Ação coletiva
Prefeitura de Porto Alegre diz à Justiça não ter responsabilidade sobre enchente e acusa MP de agir por motivos extrajurídicos
Para o município, os réus no processo que pede indenização para os atingidos pelas águas deveriam ser o Estado e a União


A prefeitura de Porto Alegre se manifestou na ação coletiva movida pelo Ministério Público (MP) contestando que tenha qualquer responsabilidade sobre a enchente que deixou parte da cidade inundada em 2024. Uma eventual derrota da prefeitura neste processo tem potencial de fazer o município pagar bilhões de reais em indenização para moradores e empresários de 19 bairros da Capital.
Na defesa, a prefeitura alega que, se há responsabilidade pelos danos da enchente, eles devem ser cobrados do Estado e da União. Na argumentação, o município também acusa o MP de agir por motivação "de ordem extrajurídica" por buscar a responsabilização exclusiva da prefeitura.
Nas 101 páginas da defesa, a Procuradoria-Geral do Município (PGM), órgão jurídico da prefeitura, alega que a proteção contra cheias é responsabilidade constitucional da União — tese que, se for aceita pelo juiz do caso, fará o processo ser remetido à Justiça Federal.
A prefeitura de Porto Alegre também diz que, além da União, o Estado do Rio Grande do Sul poderia ser alvo do MP na ação. Isso se justifica, segundo a PGM, pelo fato de que as enchentes de 2024 dizem respeito a rios que atravessam vários municípios gaúchos.
"Em resumo: em demandas que tratam de responsabilidade civil com fundamento em enchentes provocadas por cheias de rios que ultrapassam limites municipais, a jurisprudência reconhece a ilegitimidade passiva dos municípios e a legitimidade dos Estados", diz trecho da defesa.
Prefeitura acusa MP de agir por motivos extrajurídicos
A defesa da prefeitura também faz duras críticas à atuação do MP no caso, afirmando que os promotores responsáveis pela ação adotaram uma "narrativa reducionista e atécnica".
"Chega a ser inconcebível que numa demanda indenizatória de cifras bilionárias aforada exclusivamente contra o ente municipal, os promotores autores não tenham redigido uma palavra sequer sobre os fundamentos constitucionais que regem os fatos que submetem à apreciação jurisdicional", diz outro trecho da defesa.
Na mesma peça, a prefeitura ainda sugere que o MP decidiu processar exclusivamente a prefeitura de Porto Alegre por motivos que ultrapassariam o universo jurídico.
"O município de Porto Alegre desconhece a razão pela qual os autores (...) deliberadamente ignoraram os dispositivos de ordem constitucional que definem as responsabilidades pela defesa permanente contra inundações (à União – art. 21, XVIII) e pelas águas dos rios (aos Estados – art. 26, I). Certo é que, sejam quais forem esses eventuais motivos, eles são de ordem extrajurídica e contrariam a ordem constitucional e processual, a ser resguardada pelo Poder Judiciário", escreveram os procuradores municipais responsáveis pela defesa.
PGM rebate argumento do site
O mesmo tom é adotado pela prefeitura para contestar uma das provas apontadas pelo Ministério Público acerca da responsabilidade municipal pelo sistema de proteção contra cheias.
Entre os argumentos apresentados pelo MP, há referência a uma publicação institucional no site da prefeitura em que é afirmado que "o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) somente veio a controlar totalmente o sistema de proteção contra as cheias em 1990". O trecho, segundo os promotores, mostra que a prefeitura era integralmente responsável pela manutenção das casas de bombas, comportas e diques — equipamentos que falharam durante a enchente de 2024.
"Na presente demanda (...), os autores conjecturam que 'todos sabem' que o sistema de proteção seria de administração exclusiva da Prefeitura Municipal. O embasamento apresentado pelos promotores para tal conjectura, por inacreditável que possa parecer, é o sítio eletrônico da Prefeitura Municipal de Porto Alegre", diz outro trecho da defesa.
Enchente foi "caso de força maior"
A defesa da prefeitura, assinada pelo procurador-geral do Município, Jhonny Prado, e pela procuradora municipal Carolina Falleiros, também argumenta que a enchente de 2024 deve ser tratada pela Justiça como um caso de força maior. Ou seja, um caso em que ninguém pode ser responsabilizado, porque não era possível se proteger de um evento da natureza com características tão extraordinárias.
"O dano alegado na exordial não é fruto de omissão ou falha na prestação de serviço por parte do ente municipal, mas, sim de um evento natural extraordinário e inevitável, inclusive considerados os parâmetros técnicos do sistema de proteção", aponta a defesa.
Mais adiante, a prefeitura diz que uma enchente como a de 2024 sequer se cogitava, seja pelo poder público, seja por órgãos de controle. Por esse motivo, ainda segundo a alegação do município, a busca por responsabilização poderia pesar sobre o próprio MP.
"Essa circunstância reforça a exclusão da responsabilidade civil pela força maior, ou, na remota hipótese de o Juízo competente entender pela viabilidade do prosseguimento da ação, no polo passivo devem figurar os entes aos quais pertencem todos os órgãos que teriam se omitido no dever de agir preventivamente, dentre eles, o Estado do Rio Grande do Sul — nesse ponto, também em razão da omissão do próprio Ministério Público. O que esta ação pretende é, após verificada a ocorrência de uma catástrofe, encontrar um único culpado por um nível ideal e abstrato de cautela que não foi adotado nem mesmo pelos órgãos de controle", afirma a prefeitura.
Entenda o caso
No fim de março, o MP ingressou com uma ação civil pública com o objetivo de responsabilizar a prefeitura de Porto Alegre pelos danos causados à população pela enchente. Segundo o MP, as falhas no sistema de proteção contra cheias ocorreram por "omissões cometidas pela prefeitura ao longo do tempo".
Em maio, o MP acrescentou na ação um parecer que aponta as áreas da cidade que deveriam ter sido protegidas pelo sistema anticheias, em maio de 2024. O recorte das áreas supostamente protegidas será decisivo para o pagamento de indenizações em Porto Alegre, caso o MP obtenha vitória na ação. O pedido do MP à Justiça é para que a prefeitura indenize os moradores e empresários que, nessas áreas, foram afetados.
A prefeitura projeta que, se os pedidos do MP forem integralmente aceitos pela Justiça, o valor estimado para as indenizações será de, ao menos, R$ 5,3 bilhões.