RETRATOS DA VIDA
"De uma necessidade, a trança se tornou a minha grande glória", afirma Morenique Vianna, trancista há mais de 10 anos
Ministério do Trabalho reconheceu recentemente o trabalho como atividade profissional, incluindo as profissionais ao grupo de serviços de estética e beleza

No dia 6 de junho, o Ministério do Trabalho reconheceu o trabalho de trancistas como atividade profissional. Dessa forma, ocorre a alteração da Lei n.º 12.592, de 18 de janeiro de 2012, que integra as trancistas ao grupo de profissionais dos serviços de estética e beleza, como cabeleireiros, barbeiros, manicures e maquiadores. A legislação inclui na CBO (Classificação Brasileira de Organizações) essa profissão específica.
Procuradora do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul, Larissa Alfaro integra a coordenação da Coordigualdade, que visa a promoção da igualdade nas relações de emprego. Ela entende que a alteração irá auxiliar no futuro da profissão.
— É uma forma de reconhecer que existem demandas específicas para essa categoria, sejam novas leis ou até mesmo medidas de segurança. A partir desse reconhecimento, é possível fazer uma identificação de quantos são esses profissionais e entender as demandas — ressalta a procuradora.
Ancestralidade
Trancista há mais de 10 anos, Morenique Vianna, 33, é a prova de que a profissão mudou a sua vida. Começou a trançar ela mesma quando tinha apenas 12 anos de idade.
— A minha mãe não tinha mais dinheiro para pagar as minhas tranças. Foi assim que eu decidi que iria aprender a trançar, para eu nunca mais ter que pedir dinheiro para ela — relembra Morenique.
Determinada e ainda muito nova, ao longo dos anos, a jovem começou a embelezar, além dela mesma, sobrinhas e amigos. Aos poucos, foi construindo o sonho de ser trancista. Entretanto, o pensamento era sempre o financeiro. Era difícil acreditar que conseguiria alcançar uma independência apenas com esse trabalho.
Em 2015, uma amiga indicou Morenique para ser auxiliar em um salão de beleza. Pelo incentivo da amiga, decidiu enfrentar esse desafio. Assim, começou a aceitar que as tranças poderiam, sim, ser uma forma de renda.
Após essa primeira oportunidade, Morenique trabalhou em muitos salões de beleza na Capital, passando por algumas dificuldades que profissão exigia:
— Eu passei por vários salões e diversas vezes eu quebrei, várias vezes eu caí. Quebrei e caí por falta de credibilidade. Todo mundo olha a trança e falava que aquilo não dava dinheiro.
Enquanto seguia seu sonho, decidiu iniciar a faculdade de Ciências Contábeis e passou a trançar em um espaço que tinha em casa. Percebendo que poderia conciliar os estudos e as tranças, quis montar um espaço próprio para ampliar sua atuação:
— Foi quando eu vi que várias meninas estavam abrindo seus espaços que eu pensei que conseguiria também — relembra Morenique.
Desafio logo ao abrir espaço próprio
Em 2024, também por indicação de uma amiga, Morenique conseguiu uma sala em um estúdio. Seria a primeira vez que teria um espaço próprio. Localizado na Rua dos Andradas, no centro da Capital, o local comporta apenas uma cliente por vez, além disso, a trancista não possui nenhuma auxiliar, ficando até oito horas realizando o mesmo trabalho.
Entretanto, uma semana depois de abrir o espaço, em maio, o Estado viveu a maior tragédia climática. Morenique teve que se reorganizar financeiramente, mas em agosto, conseguiu voltar com os atendimentos.
Atualmente, a trancista tem a sua renda mensal por meio deste trabalho, que inclusive, já obteve destaque no setor audiovisual:
— Hoje as minhas tranças já chegaram em lugares que me surpreendem cada vez mais. O meu trabalho já apareceu em filme, com grandes artistas, em curtas, propagandas... De uma necessidade, ela (trança) se tornou hoje a minha grande glória — diz emocionada.
E ainda segue com a faculdade:
— Eu sou uma trancista, mas com formação em Contábeis. A minha ancestralidade está me levando a lugares que eu sempre sonhei —afirma Morenique.
Para a trancista, o reconhecimento do Ministério do Trabalho é um marco histórico:
— Só a gente sabe o quanto é difícil tratar o nosso trabalho como um "bico", informal e sem o real valor que ele tem.
Ela ainda destaca que é uma forma de abrir portas para a formalização de um trabalho que é realizado por anos.
— Hoje tenho certeza de que escolhi o caminho certo e que ainda temos muito pra conquistar, mas agora com base legal pra isso — afirma Morenique.
Sonhos realizados pelas tranças
Para Tays Correa, 35 anos, as tranças também possibilitaram a realização de muitos sonhos. Vinda de uma família grande e negra, o trançar esteve presente desde muito nova em sua vida. Quando cresceu, passou a exercer a arte em outros familiares. Em 2016, enquanto trabalhava como técnica em Segurança do Trabalho, teve o seu primeiro filho e não conseguiu mais entrar no mercado de trabalho. Dessa forma, viu nas tranças uma forma de se reerguer financeiramente.
Atuando como motorista de aplicativo, conseguiu realizar os primeiros cursos para se especializar na área. Sua primeira oportunidade foi em um salão de beleza na Capital, em 2017. Assim, aos poucos, foi profissionalizando a sua técnica.
Durante três anos, as tranças foram a principal forma de renda para Thays. Auxiliou profissionais em outros salões, até que em 2022 abriu o seu próprio espaço, localizado no centro de Porto Alegre. Mas devido ao sonho de seu filho em ser atleta, Tays teve que mudar o rumo. Somente com a prática das tranças, não seria possível cobrir os gastos que eram exigidos:
— É um dia de cada vez, é um desafio de cada vez. Todo dia tem que se reinventar, fazer coisas novas. Porque tu não consegue manter só uma sala sozinha com as tranças. Tu tem que ter mais pessoas para fazer mais tranças também.
Cabelos afro
Devido a essas dificuldades para se manter, Tays decidiu ampliar os serviços que oferecia. Assim, começou a realizar também especializações para cabelos afros, como hidratação, entrelace e mega hair.
— Não sou realizada hoje como trancista, porque queria ter meu espaço, queria ter mais colaboradores, queria muito dar curso para outras pessoas terem essa liberdade financeira, mas não consegui _ enfatiza Tays.
Mesmo ampliando a sua área de atuação, a trancista ressalta:
— As tranças me deram a oportunidade de eu sair da minha profissão em segurança de trabalho para cuidar do meu filho.
Refletindo sobre esse reconhecimento, Tays espera que as condições para as trancistas melhorem, entretanto, fica preocupada com a taxação.
— Eu acho que é positivo para as pessoas verem que trancista é sim uma profissão, que sustenta muitos sonhos. Mas o meu medo é a taxação — admite.
Acompanhe o trabalho:
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*Produção: Ana Júlia Santos