Criatividade
Projeto cultural leva dança e circo para escolas públicas atingidas pela enchente em Porto Alegre
Na semana passada, crianças que participaram da iniciativa 5km de Cultura, do Instituto Opus, visitaram o do Teatro Bourbon Country, onde irão se apresentar no fim do mês

O palco do Teatro Bourbon Country, na zona norte de Porto Alegre, que já recebeu artistas como Roupa Nova, Ney Matogrosso e Titãs, estava lotado de estreantes artistas mirins na quarta-feira, 2.
Num estado de agitação e descoberta, os alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental Lions Club conheceram o espaço onde vão se apresentar no próximo dia 23, no encerramento da primeira etapa do projeto 5km de Cultura, do Instituto Cultural Opus.
Ao longo dos últimos três meses, os pequenos fizeram parte da iniciativa que levou dança e artes circenses à escola no bairro Farrapos, na Capital, submersa na enchente do ano passado.
Semanalmente, cerca de 50 alunos, entre oito e 12 anos, tiveram aulas focadas em expressão corporal e desenvolvimento humano.
Para muitos dos presentes, a passagem de palco da última semana foi a primeira vez em que estiveram em um teatro. Anthony de Lima Vieira, nove anos, diz que gostou da experiência:
— As luzes e o palco são muito bonitos.
Eliza Pierim, diretora de cultura do Instituto, afirma que o objetivo do projeto era ressignificar o dia a dia das crianças.
— Eles estavam lidando com bastante tristeza pela enchente. Então, a gente entra com a arte como uma forma de transformação do cotidiano — pontua.
Ao mesmo tempo, ela diz que a ida das crianças até os pontos de cultura da cidade expande os horizontes dos pequenos:
— A gente vai até a escola e traz a comunidade também para ter acesso ao mundo mais elitizado, que é um mundo do teatro, de um concerto, um balé.
Alegria e diversão
A conexão com a tragédia das águas, porém, fica com os adultos. Para as crianças, bastava que a atividade os divertisse, como ocorreu com as amigas Gabrielly Ferreira e Lorena Ramos, nove e oito anos, respectivamente.
— A gente ama dançar e as atividades eram muito legais. Meu sonho é ser bailarina e agora eu quero continuar dançado — conta Lorena.
Anthony também está no time dos que guardarão boas memórias da iniciativa.
— Eu gostava porque eram muitas brincadeiras. A gente pulava corda, fazia o som das coisas — relata.

Para exemplificar, cita o barulho calmo da água que aprendeu a reproduzir: “shhhhh”.
Ação amplia visão de mundo dos pequenos
O Instituto Cultural Opus é o braço social da empresa Opus Entretenimento, responsável pela organização de shows na Capital.
No ano passado, a empresa decidiu levar cultura para escolas públicas em raio de 5 quilômetros a partir da sua sede, no Teatro Bourbon Country. A enchente, porém, impôs uma mudança de planos e o projeto passou a englobar as escolas que estavam na mancha de inundação.
O objetivo da ação, na avaliação da gestora, é oportunizar para essas crianças momentos de alegria e de exercício da criatividade.
A enchente deixou marcas profundas na vida delas, afetando a rotina, levando memórias de objetos queridos e prejudicando o desenvolvimento educacional.
Quando tu apresenta a arte, ela transforma a dor em poesia
PAULO GUIMARÃES
Professor da iniciativa 5 km de Cultura
Paulo Guimarães foi um dos professores que esteve semanalmente na escola trabalhando com as crianças. Ele integra o Instituto Meme, responsável pela coordenação pedagógica do projeto, e que há mais de 20 anos desenvolve atividades focadas em desenvolvimento humano em regiões periféricas da Capital.
Na avaliação do professor, a finalização da ação é a coroação de um trabalho bem-sucedido.
— A diretora nos contou que depois da enchente muitos não tinham retornado para a escola. Depois do projeto, ficaram sabendo e quiseram retornar. Então, a sensação é de missão cumprida — afirma ele.

Na sua avaliação, o contato constante com as crianças trouxe uma sequência de aprendizados. O primeiro deles, para os professores, foi o do respeito por uma cultura e uma realidade diferente da sua. Por outro lado, os alunos puderam ampliar suas visões de mundo e suas possibilidades:
— Eles vivem num mundo muito hermético, pesado, duro, cruel. Quando tu apresenta a arte, ela transforma a dor em poesia. Significa vida. Abre possibilidades, abre o olhar, a mente, a imaginação.
Impacto positivo
A vice-diretora da escola, Simone Araujo, reforça que as aulas ajudaram a reintegrar a comunidade da escola. Ela cita a adesão dos alunos e o tamanho da escola para medir o impacto. Mais de um quarto dos 180 alunos da instituição integrou o projeto.
— Isso incentivou muito eles a voltarem para a escola, a ter vontade de estarem presentes — afirma.
Também professora de Educação Física, ela reitera que as atividades com o corpo são importantes para o desenvolvimento nesta fase de suas vidas:
— Conhecer o corpo, a capacidade motora e a capacidade de se comunicar com o outro. Isso pode ser muito relevante para eles lá na frente, em uma entrevista de emprego, por exemplo.
*Produção: Guilherme Freling