Saúde dos idosos
Mais vulnerável, público 60+ lidera internações e mortes por gripe no RS; números disparam nos últimos dois anos
Avanço acende alerta para vacinação e cuidados com as doenças respiratórias na terceira idade

Com a chegada do frio, o Rio Grande do Sul enfrenta um crescimento preocupante nas internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Segundo a nova edição do Boletim InfoGripe da Fiocruz, a influenza A (H1N1) segue sendo a principal causa de mortalidade por SRAG em idosos.
Até o momento, mais de 4 mil pessoas precisaram de hospitalização devido a infecções respiratórias — e uma parcela significativa desses casos é composta por pessoas acima dos 60 anos.
O cenário é tão crítico que o governador Eduardo Leite decretou emergência em saúde no Estado na segunda-feira (19), para permitir respostas mais ágeis por parte dos municípios. Porto Alegre também declarou situação semelhante, citando superlotação do Sistema Único de Saúde (SUS) e o avanço das doenças respiratórias.
Entre os vírus em circulação, destacam-se os da gripe (influenza A H1N1 e H3N2), com maior potencial de complicações justamente entre os mais velhos.
Conforme explica o representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Paulo Gewehr, o organismo humano envelhece ao longo do tempo, e isso inclui a perda de eficiência de diversos órgãos e sistemas, entre eles, o sistema imunológico.
— Esse processo, chamado imunossenescência, reduz a capacidade de defesa do corpo contra infecções, o que torna o idoso mais vulnerável a doenças infectocontagiosas — detalha.
Além da idade, outros fatores aumentam o risco de agravamento, como doenças crônicas (cardíacas, pulmonares, renais) e o uso de medicamentos imunossupressores. A gripe, segundo especialistas, também pode descompensar essas condições pré-existentes.
Quando a gripe passa a ser emergência?

Os idosos e familiares devem estar atentos aos sinais de agravamento, que exigem atendimento médico imediato:
- Dificuldade respiratória
- Dispneia (falta de ar)
- Febre alta que não cede
- Dor em pontada no peito
- Sensação de pré-desmaio
- Letargia ou sonolência excessiva
- Desidratação
- Alteração do estado mental (confusão ou delírio)
- Saturação de oxigênio abaixo de 95%
— Quando um paciente idoso apresenta sintomas respiratórios, é essencial fazer uma investigação aprofundada, além do tratamento, para evitar que o quadro evolua para SRAG — reforça o infectologista.
Cuidados redobrados
Com a maior circulação de vírus no outono e inverno, especialistas alertam para cuidados básicos que podem evitar o contágio e a propagação da gripe:
- Evitar contato próximo com idosos caso apresente sintomas gripais
- Usar máscara em ambientes fechados ou com aglomeração
- Manter a vacinação em dia
- Realizar exames ao perceber sintomas respiratórios
- Higienizar as mãos com frequência ou usar álcool gel
- Evitar ambientes com pouca ventilação e grandes aglomerações
— É importante lembrar que, além da gripe, também estamos lidando com a covid-19, o vírus sincicial respiratório (VSR) e a pneumonia bacteriana. Todas essas doenças exigem atenção e cuidado — alerta Gewehr.
Dados nacionais acendem alerta
Segundo o Boletim InfoGripe da Fiocruz, referente à Semana Epidemiológica 20 (11 a 17 de maio), ao todo, 20 das 27 unidades federativas apresentam incidência de SRAG em nível de alerta, risco ou alto risco, com tendência de crescimento, incluindo o Rio Grande do Sul.
A região Centro-Sul, onde está o RS, vive um crescimento expressivo dos casos, com níveis de incidência de moderado a muito alto.
Entre as capitais brasileiras, 16 estão atualmente em nível de alerta, risco ou alto risco para SRAG — entre elas, Porto Alegre. Segundo especialistas, os decretos de emergência são ferramentas importantes para permitir uma resposta mais rápida e eficiente do poder público.
— O decreto de emergência é necessário para reorganizar o fluxo de atendimento e mobilizar recursos diante de uma demanda que está muito acima do previsto — explica Gewehr.
Cobertura vacinal abaixo do ideal

