Desafios à frente
Por que o RS teve a maior queda na alfabetização no Brasil e o que está sendo feito para reverter o quadro
Indicador caiu quase 19 pontos percentuais de 2023 para 2024 na rede pública. Gestores públicos estão otimistas com a meta para 2025


O percentual de alunos considerados alfabetizados no Rio Grande do Sul caiu quase 19 pontos percentuais de 2023 para 2024, indo de 63,4% para 44,67% — a meta para o ano passado era 66,2%.
O impacto da enchente nas escolas gaúchas e nas vidas das crianças é o principal motivo apontado para o mau desempenho. Os dados se referem a alunos do 2º ano do Ensino Fundamental da rede pública estadual e municipal.
Esta foi a maior queda entre os Estados brasileiros analisados no período pelo Indicador Criança Alfabetizada, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC). A segunda pior variação foi do Amazonas: queda de 3,03 pontos percentuais.
Através do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, a União e os Estados estabeleceram metas anuais para que, até 2030, haja 80% de crianças alfabetizadas.
Queda no ranking
Em 2023, a rede pública gaúcha ocupava a sexta melhor posição na avaliação. Com o fechamento de escolas e as dificuldades de acesso ao ensino em razão da tragédia climática, o Estado despencou para o final do ranking em 2024, ficando com o quarto pior resultado.
A secretária adjunta de Educação do RS, Stefanie Eskereski, diz que recebeu os dados com "preocupação" e "atenção".
— Havia uma expectativa de queda nos índices de alfabetização, tendo em vista a suspensão das aulas por algumas semanas em muitos dos municípios. Tivemos escolas que ficaram até 77 dias fechadas.
Cenário nacional
No Brasil como um todo, o Indicador Criança Alfabetizada registrou 59,2% de crianças alfabetizadas até o fim do 2º ano do Ensino Fundamental na rede pública em 2024, abaixo da meta estabelecida pelo governo federal de 60%.
Ao apresentar os resultados no último dia 11, o ministro da Educação, Camilo Santana, justificou:
— O Rio Grande do Sul caiu absurdamente. Se tivesse, pelo menos, mantido o percentual de 2023, nós teríamos chegado à meta em 2024, se não fosse a situação atípica de calamidade no Estado. Isso afetou fortemente.
A secretária adjunta da Educação do RS não concorda que o peso seja colocado somente no Rio Grande do Sul.
— Não dá para atribuir a um Estado ou a um grupo de escolas o não atingimento das metas em nível nacional. Temos situações bastante críticas que merecem atenção em outras regiões, não apenas no Rio Grande do Sul — enfatiza Eskereski.
O diretor de políticas públicas do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa, entende que há um pouco de razão em cada lado:
— Como um Estado com um grande número de estudantes, o seu resultado afeta a média nacional. Isso é inegável, e o ministro da Educação está certo em falar que, se não fosse a tragédia, a média brasileira teria sido mais elevada. Agora também a Secretaria de Educação do Estado tem um ponto, porque não dá para afirmar se teria ou não batido a meta.
Quando o estudante é considerado alfabetizado?
O Inep, vinculado ao MEC, considera alfabetizados os estudantes capazes de:
- Ler pequenos textos
- Compreender informações básicas e tirar conclusões, inclusive de materiais visuais, como tirinhas e histórias em quadrinhos
- Escrever textos simples, como convites ou bilhetes, mesmo com alguns erros ortográficos

Indicador ainda é novo
Além do Rio Grande do Sul, outros cinco Estados apresentaram queda nos percentuais de 2023 para 2024. Conforme o indicador, 18 unidades da federação melhoraram e 11 atingiram ou ultrapassaram suas metas para o ano. Corrêa, do Todos pela Educação, pondera:
— Apesar do avanço nacional, ainda é crítico termos 40% das crianças terminando o 2º ano do Ensino Fundamental sem estarem plenamente alfabetizadas em uma prova que avalia habilidades muito elementares. O Brasil ainda tem um grande caminho para seguir.
O especialista alerta que o indicador nacional é novo e faz uma consolidação de avaliações realizadas pelos Estados — diferentemente de modelos anteriores, em que o próprio governo federal fazia a mesma prova com todos os estudantes do país.
— Comparar o Rio Grande do Sul em 2024 com outro Estado é algo que precisa ser feito com cautela, porque as avaliações são diferentes, foram aplicadas em momentos diferentes, e esse trabalho de compatibilização ainda precisa ser mais bem explicado pelo governo federal — ressalva.
