Papo Reto
Manoel Soares: "Veneno e remédio"
Colunista escreve no Diário Gaúcho aos sábados


Essa semana só se falou em Poze do Rodo e Léo Lins. Um foi preso por fazer apologia ao tráfico através das músicas, o outro foi condenado a oito anos de prisão por fazer piadas que contêm declarações preconceituosas contra negros, obesos, idosos, pessoas com HIV, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos, evangélicos e pessoas com deficiência. Em ambos os lados, os amantes do funk e a classe de artistas e humoristas usam a liberdade de expressão como argumento para continuar fazendo o que fazem.
Óbvio que no caso do Poze do Rodo existe o elemento do preconceito racial e da discriminação de classe, mas no fim estão pedindo que ele cale a boca, assim como o Léo Lins. Há mais de 500 anos um cara chamado Paracelso, que era médico e físico, disse uma frase que resume em parte o que significa o uso da liberdade de expressão: “A diferença entre o remédio e o veneno está na dose”. Tudo que é usado sem critério e bom senso, pode virar veneno, simples assim.
Todo mundo tem direito de falar e cantar o que quiser, mas quando a pessoa coloca suas ideias na internet, nos serviços de streaming ou nas plataformas de música, tem que estar disposto a aguentar a paulada depois. Quando os shows ficam lotados e a pessoa ganha em uma noite o equivalente a um ano de salário mínimo, ela fala que isso é fruto de trabalho. Mas, quando o bicho pega e ela é condenada ou presa, alega que isso é perseguição e não resultado do trabalho. Mas digo que a grana e a cadeia que essa pessoa ganha são frutos de seu trabalho.
O argumento de que ninguém precisa assistir ao show de um comediante se não quiser ouvir as piadas não cola nos dias de hoje, pois o algoritmo coloca em nossos feeds o que nem sequer pedimos para ver.
Quem quiser fazer piadas que na cabeça de gente fraca incentivam a pedofilia, que crie um site fechado e as coloque lá. Mas não em uma rede onde milhões de pessoas vão receber e alimentar o viés cognitivo deturpado a partir do inconsciente, que pela dopamina espalhada com a piada vai naturalizar absurdos.
Se o Poze do Rodo quer fazer denúncias — na maioria das vezes eu concordo com elas —, precisa fazer isso com classificação indicativa. Da mesma forma que não quero que meus filhos pequenos assistam a telejornais sensacionalistas mostrando cenas de violência, não quero que ouçam músicas que através da denúncia social contaminem ainda mais a cabeça de uma criança que já é vítima da realidade. E permitir que ela reviva isso através da música é criar uma revitimização.
A liberdade de expressão não é passe livre para cada um falar o que quiser, pois, se as palavras serão veneno ou remédio, quem vai dizer é a dose de bom senso que você tem.