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Levantamento

Mais da metade das mulheres vítimas de violência não aceita receber acompanhamento ou não é mais encontrada por rede de apoio do GHC

Abordagem consiste em entrar em contato com as pacientes por meio dos prontuários e informar sobre o serviço. Nessa conversa, elas são convidadas a marcar um horário para serem recebidas por uma profissional que oferece apoio emocional e até orientação jurídica, se necessário

31/03/2025 - 12h22min

Atualizada em: 31/03/2025 - 12h22min


Kathlyn Moreira
Kathlyn Moreira
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Ronaldo Bernardi/Agencia RBS
Sala Elza Soares, no Hospital Cristo Redentor, na zona norte de Porto Alegre.

Desde o ano passado, as mulheres vítimas de violência encontram uma rede de apoio, um espaço de acolhimento oferecido gratuitamente pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC). O serviço de Assistência Humanizada às Mulheres em Situação de Violência (Re-Humam) atendeu, de março de 2024 a fevereiro deste ano, 884 mulheres. Deste total, 329 — ou seja, 37%—, não concordaram ou não compareceram ao atendimento e 119 — portanto 13,5% — não foram localizadas após o atendimento no hospital, e 264 (30%) comunicaram que já eram acompanhadas por outra iniciativa.

A abordagem da rede consiste em entrar em contato com as mulheres por meio dos prontuários e informar sobre o serviço, que é vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Nessa conversa, as pacientes são convidadas a marcar um horário para serem recebidas por uma profissional especializada que oferece apoio emocional e até orientação jurídica, se necessário. O grupo serve para atender não só casos de violência doméstica, como também de agressões relacionadas a outros contextos, como tráfico de drogas, assalto ou até bullying, por exemplo.

Sala Elza Soares no Cristo Redentor

Em um ano de funcionamento, a Sala Elza Soares, do Hospital Cristo Redentor, na zona norte de Porto Alegre, atendeu 103 usuárias e 69 permanecem em acompanhamento dentro da rede de apoio.

— Muitas dizem só "não, obrigada". Outras marcam diversas vezes e não comparecem. Então, dificilmente elas falam o motivo. Não querem falar da violência — destaca a assistente social e coordenadora da Sala Elza Soares, Débora Abel.

Para ela, a etapa de convencimento ainda é o principal desafio do projeto.

— Eu penso que, primeiro, deve ser a vergonha de falar sobre o tema, de se expor para alguém que não conhece. Outras também não estão preparadas para sair da relação, então acham que a gente vai cobrar a medida protetiva e que elas se separem do relacionamento e, na verdade, a gente não cobra isso. Estamos atendendo, inclusive, mulheres que continuam nos relacionamentos. Elas, às vezes, acham que precisam tomar uma atitude — avalia Débora.

Nos primeiros cinco meses de atuação, a reportagem de Zero Hora mostrou que o percentual de mulheres que negava o convite estava em 32% — 5% a menos em relação ao balanço de um ano. Já o índice de pacientes não localizadas permaneceu semelhante, indo de 12% para 13,5%.

Os casos de agressões em âmbito doméstico aparecem em 52,83% das 884 usuárias registradas em situação de violência no sistema do Grupo Hospitalar Conceição (467 mulheres). Na sequência, entram as ocorrências de violência urbana, com 325 pacientes (36,76%). Há ainda os tipos de violência que ficaram sem registro no cadastro, com 92 usuárias (10,41%).

— Nas situações de violência doméstica, a gente encaminha para a Unidade Básica de Saúde para que o agente de saúde, que tem mais pertencimento ao território, possa fazer uma abordagem, uma busca ativa, uma visita domiciliar para ver como é que está essa situação e oferecer serviços. A gente está tendo alguns retornos, mas nada muito significativo, porque às vezes também elas mudam de território. Isso é, consequentemente, uma pedra no nosso sapato — lamenta Débora.

O mapeamento do perfil das pacientes também chama a atenção para outro dado. A agressão física dispara entre as demais, correspondendo a 74% dos atendimentos de violência a mulheres no GHC. Em um ano, 654 usuárias buscaram as instituições do grupo com ferimentos desta natureza. Já os casos de violência sexual representaram 20%, com 174 vítimas.

— A violência física acaba sendo mais alta, porque é mais corriqueira, digamos assim. A violência sexual é mais camuflada, geralmente acontece dentro do âmbito da família, então não é muito divulgada, não aparece muito. Quando aparece, claro que são situações bem extremas. E como a vítima da violência sexual, às vezes não procura um serviço de saúde por vergonha, ela acaba procurando mais a polícia, ou quando é dentro de casa, não procura ninguém — destaca Débora.

Preparar essas mulheres para romper com esse círculo de atos violentos é a principal motivação da Re-Humam. Conforme a coordenadora, o objetivo da rede é promover a proteção e a autonomia das vítimas, para que encontrem formas de enfrentar os desafios que implicam tomar uma atitude, tanto no âmbito pessoal, quanto familiar, já que em muitos casos, a decisão de abandonar o agressor também envolve o cuidado com os filhos e a segurança para seguir em frente.

Por trás do nome Elza Soares

A sala no Cristo Redentor se chama Elza Soares, em homenagem à artista, símbolo de luta contra o machismo e racismo. O relacionamento de 16 anos que a cantora manteve com o ídolo do futebol Mané Garrincha foi marcado por episódios de violência doméstica, segundo a cantora, que morreu em janeiro de 2022.

A história é contada no documentário Elza & Mané — Amor em linhas tortas, da Globoplay. As agressões foram retratadas também no disco A mulher do fim do mundo, no qual Elza interpretou a música Maria da Vila Matilde. "Cadê meu celular? Eu vou ligar para o 180. Vou entregar teu nome e explicar meu endereço. (…) ‘Cê’ vai se arrepender de levantar a mão pra mim", cantou a artista.

Como buscar ajuda

  • Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento da Brigada Militar é 24 horas.
  • Para denunciar casos de violência contra a mulher contate o Disque-Denúncia pelo telefone 181.
  • Centro de Referência em Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul – 0800-644-5556
  • Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher – (51) 3288-2172
  • Centro de Referência de Atendimento à Mulher Vítima de Violência (Cram) - (51) 3289-5110, (51) 3289-5101 e (51) 3289-5117
  • Centro Estadual de Referência da Mulher "Vânia Araújo Machado" (CRMVAM) - 0800-541-0803

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