Otimismo para reverter o resultado
Em 2025, a meta do Rio Grande do Sul é chegar a 68,8% dos estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental alfabetizados na rede pública. Para atingir a marca, o Estado precisa subir 24,13 pontos percentuais em relação ao ano passado.
— Acreditamos que é possível bater ou até superar a meta, porque estamos com uma estrutura de apoio à alfabetização muito mais robusta do que em outros anos. Se não fossem os eventos climáticos, provavelmente teríamos batido mais de 70% dos estudantes alfabetizados no ano passado — diz Eskereski, da Secretaria da Educação do RS (Seduc).
A secretária adjunta afirma que a pasta está atenta a regiões impactadas pela enchente de 2024, como o Vale do Taquari. No município de Taquari, por exemplo, o percentual de alunos alfabetizados caiu de 49,6% para 13,2%. Cruzeiro do Sul foi de 68,2% para 35,2%, e Roca Sales saiu de 75,6% para 45%.
O Sul do Estado também está sendo acompanhado com atenção. A região tem quedas de mais de 50 pontos percentuais, como Sentinela do Sul, que passou de 73,8% para 23,5%.
Por que Porto Alegre não aparece nos dados
Segundo Eskereski, a alfabetização na Região Metropolitana foi uma das mais impactadas pela enchente de 2024. Em Canoas, a taxa caiu de 53,2% para 41,4%. Já Porto Alegre não teve os dados divulgados porque não atingiu o requisito mínimo de participação de 70%. A prefeitura tenta ter acesso às informações.
O secretário municipal de Educação, Leonardo Pascoal, reconhece que é preciso avançar e projeta melhorias:
— Historicamente, o dado é de 40% (de crianças alfabetizadas no tempo adequado em Porto Alegre). Acreditamos que já neste ano teremos um resultado melhor. Nossa meta é até 2028 passar para 75%, no mínimo.
Para concretizar o objetivo, a prefeitura aposta no programa Alfabetiza+POA, que busca qualificar e desenvolver professores, oferecendo capacitações e materiais pedagógicos. O projeto ainda destina uma bolsa de aperfeiçoamento no valor de R$ 500 por mês a cerca de 350 profissionais que atuam diretamente na execução do programa para incentivar a participação das formações.
Iniciativas e investimentos

Desde 2023, o governo do Estado executa o programa Alfabetiza Tchê, que foi elaborado em parceria com as prefeituras dos 497 municípios, com enfoque nos estudantes da Educação Infantil (de quatro e cinco anos) e dos anos iniciais do Ensino Fundamental. O projeto tem cinco eixos: fortalecimento da aprendizagem, gestão escolar e municipal, formação continuada, avaliação com monitoramento de indicadores e estímulo à cooperação interinstitucional.
Em sala de aula, alunos recebem um livro específico elaborado pelas redes estadual e municipais para propor as atividades que serão mediadas pelo professor. Neste ano, o programa selecionou 18 formadores regionais e 470 municipais, que são responsáveis por multiplicar os conteúdos formativos nas redes locais para intensificar a formação continuada dos professores alfabetizadores em todo o Estado.
Em 2024, o Estado destinou mais de R$ 40 milhões para bolsas, premiações e materiais didáticos, além de realizar ciclos formativos para educadores. Em abril deste ano, 200 escolas foram premiadas pelo desempenho na alfabetização dos anos iniciais, sendo 122 municipais e 78 estaduais, com base no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers) 2023.
As instituições que ficaram nas melhores posições foram contempladas com valores entre R$ 40 mil e R$ 80 mil. Já aquelas consideradas mais fragilidades, com os piores desempenhos, recebem um complemento de R$ 20 mil a R$ 40 mil como incentivo para melhorar a estrutura e a aprendizagem.
Atividades lúdicas para engajar
Entre as vencedoras, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Vicente Freire, no bairro Igara, em Canoas, aposta em atividades lúdicas para engajar os alunos. A instituição também utiliza a plataforma Elefante Letrado, uma espécie de biblioteca online, custeada pelo Estado, que avalia o progresso de leitura pelas gravações em áudio da criança e oferece jogos pedagógicos sobre cada livro.
— No final de cada trimestre, os alunos que mais acessaram essa plataforma para ler recebem um certificado de mérito. Além de terem acesso à leitura na sala de aula, eles podem começar de casa mesmo — explica a diretora Carla Andrea De Barba, informando que 94% dos estudantes do 2º ano apresentaram os níveis adequado e avançado em língua portuguesa, e somente 6% foram considerados no nível básico em 2023.
