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Lomba do Pinheiro

"Traz a possibilidade da gente sonhar": veja os projetos que fizeram escola da Capital concorrer a prêmio de melhor do mundo

Escola Saint Hilaire tem clube de ciências, robótica, iniciativa para combate à violência sexual e coletivo para fomentar o ativismo negro. Instituição é uma das 10 finalistas do Prêmio de Melhor Escola do Mundo 2025, que está com a votação popular aberta.

28/06/2025 - 05h00min


Diário Gaúcho
Diário Gaúcho
André Ávila/Agencia RBS
Ações incentivam a integração dos estudantes.

O que faz uma escola da periferia de Porto Alegre concorrer ao prêmio de melhor do mundo? Integração, autonomia e protagonismo são as respostas. Tudo isso representado em projetos educacionais que ampliam a atuação do ambiente escolar na vida dos alunos. 

No último dia 18, uma dessas iniciativas da Escola Municipal de Ensino Fundamental Saint Hilaire foi nomeada finalista do Prêmio de Melhor Escola do Mundo 2025 (World’s Best School Prizes 2025). 

O projeto Em Busca do Nosso Jardim, que atua nas frentes de combate à violência sexual, luta pela dignidade menstrual e apoio à saúde mental dos estudantes, é um dos 10 melhores do planeta. Porém, as ações da escola não param por aí. Robótica e tecnologia, ciências e ativismo negro são outros temas debatidos em projetos realizados na instituição do alto da Lomba do Pinheiro. 

Na última quinta-feira, a reportagem visitou a Saint Hilaire para conhecer todas as ações e compartilhar essa história de sucesso da educação pública na Capital. Confira!

Antes, eles não tinham noção de que eles podiam. E agora, mais do que saber que podem, eles sabem que merecem.

BRUNO SILVA SANTOS

Professor

Energia que pulsa

Os corredores da escola, que possui cerca de mil alunos do Jardim ao 9º ano,  pulsam. É o que diz a diretora Cinara Bertuol, 54 anos, para explicar a energia dos estudantes. Essa tal de energia é convertida em ação e transformação social que ultrapassam as paredes da instituição. 

— A Saint Hilaire é um ponto de referência para a comunidade. É uma escola aberta – resume a professora Maria do Carmo, 38 anos.

Todos os projetos surgiram de demandas dos próprios alunos. Casos de racismo impulsionam a criação de um coletivo para incentivar o protagonismo negro. Cães que circulavam foram acolhidos em uma ação em prol da causa animal. Uma denúncia de abuso sexual gerou um grupo para debater os limites do corpo. 

Os temas emergem na sala de aula e são acolhidos pelos professores, que têm autonomia para embarcar nas pautas.

— A escola traz essa possibilidade da gente sonhar. Eu já trabalhei em outras instituições, e é a primeira vez que eu consigo fazer um trabalho assim — explica a professora Maria Gabriela Pires de Souza, 38 anos, coordenadora do projeto que está concorrendo ao prêmio. 

Nova realidade

Entre os objetivos de todas as iniciativas está demonstrar uma nova realidade e um universo de possibilidades para os estudantes. 

Explicar que o mundo é enorme e que os sonhos deles podem se realizar é fundamental, segundo o professor Bruno Silva Santos, 35 anos: 

— Antes, eles não tinham noção de que eles podiam. E agora, mais do que saber que podem, eles sabem que merecem. Eles precisam conhecer que existe vida fora da Lomba do Pinheiro.

Grupo de robótica

André Ávila/Agencia RBS
Projeto com robôs é o mais antigo da instituição.

O que um boneco do Super Mario, um sensor para monitorar o nível de decibéis suportado por alunos autistas e um mecanismo para recolher lixo têm em comum? Todas ideias surgiram no grupo de robótica da Escola Saint Hilaire — e estão inscritas em prêmios nacionais da área. 

