Notícias



Acolhimento

Escola de Porto Alegre é referência no atendimento a alunos venezuelanos e haitianos

Um em cada 10 estudantes da EMEF Ildo Meneghetti, no bairro Rubem Berta, veio de fora do Brasil. Projeto ajuda alunos recém-chegados na adaptação ao idioma

29/06/2025 - 21h50min


Isabella Sander
Isabella Sander
Enviar E-mail
André Ávila/Agencia RBS
Kathie e Enyerber estudam na Escola Municipal Ildo Meneghetti.

Mudar de país não é fácil, especialmente quando se é uma criança e não se sabe falar o idioma daquele lugar. Mas dificuldades enfrentadas em suas nações de origem têm trazido com frequência venezuelanos e haitianos para Porto Alegre: em cinco anos, a rede municipal registrou crescimento de 40% no número de estudantes vindos de fora, chegando a 622, atualmente.

A Escola Municipal Ildo Meneghetti, no bairro Rubem Berta, tem despontado como referência no acolhimento desses alunos. Um em cada 10 matriculados lá veio de outro país. 

Atualmente, 147 migrantes estudam lá, quase todos originários da Venezuela ou do Haiti. Por esse motivo, o Dia Nacional do Imigrante, celebrado em 25 de junho, é uma data especial para a instituição, que tem em seus muros grafites que simbolizam a valorização da diversidade percebida lá dentro.

Percebendo a dificuldade deles para se enturmar e acompanhar as aulas em português, a professora de Espanhol Alessandra da Silva Fraga criou, em 2023, o Projeto Multilinguismo na Escola, uma espécie de atividade de reforço para adaptação ao idioma, alfabetização, estudo e acolhimento.

— Eu nunca tinha trabalhado em uma escola com tantos imigrantes, e percebi a dificuldades deles na aprendizagem, que precisavam de alguém que sentasse e escutasse direitinho o que eles precisavam. Aí, pensei em um projeto de monitoria em que alunos haitianos e venezuelanos se ajudassem nos estudos — relata a professora.

Deu muito certo. Hoje, dos 147 migrantes, 63 participam do projeto e sete atuam como monitores, sendo quatro venezuelanos e três haitianos. Uma das monitoras é Kathie Saint Fort, 12 anos, que veio do Haiti em novembro de 2023 e, no ano passado, era atendida pela iniciativa. Agora, adaptada e fluente em português, ajuda os colegas recém-chegados.

— Eu gosto muito do projeto porque a “sora” é legal e tem várias crianças também que aprendem as coisas, e eu acho bem legal ajudar outras crianças como a gente. A "sora" ajudava nos meus temas, nas coisas que eu tinha dificuldade. Aí eu acabei gostando do projeto e ela perguntou se eu queria ser monitora, aí eu fiquei feliz — conta.

André Ávila/Agencia RBS
Kathie Saint Fort, 12 anos, veio do Haiti em 2023.

Kathie lembra das dificuldades enfrentadas no Haiti, mas diz que, apesar de a sua família ter uma vida melhor no Brasil, a saudade do que deixou para trás aperta – especialmente do irmão mais velho, que ainda não conseguiu se mudar.

— Quando a pessoa vai para outro país e sai do país dela, que ela estava acostumada, ela se sente meio chateada, com saudade do seu país. Quando eu cheguei estava muito chateada, mas a minha mãe falava que não tinha outro jeito, né? Que ela também não queria sair de lá, mas, pelas dificuldades, não tinha escolha — recorda a estudante do 6º ano.

Enyerber Diaz Mirabal, sete anos, se mudou da Venezuela quando tinha cinco. O pequeno tem lembranças difíceis do período antes da mudança.

— Eu gosto de morar no Brasil porque passei por muitos problemas lá na Venezuela. Nós estávamos pobres e tínhamos que tomar banho com água fria. Por isso minha mãe arrumou dinheiro para vir para cá, mas a minha avó ficou. Só veio depois — diz.

André Ávila/Agencia RBS
Enyerber Diaz Mirabal, sete anos, se mudou da Venezuela quando tinha cinco.

Eu gosto de morar no Brasil porque passei por muitos problemas lá na Venezuela.

ENYERBER DIAZ MIRABAL

Estudante

No colégio, o aluno do 2º ano do Fundamental conta que adora as aulas de artes e que já tira de letra o português. De vez em quando, tem alguma dificuldade em matemática, que leva para o projeto.

— É muito bom, fazemos muitas tarefas e a professora ajuda — ressalta Enyerber, que já fez um amigo no projeto que também é venezuelano.

Os dois dizem que gostam de ir à escola. Kathie fala da sua preocupação com a mãe, que se vira em diferentes empregos para dar conta das despesas e juntar dinheiro para trazer o filho mais velhos ao Brasil. Diz que sonha em dar uma vida melhor para a família.

Meu sonho é ser cantora, para ajudar a minha família, e fazer faculdade.

KATHIE SAINT FORT

Estudante

— A minha madrinha me disse assim: ninguém vai melhorar a tua vida para ti. É tu que tem que trabalhar desde pequeno para realizar os teus próprios sonhos, porque o sonho é teu, e tu não pode desistir por nada. Meu sonho é ser cantora, para ajudar a minha família, e fazer faculdade. Só não sei ainda do quê — vislumbra a garota.

Já o pequeno venezuelano sonha em ser “futebolista”: jogador de futebol.

O projeto

Os sete monitores são convidados pela professora Alessandra e atuam ajudando os recém-chegados dos seus países no turno contrário aos que eles estudam. Como leciona espanhol, a docente consegue apoiar aqueles que vêm da Venezuela, mas precisa muito do apoio dos haitianos, pois não fala francês crioulo. O andamento das aulas é apresentado às famílias das crianças por meio de um grupo no WhatsApp.

André Ávila/Agencia RBS
Os monitores são convidados pela professora Alessandra.

— É um projeto que serve para a adaptação à língua portuguesa, mas, de vez em quando, eu tenho que dar uma força em matemática, também. Eu faço um caderno para cada um, de acordo com o nível de aprendizagem deles, e eles ficam estudando: um estuda gramática, outro interpretação de texto, outro alfabetização — explica Alessandra.

Os participantes da iniciativa são indicados pelos professores das turmas, que percebem quais têm dificuldades e quais não têm. Mas o trabalho de acolhimento acontece com todos os recém-chegados: os monitores são acionados para passear pela escola e conversar com os novos colegas.


MAIS SOBRE

Últimas Notícias