Como no Caribe
E o chocolatão? Entenda as razões para o predomínio do mar claro no litoral norte gaúcho nesta temporada
Desde o final de 2024, a água exibiu tons esverdeados e chamou a atenção dos banhistas. Águas-vivas apareceram, mas sua presença diminuiu com o passar das semanas
A temporada de verão está terminando e dois fenômenos chamaram a atenção dos veranistas que passaram pelo litoral norte do Rio Grande do Sul. Ao contrário de anos anteriores, o mar chocolatão foi pouco visto. Já as águas-vivas apareceram em quantidade expressiva no início da temporada e depois sua presença diminuiu.
Zero Hora procurou especialistas para explicar o que aconteceu. Começando pela condição da água, que exibiu tons esverdeados desde o Natal. O professor Ng Haig They, do Centro de Estudos Costeiros, Liminológicos e Marinhos (Ceclimar), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica o que é o fenômeno chocolatão:
— É uma acumulação de algas que aparece na superfície da água. Uma quantidade muito grande que forma as bolhas, inclusive aquela espuma característica. Essas algas ficam no fundo do mar e vão para a superfície em determinadas condições — contextualiza.
Segundo o docente, as algas sobem em direção à superfície em duas situações específicas:
— Primeiro, em função dos nutrientes, para elas se reproduzirem. E a segunda é o vento, especialmente o do quadrante Sul. Esses ventos conseguem suspender as algas para a superfície. Nesta época do verão temos uma redução da intensidade dos ventos e não temos entrada de frente fria. E os ventos vêm do quadrante Norte e, principalmente, do Nordeste.
Vento Nordeste e menos chuva
Ou seja, quando predomina o vento Nordeste, o cenário favorece a dispersão dos nutrientes das algas e o surgimento do mar chocolatão. E quando isso não acontece, como na atual temporada, os banhistas têm águas com colorações mais claras.
De acordo com o professor do Ceclimar, além desse cenário, o período de menos chuva, somado à ausência da frente fria, também foram fatores que colaboraram para o mar chocolatão não ser predominante.
A tonalidade mais clara do mar tem conexão, ainda, com uma menor agitação marítima perto da costa, o que impacta na diminuição de nutrientes na água. Isso dificulta a proliferação das algas que trazem o tradicional tom de chocolate às ondas.
Conforme Nelson Fontoura, ex-diretor do Instituto do Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a situação climática deste ano de fato contribuiu para a não predominância do mar chocolatão.
— Os ventos do quadrante Sul têm sido bem frequentes no litoral, enquanto o vento Nordeste é que deixa o mar com aspecto chocolatão — diz Fontoura.
Temperatura da água também mudou
No final de janeiro e início de fevereiro, a água esteve com aspecto mais claro, mas não tanto quanto em dezembro do ano passado. A temperatura da água era agradável e os banhistas de praias como Imbé e Tramandaí puderam aproveitar os banhos.
O meteorologista Marcelo Schneider, do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), concorda que a irregularidade da chuva colaborou para a ausência do mar chocolatão. Além disso, cita a questão do vento:
— Houve pouca presença do vento Nordestão, exatamente pela temperatura mais elevada, pelo menor contraste térmico entre o oceano e o continente. A maior parte dos dias teve irradiação solar, diferente do quadro da primavera, principalmente dezembro, quando foi mais frio e teve mar mais revolto.
O que ajudou o mar a ficar com tons mais claros
- Redução da intensidade do vento
- Predominância do vento do quadrante Sul
- Ausência de entrada de frente fria
- Menos chuva
Presença das águas-vivas
Ainda no final de 2024, as águas-vivas apareceram em quantidade expressiva e deixaram banhistas com lesões no corpo. Entre 21 e 29 de dezembro, o número de casos envolvendo lesões epidérmicas após contato com esses animais subiu de 1.475, em 2023, para 4.863, em 2024.
Depois, não foram encontradas de forma tão recorrente. E há uma justificativa para isso.
— Esse é um fenômeno oceanográfico. No inverno a gente tem frentes frias, o que acaba levando água mais fria e com mais nutrientes da Bacia do Prata e da Laguna dos Patos para a costa gaúcha — observa o professor do Ceclimar.
Nesses sedimentos, estão presentes areia e algas, como a Asterionellopsis glacialis. Elas se multiplicam e ficam mais escuras quando chegam perto da superfície.
— No verão, com o vento do quadrante Nordeste, vem uma água quente e mais salina da costa do Brasil e toma conta de nossa plataforma continental. E ela traz esses animais bem característicos dessa água mais quente e salina. Então, sempre teremos no verão as águas-vivas chegando aqui pela influência da corrente do Brasil — compartilha.
O biólogo e professor Renato Nagata, do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), comenta que as águas-vivas duram no litoral de duas a três semanas. Quando há a entrada de ondulação e frente fria, isso dispersa os animais da costa.
— Após esses eventos, elas desaparecem. E quando estabilizam as condições atmosféricas e oceanográficas, começa a ter calorão sem vento, elas começam a aparecer novamente. O ciclo de ocorrência delas na nossa costa não dura mais do que um mês — afirma.
De acordo com Nagata, o ciclo de sazonalidade das águas-vivas no Estado acontece no verão e coincide com a temporada de veraneio.
— No RS se tem um número grande de acidentes (com águas-vivas no mar), muito maior do que em qualquer outro Estado do Brasil — menciona.