Última despedida
Luis Fernando Verissimo é sepultado em Porto Alegre
Em meio a aplausos, o corpo do escritor deixou o Salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa, onde estava sendo velado, e foi encaminhado ao cemitério São Miguel e Almas, em cerimônia restrita a familiares


Às 16h55min deste sábado (30), em meio a aplausos calorosos e olhares emocionados, o corpo do escritor Luis Fernando Verissimo deixou o Salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa do Estado, onde ele estava sendo velado desde o meio-dia. O ataúde seguiu para sepultamento no Cemitério São Miguel e Almas, em ato reservado a familiares e amigos próximos.
O velório esteve aberto a quem desejasse se despedir do escritor até seu encerramento. A informação inicial era de que uma cerimônia de despedida restrita a familiares seria realizada a partir das 16h45min, quando as portas seriam fechadas ao público externo. Contudo, o fim da cerimônia foi anunciado ao microfone às 16h55min, e o corpo do escritor foi cortejado pelo público até a saída da Assembleia Legislativa.
O esquife que guardava o célebre escritor, romancista e saxofonista permaneceu com o tampo fechado. Um buquê de rosas brancas repousava sobre o ataúde, junto de uma flâmula do Internacional, uma das paixões de Verissimo. O vermelho da bandeira era esmaecido, mas, para a alegria do imortal das letras e das palavras, ostentava os dizeres: "Campeão do Brasil".
O clima era de tranquilidade durante o velório, apesar da dor da despedida. Estiveram presentes familiares do escritor, como a esposa Lúcia Verissimo e os filhos Fernanda, Mariana e Pedro. Amigos e autoridades também comparecem, como o presidente da Assembleia Legislativa, Pepe Vargas (PT), que celebrou os personagens de Verissimo, a sua capacidade de captar de forma bem-humorada os aspectos da vida cotidiana e a contribuição para as artes.
— Quando eu era prefeito de Caxias do Sul, ele foi patrono da feira do livro. Teve um debate e perguntaram quem era a musa inspiradora do Verissimo. Ele respondeu que, além da Lúcia, a musa inspiradora dele, como cronista, era o prazo de entrega — recordou Pepe.
O prefeito Sebastião Melo chegou às 12h30min. Verissimo é natural de Porto Alegre, nascido em 26 de setembro de 1936, filho do histórico escritor Erico Verissimo.
— A cidade se despede de um dos ícones da escrita, do jornalismo e das artes. Um legado enorme para a literatura do Brasil. Que descanse em paz — afirmou Melo.
Pedro Verissimo comentou a relação do seu pai com Porto Alegre e o carinho recebido nos dias que antecederam a partida. O escritor viveu por alguns anos nos Estados Unidos entre a infância e o início da vida adulta. Também residiu por um período no Rio de Janeiro, na década de 1960. A maior parte de seus 88 anos, contudo, foram desfrutados na capital gaúcha.
— Ele tinha um amor especial por Porto Alegre. Tanto que nunca quis sair daqui, mesmo sendo um autor de alcance nacional. Sempre a base foi aqui. Uma relação muito forte com a cidade. E isso passou para a gente (família). Eu morei fora bastante tempo, mas voltei por compartilhar desse carinho. E isso retorna. O afeto nos últimos dias foi enorme. Uma onda de calor humano que não muda nada (sobre a morte), mas conforta, sem dúvida — comentou Pedro.
O ex-governador Tarso Genro celebrou a arte de Verissimo, mas também a cidadania e o posicionamento. A Velhinha de Taubaté, um dos personagens mais destacados do escritor, ironizava a ditadura militar. Não por acaso, foram à despedida uma miríade de políticos de esquerda.
— Ele é um dos cinco grandes intelectuais da história do Rio Grande do Sul. Uma capacidade extraordinária de se comunicar com o público. E teve a coragem cívica de se posicionar em todas as grandes questões que o país atravessou — saudou Tarso.
O ex-senador Pedro Simon chegou, em cadeira de rodas, por volta das 16h, permanecendo até o fim da cerimônia. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que está em Porto Alegre para um ato do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), também compareceu representando o chefe do Poder Executivo nacional, Luiz Inácio Lula da Silva.
Presidente de Honra da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), Batista Filho, destacou o caráter cidadão de Verissimo e relembrou que, além de colorado, ele também nutria simpatia pelo Botafogo.
— Ele tinha um humor clássico e uma crítica profunda de extremo conteúdo social. Luis Fernando retratava o outro, as pessoas, exatamente como elas eram, pulsando verdade e trazendo uma forma de captar interiores. Por isso, ele foi impressionante no seu escrever, que era um combate permanente às desigualdades sociais. Ninguém fotografou o brasileiro de melhor forma que o Verissimo — declarou.
O governador Eduardo Leite, que decretou três dias de luto no Rio Grande do Sul, chegou à Assembleia Legislativa em torno das 14h30min e permaneceu na cerimônia por cerca de 15 minutos.
— A produção e a obra que ele tem, naturalmente, faz com que permaneça vivo — homenageou Leite.
O velório também foi marcado pela presença de artistas e personalidades da cultura gaúcha, como o músico Duca Leindecker, o ator Zé Vitor Castiel, a jornalista Katia Suman e os escritores Luís Augusto Fischer, Martha Medeiros, Sergio Faraco e Eduardo Bueno.
Jornalista com atuação em distintas redações do Brasil, Bueno salientou o privilégio de ter compartilhado com Verissimo a profissão e a amizade.
— Convivemos na casa dele e nas redações do Estadão e da Zero Hora. Eu fiz parte da articulação que, primeiro, o tirou da Veja, onde ele era mal pago, e o levou para o Estadão. Depois, fizemos uma transição dele de volta para a Zero Hora na década de 90 — declarou Bueno, em seu característico tom debochado.
Ele ainda comentou que, por ser gaúcho, cresceu lendo Erico Verissimo. Bueno comparou os estilos de escrita de pai e filho ao dizer que, para ler Erico, é preciso quase trajar o smoking, enquanto Luis Fernando oferece uma "leveza cotidiana iluminante".
Bueno lembrou que a eloquência verbal não era a principal característica de Verissimo, que ganhou fama de falar pouco. Mas, diz Bueno, o escritor se manifestava de forma incisiva nas reticências e entrelinhas:
— Isso se repetiu nos nossos fabulosos embates desportivos. Eu sou um arauto do imortal Tricolor e ele era representante do outro time aquele (Inter). Eu falava. Ele escutava. E, quando eu tinha certeza que estava ganhando, ele dava um contra-ataque mortífero e acabava empatando o jogo.
Jornalistas e autoridades ligadas ao Grupo RBS também estiveram presentes, como a apresentadora Cristina Ranzolin, a diretora-executiva de jornalismo e esporte Marta Gleich, e o publisher e presidente do Conselho da RBS Nelson Sirotsky.
Luis Fernando Verissimo foi colunista de Zero Hora durante décadas, o que foi lembrado por Sirotsky:
— Luis Fernando Verissimo é alguém que ficará para a eternidade e que teve uma jornada memorável na nossa história. Através da sua obra, seus livros e suas crônicas, ele construiu um legado que é eterno.