomada dos diálogos para a construção da pista definitiva do Porto Seco. O chefe do Executivo municipal reconhece que o Carnaval é importante para a economia da cidade, além de uma manifestação cultural:

Porto Alegre tem um Carnaval riquíssimo, tanto nos blocos, como no tradicional. Ele dialoga com emprego e renda, com inovação, economia criativa. É o pano que é comprado, a linha, a costureira, o ferrador, o carpinteiro.

O prefeito da Capital defende que o caminho para construir a pista definitiva no Porto Seco é uma parceria público-privada (PPP)

— E assim dar vida permanente ao local e promover outros eventos durante o ano completa Melo.

Carnaval de Porto Alegre 2025

Camila Hermes / Agencia RBS
Tradicional Descida da Borges ocorreu em 7 de fevereiro, marcando a largada para o Carnaval 2025 de Porto Alegre.

Até a hora da sirene tocar e o cronômetro disparar, as equipes fazem os últimos ensaios e o ambiente de mistério permanece. Não é usual entrar nos barracões e antecipar o que as agremiações vão mostrar na avenida. Afinal, a maior parte das escolas prefere manter o segredo.

Pelo empenho das pessoas que integram a cadeia produtiva do Carnaval de Porto Alegre, evitamos mostrar detalhes do que as escolas planejam. Vale a pena esperar e conferir o resultado.

Na sexta-feira, 14 de março, desfilam pelo grupo Prata: Filhos de Maria, Protegidos da Princesa Isabel e Realeza. Pelo grupo Ouro, desfilam no local Fidalgos e Aristocratas, Acadêmicos de Gravataí, Copacabana, Imperadores do Samba e União da Vila do IAPI.

No sábado, dia 15 de março, os desfiles do grupo Prata são: Academia de Samba Praiana, Unidos de Vila Mapa, Império da Zona Norte e União da Tinga. Pelo grupo Ouro, desfilam Império do Sol, Unidos de Vila Isabel, Estado Maior da Restinga, Bambas da Orgia e Imperatriz Dona Leopoldina.

Os ingressos para frisas e camarotes estão à venda na plataforma Sympla (com taxa de conveniência). Assim como nos anos anteriores, as arquibancadas terão entrada gratuita, por ordem de chegada.


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