Zona Norte
Recuperação imobiliária, reforço em sistema anticheias e segurança: os de safios do 4º Distrito no pós-enchente
Cerca de 47 mil pessoas e 5,8 mil empresas foram afetadas pela cheia nos bairros Farrapos, Floresta, Humaitá, Navegantes e São Geraldo


A profissional de marketing e eventos Karine Ribeiro de Oliveira construiu a maior parte da vida na região do 4º Distrito, na zona norte de Porto Alegre. Aos 10 anos de idade, os pais decidiram sair do Centro Histórico em busca de uma opção com mais área verde e próxima à área central. Ao longo das décadas seguintes, a família passou por bairros como Vila Farrapos e Humaitá. Hoje, aos 47 anos, Karine ainda nutre uma relação especial com a localidade, mesmo após a enchente de 2024, que atingiu um metro e meio de água no seu apartamento térreo no Humaitá.
O apartamento em que Karine vivia foi totalmente reformado e vendido. Mas, apesar do trauma, a moradora não desistiu do 4º Distrito. Junto do marido, Marcos Zuchetto, e da filha, ela nem considerou outras opções. O novo apartamento, agora no quarto andar, também fica no Humaitá.
— Aqui sempre foi o lugar. Minha mãe mora aqui, minha irmã tem apartamento aqui. Eu gosto desta área verde, desta proximidade do Centro, onde eu trabalho — afirma a profissional de marketing.

A recuperação imobiliária é um dos desafios do 4º Distrito no pós-enchente. A região é formada por cinco bairros — Farrapos, Floresta, Humaitá, Navegantes e São Geraldo —, e tem cerca de 1,5 mil hectares. Se, por um lado, a enchente afetou a venda de imóveis, os meses seguintes à tragédia foram de alta nos aluguéis, segundo o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS).
O bairro Farrapos foi um dos mais impactados. A venda de imóveis residenciais na localidade caiu 55% após a cheia. Os demais bairros também registraram menos negócios: São Geraldo (-29%), Navegantes (-21%), Humaitá (-11%) e Floresta (-9%).
A avaliação é que a dificuldade de comprar uma casa nova imediatamente e programas como o Estadia Solidária, da prefeitura de Porto Alegre, tenham levado a mais contratos de alugueis. Com exceção do Navegantes (-24%), a locação de imóveis em geral cresceu na Vila Farrapos (+417%), São Geraldo (+14%), Floresta (+13%) e Humaitá (+12%).
— A gente tem que levar em consideração o poder aquisitivo das pessoas. O 4º Distrito tem regiões com preços de aluguel menores do que em outras áreas próximas. É onde você consegue comprar ou alugar algo próximo ao Centro — explica Lucineli Martins, economista-chefe do Secovi-RS.
Nos negócios envolvendo imóveis comerciais, também foi possível observar queda nos bairros Navegantes (-38%) e São Geraldo (-15%). Nos demais, o saldo de vendas foi positivo, mas impulsionado por uma base menor: foram cinco imóveis comerciais vendidos no Humaitá (contra quatro antes da enchente) e dois imóveis a mais no bairro Floresta.
Teve quem tentou sair do 4º Distrito após a enchente, mas fatores como aluguel e logística mudaram os planos. Foi o caso da empresa de engenharia MKS, nascida há 50 anos em Porto Alegre e que atua, desde 2021, em uma área locada vizinha ao Instituto Caldeira, no bairro Navegantes. No imóvel, a água atingiu dois metros de altura e provocou um prejuízo milionário.
— O perfil de espaço que a gente precisava para locação é um perfil que estava totalmente esgotado, todo mundo estava procurando em Porto Alegre. Chegamos a olhar Canoas, na parte que não teve alagamentos, mas subiu muito o valor dos aluguéis. Colocamos na balança, conseguimos uma negociação com o locador e foi mais prático a gente permanecer — diz Laura Mentz, analista de processos da empresa.
O painel da enchente da prefeitura aponta que cerca de 5,8 mil prestadores de serviços, estabelecimentos comerciais e indústrias da região foram impactados. Porém, não há um balanço oficial de empresas que se mudaram ou fecharam no Quarto Distrito após a enchente. Mas se faltam dados oficiais de quem se mudou ou fechou empreendimentos, sobram relatos de quem passou a conviver com a ausência de vizinhos.
— Tem um amigo nosso que ficou mais de 20 anos aqui do outro lado da rua. Ele desistiu, vendeu o negócio, vendeu o ponto e saiu. Um outro amigo que tinha um negócio aqui ao lado também saiu. Um outro saiu daqui da esquina e foi lá para a Rua Dona Leonor (bairro Rio Branco). Então, na região, a maioria acabou saindo — relata Ramiro Pretto, diretor comercial da Bodipasa Bombas Diesel, empresa com 75 anos de história no bairro Navegantes e que decidiu ficar.
— A gente não pensou em se mudar porque o prédio é próprio, nossa história toda é aqui. Nossa ideia sempre foi reconstruir — afirma o empresário.
Berço da industrialização de Porto Alegre, o 4º Distrito viu florescer outras atividades econômicas ao longo dos anos. A promessa de uma revitalização atraiu um contingente de micro e pequenos empreendedores, agora severamente atingidos pela enchente. Com o objetivo de recuperar também esse segmento, a prefeitura diz que está preparando um programa específico para microempresários.
— É para aquele pequeno empreendedor, aquela mãe ou aquele pai dessas comunidades mais carentes, que vende pão ou trabalha numa feirinha. Será um grande programa de qualificação, não é só um curso de empreendedorismo, mas toda uma assessoria de planejamento de negócios — afirma Filipe Tisbierek, secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Eventos de Porto Alegre.
Segurança pública
A recuperação da confiança entre moradores e de quem investe no 4º Distrito passa por fatores além da enchente. Superado o momento mais agudo de destruição e limpeza, a comunidade relata aumento na insegurança.
A Brigada Militar, por sua vez, registra queda de indicadores de crimes mais violentos, como roubo a pedestre e roubo de veículo no primeiro trimestre deste ano, na comparação ao mesmo período do ano passado. Mas incremento em outros tipos.
— Os equipamentos da prefeitura não dão conta de toda a população de rua, e nós temos um aumento no número de andarilhos nas madrugadas. Tem sido uma queixa constante, pois há crimes correlatos a esse tipo de público, que são os arrombamentos e furto de fios e cabos. São delitos menores, não são contra a vida, mas são contra o patrimônio e trazem um transtorno muito grande ao comerciante que vai abrir o comércio e não tem luz — explica o tenente-coronel Hermes Völker, comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), responsável, junto com o 11º BPM, pela segurança nos cinco bairros do 4º Distrito.
Para coibir a ação de ladrões de fios e cabos, a Brigada Militar afirma ter reforçado o patrulhamento nas madrugadas. Segundo o comandante do 11º BPM, tenente-coronel Daniel Araújo de Oliveira, foram 24 pessoas presas por furto de fios e cabos no primeiro trimestre deste ano na região.