A vacinação anual contra a gripe é a principal forma de proteção, especialmente contra casos graves e mortes. Mesmo assim, os índices seguem muito abaixo da meta.
No Rio Grande do Sul, a cobertura geral está em apenas 29,28%, com destaque negativo entre os grupos prioritários:
- 35% dos idosos vacinados
- 14% das crianças
- 17% das gestantes
Preocupação
A vacina oferecida pelo SUS é trivalente, garantindo proteção contra os vírus da influenza A H1N1, H3N2 e influenza B. No entanto, a baixa cobertura vacinal contra a gripe em 2025 é motivo de preocupação entre especialistas e autoridades de saúde.
Para Gewehr, o fenômeno é multifatorial. Um dos principais fatores é o impacto duradouro da pandemia de covid-19, que contribuiu para o fortalecimento de movimentos antivacina no Brasil, segundo ele.
De acordo com o especialista, impulsionadas por desinformação e notícias falsas, essas correntes acabaram abalando a confiança da população nas campanhas de imunização, afetando não apenas a adesão às vacinas contra a covid-19, mas também contra outras doenças, como a influenza.
Além disso, questões práticas também influenciam negativamente a cobertura. Para o especialista, embora as vacinas estejam disponíveis gratuitamente na rede pública, muitas pessoas enfrentam dificuldades de acesso, seja por limitações de deslocamento, seja pelos horários restritos de funcionamento dos postos de saúde.
Gewehr também aponta para o que chama de “fadiga vacinal” — um cansaço coletivo após o intenso calendário de vacinação imposto pela pandemia.
— Muitas pessoas se vacinaram várias vezes para a covid-19 e passaram a ver esse esforço como algo encerrado, deixando de lado outras imunizações igualmente importantes — observa.
Ele defende estratégias ativas de busca por essas pessoas, como campanhas itinerantes ou domiciliares, para reverter o cenário e ampliar a proteção da população.
Meta

A meta do Estado é alcançar 90% de cobertura entre os prioritários, mas a adesão tem diminuído ano após ano.
— No ano passado, fechamos com 52,5%. Em 2023, 61,7%. Este ano, estamos ainda mais abaixo — alerta Renata Petzhold Mondini, analista da Secretaria Estadual da Saúde (SES).
A campanha de vacinação começou em 7 de abril. Até terça-feira (20), foram aplicadas 313.762 doses em Porto Alegre. Do total, 144.502 foram nos grupos prioritários — o que representa 36,58% da meta de 395.061 pessoas vacinadas nesse público.
— A vacina da gripe é essencial porque reduz o risco de hospitalização e morte. Ela pode não impedir o contágio, mas reduz significativamente as complicações da doença. Existe, inclusive, uma versão de alta dose, chamada Efluelda, disponível na rede privada, que oferece até 24% mais proteção e poderia ser incorporada ao SUS — avalia Gewehr.
Para tentar reverter o cenário, o Estado liberou a vacinação para toda a população acima de seis meses e promoveu, no sábado (24), o Dia D de vacinação. Ainda assim, a orientação segue reforçando a prioridade dos públicos mais vulneráveis.
Vacinação em Porto Alegre

Na manhã de sexta-feira (23), o movimento era intenso no Centro de Saúde Modelo, na Avenida Jerônimo de Ornelas, em Porto Alegre. Entre idosos e acompanhantes, muitos buscavam a vacina contra a gripe.
A aposentada Maria Elizete Pozzobon, de 70 anos, natural de Santa Maria e moradora da Capital há quatro décadas, conta que ela e a família fazem questão de se vacinar todos os anos.
— Todo ano viemos nos vacinar. Este ano tivemos algumas dificuldades, por isso estamos vindo agora em maio. Já viemos eu, a minha irmã de 87 anos e meu esposo — relata.
Para ela, a vacina é essencial:
— Eu acho importantíssimo. E lamento que muitas pessoas não deem o devido valor a isso. Agora que a gente tem essas vacinas, inclusive covid-19 e outras, fornecidas gratuitamente, a gente precisa valorizar. A vacina é prevenção. Se a gente tiver algum problema, será de menor intensidade.
O professor de língua portuguesa Carlos Augusto da Silva Dias, também com 70 anos, reforça a defesa da ciência e da imunização.
— Na situação em que a saúde se encontra, o mais importante é não estar num hospital. Quando uma pessoa é internada, os familiares também sofrem — lamenta.
Para ele, a confiança na ciência precisa ser resgatada.
— As pessoas têm que confiar na ciência. A ciência evolui, tem melhores equipamentos, melhores estudiosos. O retrocesso tem que parar. Eu sou professor, sou incentivador do conhecimento — reafirma.
Carlos também chama atenção para a falta de informação sobre doenças graves. Ele cita a própria experiência com um câncer no reto que, segundo ele, poderia ter sido evitado com diagnóstico precoce.
— Gripe mata, mas falta informação. E sem educação, não tem solução — resume.
Vacinar é um ato coletivo
A analista da SES reforça que a vacinação não deve ser vista apenas como proteção individual, mas como uma responsabilidade coletiva para frear o avanço da doença, reduzir hospitalizações e evitar mortes.
— O principal recado é: vacinem-se. Levem os idosos. Incentivem os familiares. A gripe pode parecer simples, mas na terceira idade, ela pode ser fatal.
* Produção: Leonardo Martins
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