Exemplos inspiradores
Alinhavando recomeços: conheça a iniciativa que acolheu e gerou renda a mulheres durante a enchente no RS
Projeto Pulso RS oportunizou a vítimas das inundações de 2024 participação em oficinas para confecção de pulseiras de crôchê, que, vendidas, garantiram sustento e recuperação da autoestima
Foi no meio do caos da maior catástrofe climática do RS que muitas mulheres descobriram o poder das mãos que transformam. As integrantes do projeto Pulso RS confeccionaram milhares de pulseiras artesanais que geraram renda e salvaram vidas.
Essa história começou com a Asta, uma organização social que existe há 20 anos no Brasil. Ela nasceu no populoso bairro de Campo Grande, no Rio de Janeiro, criada por duas mulheres, Alice Freitas e Rachel Schettino, com o propósito de transformar artesãs em empreendedoras do universo feito à mão.
O mercado artesanal emprega 10 milhões de pessoas no Brasil e corresponde a 3% do PIB.
Em 2024, após a enchente, a Asta, que já trabalhava com artesãs no Rio Grande do Sul, começou a receber muitos pedidos de ajuda. Alice, cofundadora que mora em Nova Friburgo (RJ), lembra a maior provocação à época:
— O que a rede Asta vai fazer para ajudar as mulheres que perderam tudo a reconquistar suas rendas e reconquistar suas vidas?
Dessa angústia, nasceu o projeto Pulso RS.
— Pensamos em diversas possibilidades, mas precisávamos criar um produto simples e rápido de produzir, acessível até para quem não tinha técnicas artesanais, e que pudesse ser feito em qualquer lugar — lembra Alice.
Assim nasceram pulseiras de fios de algodão encerado, usando um ponto básico e crochê. Os detalhes que dão charme ao acessório são plaquinhas de porcelana escrita com palavras como "Fé, Coragem e Vida". Quem assina a concepção das peças é a artista plástica Mana Bernardes.
Sabemos que quando geramos renda para mulheres também estamos alimentando crianças e uma família inteira.
ALICE FREITAS
Cofundadora da Asta
Oportunidade de se reerguer
Maria José Silveira e Denise Milan, vítimas da enchente, encontraram no ateliê da Casa Violeta, um imóvel no bairro Rio Branco, na Capital, a chance de recomeçar. O local abrigou 127 mulheres e crianças durante um ano.
Foi na Casa, uma inciativa dos Institutos Survivor e Mee Too, criada em 29 de maio para acolher refugiadas climáticas, que elas participaram das oficinas do Pulso RS.
Maria é artesã desde criança. Apaixonada por linhas e agulhas, veio morar no Rio Grande do Sul um mês e meio antes da enchente. A curitibana desembarcou no Estado em busca de vida nova.
— Jamais poderia imaginar que a casa que aluguei perto do aeroporto de Porto Alegre fosse encher de água tão rápido — conta.
Deixou o computador, a máquina fotográfica e todas as roupas na prateleira mais alta do armário. Na cidade alagada, pegou carona num barco e nunca mais voltou para buscar os pertences.
— Era assustador pra mim, que não conhecia a cidade direito. Então, meu Deus, para onde eu vou? O que que eu faço? Ainda mais sendo mulher e sozinha — recorda.
Depois de muitas andanças, Maria foi parar na Casa Violeta. Foi lá que ela conheceu o Pulso RS. Participou de dois módulos do curso. Ao todo, fez 500 pulseiras.
Ter feito parte desse projeto do Pulso RS veio num momento que financeiramente eu estava zerada. E de repente eu me vi produzindo as pulseiras, tendo uma renda, podendo reorganizar a minha vida. Meu Deus. Podendo fazer, assim, uma compra depois de meses, né.
MARIA JOSÉ SILVEIRA
Artesã atingida pela enchente de 2024
Já Denise foi a primeira moradora da Casa Violeta. A cozinheira já estava desempregada antes da enchente e perdeu a moradia na inundação em Eldorado do Sul.
Hoje ainda não tem emprego e aguarda um laudo para encaminhar o pedido para ingressar num programa do governo. Nas horas difíceis, encontrou alívio com as oficinas das pulseiras.
Foi muito importante, não só para mim, mas para várias mulheres. Gerou renda para nós e nos ajudou muito. Foi uma terapia.
DENISE MILAN
Cozinheira e uma das vítimas da cheia do ano passado
Renda investida em aluguel, alimentação e outras necessidades
Foram produzidas 19 mil pulseiras (vendidas ao custo de R$ 39,90 cada) entre julho de 2024 e fevereiro de 2025. Participaram do projeto 56 mulheres como Maria e Denise, sendo que 32 delas receberam entre R$ 4 mil e R$ 9,5 mil.
Ainda conforme dados da Pulso RS, 80% das mulheres que produziram as pulseiras perderam tudo na enchente, e 56% conseguiram retomar a moradia com o apoio do projeto.
Um ano depois da tragédia, ainda há 7 mil pulseiras à venda. Ao todo, o projeto gerou mais de R$ 190 mil em renda direta para as mulheres. Quase todo valor usado para alimentação, aluguel e compra de utensílios e aparelhos domésticos.
Quase 100% das atendidas na iniciativa, como Denise, relatam que a atividade artesanal no momento de crise foi essencial para o resgate da autoestima e alívio do estresse.
Maria José está cheia de planos. Fez o segundo módulo do curso e se formou. Ela vai comprar material para abrir um pequeno negócio ao lado de outra artesã. E planeja morar definitivamente no Rio Grande do Sul.
— Eu diria que os gaúchos são o melhor povo do mundo. Amo esse lugar aqui. Sou apaixonada por essa terra. Quero agora fazer pelos outros aqui o que fizeram por mim.