O medo de futuras enchentes
A tragédia climática afetou 47,3 mil pessoas no 4º Distrito, segundo o painel da prefeitura. Quase um ano depois da enchente, a região segue no aguardo de ações que possam proteger a localidade contra o avanço das águas.
Presidente Associação das Empresas dos Bairros Humaitá-Navegantes (AEHN), Marise Mariano diz que a entidade luta para a retomada da confiança na região.
— Somos um bairro que já tem um preconceito contra a chuva, água e alagamento. Isso está impregnado nas pessoas. A associação insiste muito com isso, para que a tragédia não caia no esquecimento, e insiste muito com o poder público — afirma Marise Mariano, que também é superintendente do shopping DC Navegantes.
Segundo o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), durante a enchente, ocorreram falhas em seis casas de bombas e em três comportas do 4º Distrito. O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) projeta mudanças. Duas dessas comportas — de número 12 e 14 — serão substituídas por estruturas móveis com novos motores. A de número 13 será concretada e fechada definitivamente.
Segundo o diretor-executivo do Dmae, Vicente Perrone, os consórcios vencedores da licitação já foram aclamados, e a minuta dos contratos está em vias de ser assinada nos "próximos dias". A substituição das comportas 11 (que não falhou), 12 e 14 custará R$ 8,2 milhões e será feito pelo consórcio MGC Comportas. Além disso, será feitos o fechamento definitivo das comportas 8, 9, 10 e 13 pelo Consórcio DW-ESTAQ ao valor de R$ 3,1 milhões.
Em relação às casas de bombas, quatro equipamentos estão sob processo de licitação em toda a cidade. Projetos para melhorias em outras quatro devem ser apresentados até maio e licitados até junho. A expectativa do Dmae é dar prioridade à modernização de 16 casas de bombas de Porto Alegre, o que deve incluir a elevação de quadros de comando, de geradores e tanques de combustível. São medidas que fazem parte de um projeto mais ambicioso de proteção de Porto Alegre.
— A angústia da população pede uma velocidade maior. Mas, trazendo para a realidade do poder público, tanto municipal quanto estadual, acho factível dizer que a gente vai reconstruir um programa de resiliência climática entre cinco e 10 anos. Não acho que seja algo tão superlativo em termos de atraso. Para você ter uma ideia, a Holanda, hoje, tem um estudo, para o ano 2120 — justifica o diretor-executivo do Dmae.
A tragédia de 2024 levou às gerações pós-enchente de 1941 uma experiência e um trauma que pareciam muito improváveis. Depois do ano passado, ninguém mais ousa dizer que algo parecido não vai acontecer de novo. Mas a sombra de uma nova enchente histórica não apagou o otimismo de quem vive e empreende no 4º Distrito.
— A minha expectativa é positiva para a região. Porque existe uma grande identificação cultural dos moradores e de alguns empreendedores. Porto Alegre começou aqui, começou nesta zona do Navegantes. Tem famílias e instituições que estão aqui há 300 anos, do meu pai, do meu avô, do meu bisavô. Esse pessoal e os seus descendentes, de uma forma ou outra, vão continuar por aqui — resume o empresário Átila Mentz.