Telefones públicos
Você percebeu? Dos orelhões que ainda existem em Porto Alegre, nenhum funciona mais
Até outubro de 2024, havia 393 aparelhos na cidade. Gradualmente, eles estão sendo retirados pela Oi, operadora responsável pelo serviço


— Alguém ainda usa? — rebate um segurança de shopping à pergunta sobre onde encontrar um orelhão no centro de Porto Alegre.
Por décadas, os Telefones de Uso Público (TUPs), popularmente conhecidos como orelhões, fizeram parte da paisagem urbana e da rotina de quem precisava fazer uma ligação rápida. Eram comuns nas esquinas, em frente a mercados, escolas e hospitais.
Antes da popularização dos celulares, os orelhões eram disputados por quem caminhava nas vias da Capital. Na Rua dos Andradas, uma das mais movimentadas da cidade, formavam-se filas em volta dos aparelhos com estilo retrofuturista. Hoje, a mesma rua conta com apenas três orelhões — todos estragados e vandalizados.
Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), hoje não há orelhões em funcionamento na capital gaúcha. Ainda assim, algumas estruturas resistem em ruas da cidade. O dado mais atualizado no site da agência, de outubro de 2024, mostra que havia 393 desses aparelhos espalhados por Porto Alegre, quase um terço do que se tinha em 2019, quando existiam 1,1 mil.
No Rio Grande do Sul, a concessionária responsável pelo serviço é a Oi, operadora que está em processo de recuperação judicial. Antes dela, o serviço era operado pela Brasil Telecom, que foi comprada pela própria Oi por R$ 5,8 bilhões. A Brasil Telecom, por sua vez, havia adquirido em 2000 a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), empresa pública que era responsável pelos orelhões gaúchos.
"Com a evolução da tecnologia e as novas necessidades da sociedade, além do fim próximo dos contratos de concessão da Oi, tornou-se necessário discutir o atual modelo de concessão. O objetivo é estimular investimentos em redes de banda larga, entre outros avanços", disse a Anatel em nota à reportagem de Zero Hora.
Essa discussão entre as partes resultou em um novo acordo, que deixou a Oi livre de regras antes impostas pela concessão, incluindo a instalação e a manutenção dos orelhões em cidades onde ela não é a única operadora de telefonia móvel atuando. Sendo assim, a prestação do serviço dos TUPs passou a ser opcional em Porto Alegre.
Fim dos aparelhos

A Oi diz que começará a remover os orelhões que não estão mais em funcionamento em Porto Alegre — ou seja, todos. A operadora também começou a retirar os aparelhos de outras cidades onde o acordo com a Anatel permite. Para isso, afirma que trabalha em conjunto com as secretarias municipais e órgãos governamentais.
Em 2022, a prefeitura de Porto Alegre, por meio da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb), anunciou que faria a remoção de orelhões que estavam estragados em vias da Capital. Na época, existiam 670 telefones públicos na cidade, sendo que 382 não funcionavam.
Três anos depois, a reportagem procurou novamente o município para entender em que pé está esse processo. Em nota, a Procuradoria Geral do Município (PGM) diz que, neste ano, ajuizou uma ação pedindo ao Judiciário que determine que a Oi informe o número, localização e estado dos orelhões na cidade (se estão funcionando ou não).
"Eles (Oi) disseram que não operam mais esses equipamentos e não apresentaram a relação", explica a prefeitura por meio de sua assessoria de imprensa.
Telefones públicos que ficavam dentro de empreendimentos privados também começaram a ser retirados nos últimos anos. É o caso de escolas, mercados e shoppings.
— Faz um ano que tiramos pois não eram mais usados — diz a superintendente do BarraShoppingSul, Stela Parenza.
Lembranças
Encravados nas calçadas por um poste metálico e cobertos por uma estrutura de fibra de vidro, os orelhões estão longe de ser algo que passaria despercebido numa cidade. Mesmo assim, seu sumiço silencioso parece não estar sendo sentido pela população.

As estruturas que ainda existem estão quebradas, enferrujadas e rabiscadas. Na esquina da Rua dos Andradas com a General Bento Martins há dois telefones públicos. Em 20 minutos no local, a reportagem avistou uma pessoa tentando utilizá-lo. Era um homem em situação de rua, que poucos segundos após colocar o telefone na orelha deixou o local.
Indo em direção à Esquina Democrática, a reportagem perguntou a um segurança do Shopping Rua da Praia se ainda havia telefones públicos dentro do centro comercial. Ele disse que não, e que também não saberia dizer onde encontrá-los em ruas do Centro Histórico.
— Hoje não tem mais serventia. Usei muito lá atrás, mas quem vai precisar disso agora, quando se tem o celular? Se eu preciso, ligo de graça pelo WhatsApp. Hoje, eu só mando áudio — diz o trabalhador Marcos Silveira Garcia, 58 anos.
No passado, para fazer ligações em telefones públicos, era preciso inserir fichas. Depois, a tecnologia avançou para cartões, que eram vendidos em negócios como lotéricas, lanchonetes e mercados. Porém, desde 2015, as chamadas feitas em orelhões da Oi em Porto Alegre passaram a ser gratuitas.
A operadora de caixa Suzana Lima, 54, nem lembra da última vez que usou um orelhão. Do fundo da memória, puxou um caso de quando o aparelho a tirou de uma furada:
— Há uns 20 anos, fui atrás de uma costureira na Rua João Manoel (no Centro Histórico). Fui de táxi. Chegando lá, o motorista foi embora. Só que ele acabou me deixando na Rua São Manoel, perto da Ipiranga. Eu estava perdida, em um lugar que não conhecia. Não tinha celular como hoje. Caminhei por alguns minutos e achei um orelhão, então liguei para meu marido e ele foi me buscar — lembra Suzana.
Já o publicitário João Cunha, 29, usava o orelhão para fazer algo que hoje lhe dá vergonha.
— Em frente à minha escola tinha um orelhão. Depois da aula, eu e uns amigos ficávamos passando trotes ali, enquanto nossos pais não chegavam para nos buscar. Gostava de ligar para números aleatórios e dizer que era um entregador de pizza ou de xis — confessa João.
O primeiro orelhão da Capital
Em Porto Alegre, o primeiro orelhão chegou em março de 1973. Ele foi instalado na Praça da Alfândega e, assim como os outros de seu tempo, funcionava com a inserção de fichas — os modelos com cartão começaram a ser usados em 1992. O serviço era administrado pela CRT.

O modelo arredondado que se vê nas vias de todo o país — e de nações como Angola, Colômbia, China e Peru — é produto genuinamente brasileiro. Sua criadora, a arquiteta sino-brasileira Chu Ming Silveira, projetou o orelhão em 1971, quando chefiava o Departamento de Projetos da Companhia Telefônica Brasileira.
Seu desafio, à época, era criar um protetor para telefones públicos que reunisse funcionalidade e beleza, integrando-se ao mobiliário urbano. O formato oval foi escolhido, segundo a arquiteta já falecida, por ter a melhor acústica. Rio de Janeiro e São Paulo foram as primeiras cidades a receberam os telefones públicos com os novos protetores, em janeiro de 1972. Logo surgiram apelidos como "tulipa", "capacete de astronauta" e o definitivo: "orelhão".