RETRATOS DA VIDA
Projeto social em Porto Alegre oferece renda e qualificação a mulheres por meio do artesanato
Iniciativa usa a arte para apoiar grupo; na argila, elas encontraram uma ferramenta de transformação pessoal


O ciclo natural das plantas é feito de recomeços: da semente ao broto, do crescimento à renovação. E nesse processo, quando as flores desabrocham, muitas das vezes surgem mais belas e fortes.
Essa é uma lógica que também pode servir para resumir a atuação de um grupo de 11 mulheres da Ilha das Flores, no bairro Arquipélago, em Porto Alegre. No projeto Semente Flor: Semeando Arte, Moldando Histórias, as participantes fazem da cerâmica uma ferramenta para seu crescimento pessoal.
O projeto se trata de uma iniciativa de geração de trabalho e renda que é coordenado pelo Instituo RedeCriar. Criada em 2021, a iniciativa oferece qualificação e renda a partir do artesanato.
A mentoria é da engenheira civil Andréa Foresti, 62 anos. O projeto nasceu de uma inquietude da profissional, que já atuava com ações sociais desde 2005. Tendo ligação com as ilhas desde a graduação, procurava implementar algo que impactasse o público feminino da comunidade. Após realizar aulas de cerâmica em 2019, uniu o novo aprendizado a sua atuação social e fundou o Semente Flor.
Andréa diz que também incentiva as integrantes do grupo a pensarem seu futuro:
– Tem muito ainda para acontecer aqui dentro. Um dos grandes aprendizados que passamos para elas é investir antes de receber e ter a esperança do que virá adiante.
A iniciativa se mantém com financiamentos de organizações como Instituto MRV, Programa Criança Esperança, Fundo Casa Socioambiental e Fundação Gerações, além de editais públicos e privados. A equipe também conta com a assistente social e pedagoga Milene Steffens, coordenadora do projeto, e o voluntário Mário Fabritti, biólogo que auxilia nas demandas do local.
Mudanças
O projeto passou por um período turbulento, quando precisou reunir forças após a enchente de 2024. Com o baixar das águas, Andréa entendeu que precisaria reerguer o projeto. Montou uma tenda em frente a uma casa e, com duas mesas e bancos, foi lá que o grupo se reuniu novamente para colocar as mãos na argila.
Hoje, o Semente Flor funciona em uma sala no bairro Santana. Com os recursos obtidos por meio de incentivos, novos equipamentos foram adquiridos ao longo do tempo, como o forno para a secagem das peças e materiais para a produção, tais como argila e espátulas, entre outros.
União de gerações no ateliê
O projeto também fomenta um encontro de gerações. No dia em que a reportagem visitou o grupo, três mulheres dividiam a mesa: Jéssica Gabriele da Silva, 23 anos, Janice dos Santos, 31 anos, e Elvira dos Santos, 65 anos.
Janice é uma das participantes mais antigas. Lá, descobriu um novo mundo a partir da argila. Mãe de cinco filhos homens, diz que pôde aprender e sonhar novamente. Porém, explica que seu início não foi fácil. A artesã relata que, já nas primeiras aulas, pensou em desistir, por achar o manuseio difícil. Mas, com o apoio de outras integrantes, persistiu e, aos poucos, percebeu que tinha afinidade com a produção das peças.
Desde o ano passado, Janice divide o dia a dia no ateliê com sua tia, Elvira dos Santos, 65 anos. Porém, para Elvira o projeto chegou de uma forma diferente.
Foi depois de passar três meses em um abrigo, após a enchente de maio de 2024, que a hoje artesã ingressou no grupo. Na tenda improvisada, montada por Andréa, ela reencontrou um sentido para continuar, resume. A idealizadora do projeto lembra que Elvira chegou ao local desnorteada, mas, minutos depois de tocar na argila, levantou e disse: “Isso aqui é uma terapia”.
De aluna a professora
Janice produz diferentes peças, deixando sua criatividade florescer. Segundo ela, cada produto carrega um pouco de sua história. As integrantes possuem carteirinha de artesã e participam ativamente de feiras de rua, momentos estes que fazem com que elas se sintam reconhecidas.
– Dá uma alegria de ver que as pessoas estão se interessando pela peça. A gente consegue explicar a história daquela peça. Por mais que estejamos fazendo tudo igual, cada uma coloca o seu sentimento – diz Janice, destacando que, para além de um passatempo, a cerâmica representa um caminho de autonomia.
– Sempre quis ter uma profissão, trabalhar do meu jeito. A cerâmica tem sido assim. Quando eu levava a argila para casa, ensinava até meus filhos, e eles me ajudavam – acrescenta.
Com três anos de projeto, Janice sonha maior: pretende abrir o próprio ateliê. O objetivo é que a renda mensal seja somente de seu próprio negócio.
Uma das novidades do grupo Semente Flor é o oferecimento de uma oficina de cerâmica, prevista para o próximo sábado, 9 de agosto. E Janice será uma das instrutoras:
– Saber que vou ensinar outras pessoas é muito especial.
SAIBA MAIS
// Acompanhe o grupo pelo Instagram @instituto.redecriar
/// A oficina do dia 9 será no valor de R$ 80, que inclui a aula, os materiais e a argila. Interessadas podem se inscrever pelo número: (51) 99994-0503
*Produção: Josyane Cardozo