Retratos da Vida
Campeonato de pião agita a gurizada no Morro da Cruz, em Porto Alegre
Competição organizada pela biblioteca comunitária Irê Ará busca resgatar brincadeiras antigas entre as crianças da comunidade


São 9h da manhã de quinta-feira e o educador social Clóvis Marques, 45 anos, abre o portão multicolorido da biblioteca comunitária Irê Ará. Ele é articulador periférico do local, localizado no Morro da Cruz, zona leste da Capital. Ao pôr o primeiro pé para fora da instituição, Clóvis já começa a ouvir pequenos passos e zumbidos que, em questão de segundos, se tornam vozes que entonam a palavra “sor”.
Um círculo já se forma em sua volta — ansiosas crianças, entre oito e 11 anos, que em suas mãos seguram piões de madeira. Em instantes, eles dariam a largada ao primeiro Mini Campeonato de Pião da comunidade.
Juntos, subiram a ladeira em direção a uma pracinha que possui as mesmas cores da biblioteca — amarelo, azul e vermelho — e que fica próximo da cruz que é símbolo do morro.
Clóvis desenha rapidamente um círculo no chão de areia e, após um apito ecoante, os objetos em formato de cone são arremessados das mãos dos jovens e caem girando no chão. A brincadeira começou.
Ao longo do dia, mais de 180 crianças participaram da competição. Esse evento foi pensado pelo educador, que também é estudante de Gestão Pública. A ação faz parte do Mini Campeonato e tem como foco unir os pequenos da comunidade.
Manobras
A brincadeira consiste em enrolar uma corda, chamada de fieira, e lançar o pião para que ele gire no chão. O jogo tem como principal objetivo derrubar o pião do adversário. Antes da competição, que ocorreu à tarde, as crianças se reuniram para um treino que se transformou em risadas e exibição das habilidades.
Um trio se uniu para brincar e, na praça, começou a mostrar as suas manobras. Isaac Silva, 10 anos, tem afinidade com o brinquedo. Ele lança o pião, pega na mão, faz girar em seu peito e chega a fazer embaixadinhas. Sua mãe, Raquel da Silva, olha o filho de longe e comenta que ele trocou o celular por seu novo objeto.
— Ele ficou competitivo e focado, esse projeto é maravilhoso — relata.
Os amigos Davi e Fernando esperam atentamente Isaac finalizar sua demonstração e passam a fazer o mesmo. São incontáveis as vezes que lançam o brinquedo no ar. Ao realizar as manobras, o brilho no olhar e o sorriso de canto de boca mostra o sentimento de realização dos três.
Resgate de tradições
A iniciativa foi realizada em julho com a proposta de oferecer lazer e diversão durante as férias escolares. Para além de toda a descontração, busca estimular a essência infantil das crianças.
— Eu vim aqui do bairro e sempre tive vontade de retornar com projetos que trouxessem a essência do local — comenta Clóvis.
A biblioteca já tinha como tradição resgatar costumes antigos. No mês de outubro, com o Dia da Criança, realizavam um campeonato de rolimã.
Agora, o pião virou rotina e integrou as atividades do grupo. No final do dia, os participantes ganharam medalhas e, para o grande vencedor, um boné e uma camiseta.
Acolher as famílias
A Biblioteca Irê Ará faz parte do Instituto Leonardo Murialdo. Na instituição, são realizadas atividades educacionais de leitura, música, jogos e atividades lúdicas. Outra integrante da equipe é a educadora social Francilene Maciel, 44 anos.
— A biblioteca é uma casa, ela fortalece vínculos e todas as atividades formam uma grande família. Ela acolhe os moradores e já faz parte da comunidade — destaca Francilene.
*Produção: Josyane Cardozo