Coluna da Maga
Magali Moraes: cantoria no céu
Colunista escreve às segundas e sextas-feiras no Diário Gaúcho


Tenho prestado atenção no canto dos pássaros. Não sei se é época, mas aqui no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, as caturritas estão particularmente faceiras. Talvez pensem que já é primavera, as mudanças climáticas confundem qualquer um. Na frente do meu prédio, há uma área verde que deve atrair essas aves. Mas nada garante que o som venha somente dali. Me parece que elas cantam por toda parte, afinando o gogó em cima dos telhados e nas copas das árvores.
Durante o dia, é preciso estar atenta pra ouvir. Imagina mexer em uma mesa de edição de som de tudo aquilo que nos cerca, separar cada camada de áudio e limpar os excessos: buzinas e sirenes, motores acelerando na rua, o interfone tocando, os alarmes do celular, os latidos de cães, as portas batendo dentro de casa, a TV alta do vizinho, a música nos fones de ouvido, as vozes internas. Abrir espaço pro silêncio, e então aumentar o volume das caturritas cantantes.
Balanços
De noite é mais fácil. Mesmo assim, levei um tempo pra identificar a cantoria. Que melodia esquisita, às vezes lembra o barulho de balanços sendo empurrados, as correntes de metal rangendo num ir e vir (mas que pracinha é essa, eu me perguntava). As caturritas têm senso de humor e brincam com os nossos sentidos, só pode. Nem adianta ir pra janela procurar as madames. O palco é um céu escuro, as luzes distantes nos distraem. E, de novo, somos envolvidos pelos ruídos da rotina.
Na praia, os passarinhos são mais exibidos. Cantam alto, visitam as plantas da casa, a gente consegue ver o show de pertinho. Mas na cidade, as caturritas fazem o que podem pra ter a nossa apreciação. Desviando de postes, placas, espigões e fios de luz, elas abrem caminho e cantam pra quem quiser ouvir. Agora mesmo, escutei uma delas. Quando o dia termina, elas recomeçam com seus trinados, revigoradas. E o que cantam, a gente não encontra em playlist. É no improviso, na coragem.