Papo Reto
Manoel Soares: "O bem que faz mal"
Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados


Nesta semana, levei um baque. Uma pessoa que ajudei várias vezes – inclusive com grana – me disse uma quantidade absurda de desaforos e me bloqueou no WhatsApp. Na hora, senti uma raiva enorme. Me doeu a falta de gratidão, de reconhecimento por tudo o que já fiz por ela.
O motivo da fúria? Desta vez, eu não podia ajudar. Mesmo tendo explicado com educação, isso bastou para que ela soltasse o que parecia guardado há tempos.
Depois de pensar bastante, entendi que a minha raiva nem era dela – era de mim mesmo. De todas as vezes em que me coloquei como herói da história. Ajudar fazia bem, massageava meu ego. Virei dependente da sensação boa de me sentir necessário.
Virou rotina
Só que essa ajuda virou rotina. Deixou de ser um gesto e virou obrigação. Sem que a gente percebesse, a relação virou um teatro: ela, a pessoa em perigo; eu, o “salva-vidas”. Não foi algo combinado, mas nossos gestos criaram um acordo silencioso.
Quando disse “não” pela primeira vez, saí do papel. E, sem herói, não fazia mais sentido manter a vítima. Ela pôde, então, dizer tudo o que sentia – inclusive sobre mim.
Essa ruptura me fez enxergar que, às vezes, ajudar não é só bondade. Pode ser vaidade disfarçada, uma forma de tentar ser melhor às custas da fragilidade do outro. E, muitas vezes, a gente nem percebe que está fazendo isso.
Ela desabafou o que sentia. Não estava errada. Agora cabe a mim escolher com mais consciência como – e a quem – ajudar daqui para frente.