A plataforma Elefante Letrado também é uma das apostas da Escola Estadual de Ensino Fundamental Willy Oscar Konrath, em Sapiranga, no Vale do Sinos. Conforme a vice-diretora, Gladis Schunke da Silva, no final de 2024, a escola conseguiu alfabetizar 64 de 69 alunos incluindo atividades de leitura na rotina dos estudantes:
— Quando os professores começam a aula, sempre tem um momento de leitura, que ocorre do 1º ao 9º ano.
Gladis acrescenta que a escola também utiliza o livro do programa Alfabetiza Tchê, com brincadeiras lúdicas para ajudar a fixar os conhecimentos. Ela destaca a parceria com os pais como um diferencial para alcançar bons resultados.
Desafios da alfabetização
Localizada no Morro da Polícia, no bairro Glória, em Porto Alegre, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Espírito Santo é uma das instituições selecionadas para receber mentoria do programa Alfabetiza Tchê.
Conforme a direção, em 2024, metade dos alunos do 2º ano foi classificada no nível pré-leitor, ou seja, ainda não leem a quantidade de palavras suficiente para serem leitores iniciantes. Na avaliação de fluência deste ano, o percentual subiu para 84%.
— Esperava-se que, neste momento, eles estivessem um nível acima, como leitores iniciantes — avalia a diretora Louriane Ribeiro de Oliveira.
Ela contextualiza que a escola atende uma população de extrema vulnerabilidade social e que alguns alunos faltam aula por enfrentar dificuldades. Essa infrequência, segundo a diretora, afeta o aprendizado, que também é baseado no livro do governo do Estado.
— O aluno com baixa frequência não tem continuidade no processo de alfabetização. Hoje, um aluno caminha na chuva descendo o morro durante 15 minutos para chegar à escola para ficar das 7h45min às 11h45min e receber uma alimentação. Essa é uma comunidade que necessita de tempo integral — diz Louriane.
Realidades diferentes
Alfabetizadora na escola, a professora do 1º ano do Ensino Fundamental Gladis Helena Ferreira Gomes acrescenta que há casos em que os alunos precisariam de um diagnóstico de saúde para atender necessidades específicas. Mesmo assim, reconhece que há estudantes esforçados e não perde a motivação.
— Faço jogos, brincadeiras, faço a parte escrita. As crianças precisam escrever, porque elas estão só em tela — comenta a professora, que criou um bingo com balas para que os alunos treinem os sons do alfabeto e procurem as letras em seus nomes.
A instituição será apadrinhada por uma escola municipal de Pouso Novo, no Vale do Taquari, que foi premiada pelo desempenho em 2023. Mesmo com realidades diferentes, Louriane afirma que tentará adaptar os aprendizados para a sua comunidade com os recursos disponíveis.
— Aquela é uma escola que tem tempo integral, psicopedagogo, psicólogo, dentista, monitoria, acompanhamento de reforço, então são realidades que colaboram, e muito, para a aprendizagem do aluno. Os nossos alunos vêm de famílias em que muitos pais sequer são alfabetizados, então esse estímulo só se dá no espaço escolar — compara a diretora.
Oportunidade de melhorias
Para Gabriel Corrêa, do Todos pela Educação, o programa Alfabetiza Tchê é importante, mas precisa ser fortalecido. O diretor de Políticas Públicas da entidade sugere que a parceria entre Estado, municípios e escolas seja ainda mais intensificada, aliada a mais tempo do aluno na escola, professores dedicados às crianças e material didático específico para alfabetização.
— O mais importante é que as gestões municipais e, depois, as gestões de cada escola consigam, em primeiro lugar, identificar exatamente quais são essas crianças que hoje estão no 3º ano e não se alfabetizaram. Os números chamam atenção, mas no fim do dia você tem pessoas. A escola precisa saber exatamente quem são essas crianças para poder trabalhar em cima disso — reforça.
O que diz a Secretaria da Educação do RS
Procurada pela reportagem para comentar a situação da Escola Estadual de Ensino Fundamental Espírito Santo e a declaração de Corrêa, do Todos pela Educação, a Seduc reafirmou, em nota, informações sobre o programa Alfabetiza Tchê citadas nesta matéria e acrescentou que, de forma complementar, "o Estado mantém o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar (Saers), que desde 2022 avalia estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental das redes públicas".
"A partir dos resultados do Saers, é divulgado o Índice Municipal da Educação do Rio Grande do Sul (Imers), que incentiva os municípios a desenvolverem ações estratégicas que priorizem a alfabetização", diz o texto. Em complemento ao Saers, informou a Seduc, é aplicada a Avaliação de Fluência Leitora.
"Por meio dos dados obtidos nessas avaliações, os professores atuam de forma mais assertiva nas dificuldades pedagógicas diagnosticadas", encerra o documento.