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Peso no bolso

Preço do café mais do que dobra na Região Metropolitana e faz consumidores mudarem hábitos

Custo cresceu para o produto nas prateleiras e também no tradicional cafezinho, servido em lancherias e cafeterias

03/06/2025 - 09h53min

Atualizada em: 03/06/2025 - 09h55min


Anderson Aires
Anderson Aires
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Jonathan Heckler/Agencia RBS
Aposentada Maria Helena diminuiu o consumo, diante da alta de preço.

Moradora de Porto Alegre, a aposentada Maria Helena Michalski, 65 anos, costumava passar até quatro cafés por dia. Diante da alta no preço do produto nos últimos meses, ela reduziu a preparação a no máximo duas coadas diárias. Além disso, troca de marcas conforme o preço e pensa duas vezes antes de oferecer a bebida a visitas.

A estratégia de Maria Helena ocorre em um cenário no qual o preço do café moído subiu 101,68% na Grande Porto Alegre no acumulado de 12 meses fechados em maio. Os dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerada a prévia de inflação.

Maria Helena é um dos tantos brasileiros que mudaram o hábito de consumo de café, uma das bebidas mais populares do mundo, presente no desjejum, nas reuniões e nas boas-vindas a visitas. Com o preço do café moído dobrando em um ano na Grande Porto Alegre, consumidores buscam, como a aposentada, alternativas para não abrir mão da bebida.

O economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), afirma que a alta no preço do café no país ocorre em um cenário de choque na oferta no mundo. Entram nesse contexto problemas climáticos internos, com seca e queimadas no país, e internacionais, como quebra de safra no Vietnã, um dos principais produtores do grão no mundo.

— A oferta de grãos no mundo caiu. Então, isso sustentou preços cada vez mais altos. O Brasil é um grande produtor e exportador de café. E a desvalorização da nossa moeda frente ao dólar também estimulou mais as exportações. O café brasileiro ficou com preço mais competitivo, ainda que o grão tenha aumentado muito, dada a desvalorização cambial. Então, é basicamente um choque de oferta. Você tem pouco café para uma demanda grande — destaca Braz.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Pavel Cardoso, afirma que o setor enfrenta problemas de descasamento entre produção e consumo nos últimos anos. Nesse sentido, ele destaca geada em 2021, recuperação das lavouras abaixo do esperado, em 2022, El Niño, em 2023 e temperatura e chuvas fora do esperado no ano passado.

— Veio toda uma complexidade que levou inclusive, em cima desse fundamento, os fundos não comerciais a ampliarem seus portfólios de café na sua composição de investimentos e tracionarem o mercado para índices históricos nunca antes vistos — explica Cardoso.

Mudança de hábito

Além dos saltos no preço do café, dados da Abic mostram queda no consumo. No país, as vendas do produto no varejo caíram 15,96% em abril ante o mesmo mês do ano passado. No quadrimestre, a queda foi de 5,13%. Levantamento da associação também mostra que o preço médio do quilo do produto no varejo subiu de R$ 32,90, em março de 2024, para R$ 64,80 em 2025 (veja no gráfico).

Ainda assim, boa parte da população segue consumindo a bebida, mesmo que diminuindo a quantidade, trocando de marca ou substituindo por outras variedades. Com isso, os preços seguem subindo, como explica o economista André Braz:

— Não existe um substituto grande para o café. Então quando a oferta despenca muito, a demanda se sustenta alta e isso faz o preço disparar. Por isso que você vê na média nacional uma alta de 83%, que em Porto Alegre foi de cento e tanto.

Com café mais caro, a aposentada Maria Helena Michalski, citada no começo da reportagem, percebe que o hábito de oferecer a bebida em um primeiro contato com visitas e em reuniões está sendo repensado.

— Todo mundo está sentindo isso. Tomar e servir café virou um hábito, uma rotina. Todo mundo dá um cafezinho. Hoje, já não tem mais isso, né? Hoje, tu pensa bem pra passar um café — comenta, enquanto compra filtros para café em um supermercado da Zona Norte.

Jonathan Heckler/Agencia RBS
Vladimir não abre mão do cafezinho, mas busca sempre o mais barato.

