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Ondas de calor devem se intensificar e se tornar mais frequentes no Rio Grande do Sul, projetam climatologistas

Estado encontra-se em uma região que favorece o aquecimento no verão. Contudo, nos últimos anos, o que se tem observado é um aumento incomum das temperaturas

06/02/2025 - 12h41min


Carlos Redel
Carlos Redel
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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Rio Grande do Sul está sob influência da segunda onda de calor do ano.

Onda de calor, inundações, tornados e temporais mais intensos. Fenômenos climáticos extremos tendem a se tornar mais frequentes ao longo dos próximos anos no Rio Grande do Sul. 

Um exemplo disso é que oito meses após a maior enchente da história gaúcha, a cidade de Quaraí, na Fronteira Oeste, registrou a temperatura máxima de 43,8ºC, a maior em todo Estado, em mais de um século desde o início do monitoramento do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

Conforme a professora Simone Ferraz, coordenadora do curso de Meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ondas de calor são eventos climáticos costumeiros. Contudo, não deveriam ocorrer da forma como está sendo visto.

— Os modelos meteorológicos já estavam prevendo que teríamos uma onda de calor no início de fevereiro. Até aí, nada fora do normal. O que difere do que tínhamos há 10 anos é que está ocorrendo mais ondas de calor e com temperaturas mais elevadas — pontua.

Esse aumento está diretamente relacionado à elevação da temperatura do planeta, impulsionada pela emissão de gases do efeito estufa e do aquecimento global. Portanto, o território gaúcho segue uma tendência mundial, observada ao longo das últimas décadas.

Agravada pela ação humana 

De acordo com a especialista, nos últimos cinco anos, todos os meses de fevereiro de 2021 à 2024, registraram temperaturas acima da média. A exceção ficou para 2020, quando o Rio Grande do Sul estava sob vigência do fenômeno El Niño, com chuvas mais intensas.

O Estado fica em uma região favorável para o aquecimento no verão. Além do aumento da incidência solar esperado para a estação, a área passa por um fluxo de entrada de massas de ar quente e a ação de fenômenos naturais, como o El Niño e o La Niña, que influenciam nessa elevação.

Entretanto, conforme indica o professor Douglas Lindemann, coordenador do Grupo de Interação Oceano-Atmosfera e Climatologia (GOAC) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), os fatores naturais estão sendo agravados pela ação humana:

— Se pegarmos a história do clima, desde a Revolução Industrial para cá, e fazer uma análise de anos mais quentes: a cada década que passa, o planeta tem se tornado mais quente. Se fizermos um ranking dos 10 anos mais quentes, todos estão no pós-2010. Isso não é só no Rio Grande do Sul.

Esta elevação estava nas nossas previsões de 2050 para frente, mas já está ocorrendo antes de 2030.

FRANCISCO ELISEU AQUINO

Pesquisador e climatologista

Climatologista e professor do departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Eliseu Aquino também destaca que a diminuição da vegetação nativa e o aumento da desproteção de áreas como margens de rios, somados à exploração de combustíveis fósseis, aumentam a degradação ambiental e, com isso, a mudança climática se intensifica:

— Entre a Argentina, o Paraguai e o Rio Grande do Sul, é uma região que normalmente é quente nessa época do ano. Porém, especialmente na última década, ela mostrou uma ampliação dos recordes de temperatura, passando frequentemente de 44ºC a 45ºC, na Argentina e no Uruguai. Essa onda de calor se expande, projetando-se para o RS, especialmente pela Fronteira Oeste. E isso, claro, resultou nas temperaturas elevadas.

Em um cenário de constante emissão de gases pela ação antrópica e o consequente aquecimento global, a tendência é que os eventos climáticos extremos ocorram com intervalos cada vez menores.

— Existem diversos fatores naturais ocorrendo, mas em uma atmosfera mais quente. Os estudos climáticos mostram isso: os eventos que antes ocorriam a cada 50, 70 anos, vão ocorrer em períodos menores. É como uma panela de pressão, se você aumenta a temperatura, tudo fica mais intenso — declara a pesquisadora Simone Ferraz.

Aumento significativo

Douglas Lindemann aponta que, ao longo de 30 anos, houve um aumento de, pelo menos, 0,5ºC na temperatura terrestre, o que, apesar de parecer pouco, é bastante significativo, ao considerar conforto térmico, saúde humana e produção de alimentos. No Rio Grande do Sul, as regiões que mais registraram essa elevação foram a Metropolitana, Norte, Noroeste e Central.

O verão da temporada de 2019/2020, por exemplo, foi o mais quente da última década em Porto Alegre. Nos três meses da estação, a Capital registrou máxima de 40,3ºC e teve 23 dias com temperaturas acima dos 35ºC. Já no ano seguinte, a máxima foi de 38,4ºC e seis dias com os termômetros superando os 35ºC.

Tendência para os próximos anos

O clima é bastante lento para responder aos processos, aponta Douglas Lindemann. Esses eventos que estão sendo vistos na atualidade são reflexos de degradação e emissão de poluentes das últimas décadas.

Caso a tendência de aquecimento se mantenha, as previsões climáticas apontam que o Rio Grande do Sul deve começar a apresentar uma ocorrência cada vez maior de fenômenos envolvendo chuvas, seja pelo excesso, quanto pela falta. O cenário eleva o desafio para os tomadores de decisões, para o planejamento das cidades e para o setor agrícola.

— O que se projeta para o futuro é que as chuvas se tornem mais irregulares, com uma distribuição cada vez mais desigual tanto no espaço quanto no tempo. De acordo com o que o Rio Grande do Sul apresenta desde a década de 60 para cá, tem chovido cada vez mais no Estado em relação à média — explica o professor Lindemann.

Francisco Eliseu Aquino busca as inundações ocorridas em 2023 e 2024 para exemplificar que ambas são resultados de um planeta mais quente. Os volumes extremos concentrados de precipitações, como registrado atualmente em São Paulo, e as noites de muito calor que estão se fazendo presentes no Rio Grande do Sul são decorrência das mudanças climáticas:

— A última década está mais quente, tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Sul. E essa é uma tendência esperada pela mudança do clima. Nós, especialistas, já antevimos essa tendência. O que em parte até nos assusta é que de 2023 para 2024 a gente passou por alguns meses com temperatura média global tendo aumento de 1,5ºC. Esta elevação estava nas nossas previsões de 2050 para frente, mas já está ocorrendo antes de 2030.

E como conter tal elevação de temperatura e, consequentemente, os eventos climáticos extremos? O pesquisador Aquino não acredita que a atual geração vá conseguir sentir alguma melhoria significativa, visto que seria necessário reduzir globalmente a emissão dos gases de efeito estufa em 30% até 2050, além de encontrar energias alternativas:

— Tudo que nós fizermos agora vai ajudar a suavizar os extremos para que, talvez, daqui uns 100 anos, consigamos sentir uma mudança na trajetória do aquecimento global. Mas, claro, isso se a gente fizesse tudo certo a partir de agora, mas não estamos fazendo nada certo. E é por isso que a gente insiste que a tendência de aumento da temperatura e, em cascata, todos os eventos extremos, seguirão nas próximas décadas.

Caso não ocorra essa diminuição, até 2050, a temperatura média global deve se elevar em 2ºC e, com isso, os eventos climáticos extremos devem ocorrer com mais frequência. Inclusive, novas enchentes no Rio Grande do Sul.

*Produção: Carolina Dill


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