A fala das crianças é empolgada, e o orgulho do professor é notável. A robótica é o projeto mais antigo da instituição e auxilia na criação de vínculos difíceis de serem quebrados. No turno inverso das aulas, os alunos aprendem a programar e a construir robôs para solucionar problemas identificados dentro da escola. 

Foi o caso do dispositivo TEAlert, que surgiu a partir de uma percepção do desconforto dos alunos autistas com barulhos altos. O mecanismo monitora o nível de decibéis em sala de aula e emite um alerta de luzes para indicar se o som está muito alto. Um protótipo da ferramenta está inscrito na competição nacional de robótica. 

O professor Bruno Silva Santos é coordenador do grupo e entende que as atividades ensinam muito mais do que robótica:

— Mais do que montar robôs e programar, a gente tem que trabalhar em conjunto. O vínculo entre os alunos é outro fator fundamental nas ações e que se evidenciou no grupo de robótica. Estudantes que já estão cursando o Ensino Médio em outras instituições seguem participando da iniciativa, por meio de mentorias com os participantes atuais. 

Clube de Ciências

André Ávila/Agencia RBS
Iniciativa pesquisa sobre animais e plantas.

Com o sonho de se tornar biólogo, o estudante Arthur Bertuol, 14 anos, está cursando o 8º ano e foi o criador do Clube de Ciências. A ideia surgiu ao perceber que não havia um projeto específico para tratar de biodiversidade na instituição. 

A vontade de aprender sobre a natureza chegou aos ouvidos da professora Soraia Bauermann, 58 anos, que ajudou na articulação da ação. Agora, nos encontros semanais, os alunos estudam animais e plantas, além de realizarem viagens para conhecer biomas e espécies. 

— É muito gratificante pra mim. Não é um projeto que só fica dentro da sala de aula. A gente sai, faz pesquisa de campo. Abrimos um mapa de coisas — conta Arthur.

Para a professora Soraia, o orgulho em ver seus alunos engajados com a ciência, em uma época em que o negacionismo científico é tão presente, é incalculável. Contribuir com a construção de uma geração de cidadãos que pensam no bem da natureza virou uma missão para a docente: 

— Para mim, é um amor ver que a gente está plantando sementes, plantando o futuro. Estamos criando tomadores de decisão com espírito crítico. Apesar do presente estar com as mudanças climáticas, com a devastação e o desmatamento, a gente sente que essa chama da vida e do bom conhecimento continua. Isso é encantador.

Coletivo AfroAtivos

André Ávila/Agencia RBS
Grupo valoriza o protagonismo negro.

“Solte seu cabelo, prenda o preconceito”. A frase que estampa as camisetas dos alunos que fazem parte do coletivo AfroAtivos representa o objetivo da ação: impulsionar uma educação antirracista. O grupo surgiu em 2017, quando uma aluna da escola denunciou em uma carta que sofria racismo por conta do seu cabelo. A partir disso, a professora Larisse Moraes idealizou o coletivo, para debater e conscientizar as turmas, abordando o tema do protagonismo negro. A iniciativa foi um sucesso e hoje conta com diversos participantes. 

Um deles é Marvens Tombeau, 16 anos, imigrante haitiano que já está cursando o Ensino Médio em outra escola, mas permanece participando do coletivo. Em 2023, consternado sobre a forma com que o seu país era tratado na grande mídia, questionou a professora Maria do Carmo, que, junto com Larisse, resolveu agir. Naquele período, a escola toda aprendeu sobre as belezas da cultura haitiana e, no final do ano, fez uma festa com culinária e danças típicas do país. 

— Todo mundo acha que eu vim da África, sendo que o meu país fica na América Central, aí a gente foi trazendo essa dúvida pra dentro do projeto — descreve Marvens.

Autoestima

Maria Antônia Fernandes, 10 anos, está no 5º ano e considera o AfroAtivos sua segunda família. A menina conta que já sofreu racismo por causa do seu cabelo, o qual cortou para evitar piadas. Agora, com a ajuda do coletivo, é bem acolhida na escola e deixa seus lindos cachos soltos. 