Desempregado e em busca de uma nova colocação no mercado, Vladimir Oliveira dos Santos, 50 anos, é uma das pessoas que não conseguem abandonar o tradicional cafezinho do dia a dia. Bebendo uma xícara de café, acompanhada de um pastel de carne, na manhã da quinta-feira (29), em uma lancheria no centro de Porto Alegre, Santos afirma que tenta driblar a alta nos valores. Vivendo de bicos e de favores, ele destaca o café como um companheiro para dar o gás na busca de emprego e na rotina:

— Não adianta, o cara está acostumado. Paga um pouco mais caro, mas é um costume. Não tem. Café é a nossa bebida. Temos que tomar ele dia e noite. Tomo de manhã, de tarde e até de madrugada. Mas vou no mais barato. Toda vida. Ainda mais que estou desempregado.

Já o morador do bairro IAPI Edesyo Nunes Rosa, 38, viu na subida de preço do café a oportunidade para largar o produto. Acostumado a tomar doses fortes da bebida como pré-treino, antes de praticar exercício físico, Rosa já queria diminuir o consumo porque não sentia o efeito desejado. Com os preços dobrando, decidiu parar de beber café. Agora, com a chegada do frio, optou pela versão solúvel. Mesmo assim, ainda sente o peso no bolso:

— Comprei para fazer um cafezinho com leite. No frio, não tem como, eu preciso, né? Então, eu já comprei um solúvel aqui pelo menos. O impacto é menor no solúvel, mas dá para ver a diferença de valor, com certeza.

Jonathan Heckler/Agencia RBS
Edesyo decidiu parar de consumir café em pó.

Cafeterias

A mudança no consumo e na demanda também é percebida na indústria de cafés especiais e nas cafeterias, que lidam com preços mais elevados na compra do insumo.

Clovis Althaus, sócio do Café do Mercado, afirma que a alta no preço do produto tem respingado na operação da empresa, que atua na indústria, no ramo de cafeterias e também no varejo, com produtos comercializados em alguns supermercados. Althaus cita uma diminuição de 15% a 20% nas vendas de cafés para cafeterias, principal atividade do negócio. Além disso, percebe queda na quantidade de café comprado por clientes no balcão.

— Com certeza a gente observa isso. Pessoas que levavam 500 gramas, levando 250 gramas. A minha percepção é de que é uma questão que vai além do café. A gente percebe essa dificuldade em vários produtos do dia a dia. Então, as pessoas estão sempre tendo que planejar melhor — analisa o empresário.

Althaus afirma que esse cenário tem travado novos investimentos da empresa e aportes que teriam de ser realizados para manutenção ou reparo de equipamentos da companhia, afetada pela inundação de maio.

Guert Schinke, sócio-proprietário da Baden Torrefação de Cafés, afirma que também teve de reajustar os preços nos últimos meses. Porém, afirma que observou aumento nas vendas. O empresário diminuiu um pouco a margem de lucro e espera ter nos próximos meses uma análise melhor do impacto da alta dos preços na operação. Schinke estima que com o café comum mais caro nos mercados pode ter havido migração de alguns consumidores para os cafés especiais, diante do encurtamento da diferença de preços entre os dois produtos.

A alta no preço do café também se espraia pelas tradicionais lancherias da Capital. Em um estabelecimento no entorno do Mercado Público, o atendente Auricelio Costa Mota, 45 anos, afirma que o preço de uma xícara de café subiu de R$ 3 para R$ 4 nos últimos meses. Já o combo de um pastel de carne mais uma xícara de café saltou de R$ 11 para R$ 12. Mesmo assim, os clientes não deixam de comprar, segundo Mota:

— Reclamam um pouco, falam que subiu. Tá muito caro o café, né? Mas o pessoal segue comprando aqui. Metade reclama, mas segue comprando.

Próximos meses

O presidente da Abic afirma que a safra de 2025 não deve atingir patamar robusto o suficiente para recompor as perdas de anos passados. Com isso, a volatilidade nos preços deve seguir nos próximos meses. No entanto, afirma que, olhando para a safra de 2026, é possível estimar cenário de descompressão, mas sem queda abrupta nos valores:

— A gente acredita firmemente que terá um aquecimento bastante importante, trazendo os preços, eu não diria para níveis anteriores, mas para baixo ainda neste ano e naturalmente dando no último quadrimestre preços mais convidativos para o consumidor que aprecia tanto o café.

O economista André Braz também projeta safra melhor no ano que vem, o que pode reduzir a pressão sobre os valores do produto.


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