A colega Hyasmin Vitória Trindade, 13 anos, que está no 7º ano, explica que muitos dos participantes do coletivo já sofreram racismo e encontraram no projeto uma forma de se identificar e conscientizar os outros colegas. O AfroAtivos realiza oficinas e rodas de conversa na escola e em outras instituições para falar sobre preconceito racial e ativismo negro. 

Em outros anos, alunas criaram um perfil no TikTok para o coletivo. Em 2025, uma das tarefas realizadas foi estudar figuras femininas afro-gaúchas e construir um calendário especial sobre o tema

Em Busca do Nosso Jardim

O projeto que é finalista do prêmio internacional é, na verdade, um compilado de diversas iniciativas já realizadas há anos na Saint Hilaire. As ações foram organizadas a partir de um clube de mediação de leitura que leva o nome de uma ex-aluna que faleceu por câncer, Luísa Marques. 

Um dos assuntos abordados pelas alunas é o da violência sexual. A iniciativa “Chama Violeta” foi criada depois de uma denúncia de abuso sofrida por uma estudante. Joana Souza, na época com 10 anos, soube da situação e falou com a professora para que algo fosse feito. 

Maria Gabriela Pires de Souza conta que, na hora, não sabia o que deveria fazer, por ser um tema delicado. Porém, com o apoio da direção e de outras estudantes, encontrou uma forma de conscientizar as turmas sobre os limites do corpo. 

— Fomos durante os anos nos qualificando, e com esse objetivo de encorajar as crianças e a enxergar a escola como um espaço seguro para denunciar a violência sexual — explica a professora, que coordena o projeto. 

A ex-aluna Joana, que agora tem 16 anos e cursa o Ensino Médio, conta que já apresentou a ação em outras escolas e pôde ajudar crianças que não sabiam que estavam sendo abusadas. No ano em que o projeto fez suas primeiras ações, cerca de 300 denúncias foram registradas.

— A gente ensina que ninguém toca no nosso corpo sem a nossa permissão, que carinho não machuca, não causa dor ou medo. E que se algo ruim estiver acontecendo, tem que contar pra alguém de confiança, como os professores — detalha a estudante.

Dignidade menstrual

André Ávila/Agencia RBS
Alunas escreveram livro para explicar menstruação.

Outra ação que o Em Busca do Nosso Jardim engloba é o "Garotas de Vermelho", uma iniciativa que busca levar a dignidade menstrual para a comunidade. 

Para explicar o que significa a menstruação, as alunas fizeram um kit para apresentar para as turmas. O conjunto conta com um livro lúdico e explicativo, uma boneca e um novelo de linhas vermelhas para ajudar na representação, um absorvente e uma bolsinha térmica. 

Além disso, o projeto também distribui absorventes para as alunas. Isso tudo para quebrar estigmas sobre o assunto. E a diretora conta que o objetivo da ação foi atingido com sucesso.

— A menstruação definitivamente não é um tabu na nossa escola. Conseguimos quebrar isso com certeza — celebra Cinara. 

Orgulho em fazer parte

Mesmo não estudando mais na escola, Joana Souza carrega no peito o orgulho de fazer parte dos projetos e também da instituição. Seu plano é tornar-se professora no futuro e continuar plantando as sementes de mudança na sua e em outras comunidades. 

— Eu quero mostrar que a escola pode ser sim esse espaço de sonhar e de nós, crianças e adolescentes, sermos protagonistas da nossa própria história. Esse coletivo (Luísa Marques) contribuiu muito para a minha autoestima e também eu vi contribuir para a autoestima da minha comunidade. E é por isso que a gente vai em busca dos nossos jardins e que a gente tem orgulho de ser Saint Hilaire — declara a estudante. 

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*Produção: Elisa Heinski


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