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RETRATOS DA VIDA 

Alvorada ao longo de suas seis décadas

A trajetória da cidade se confunde com as vivências de seus moradores mais antigos, que acompanharam cada mudança.

22/09/2025 - 16h13min

Atualizada em: 23/09/2025 - 16h51min


Diário Gaúcho
Diário Gaúcho
Jonathan Heckler/Agencia RBS
Lugar comemorou aniversário na última quarta-feira, 17 de setembro.

A cidade de Alvorada chegou aos seus 60 anos na última quarta-feira (17). Para entrar oficialmente no rol de municípios pertencentes ao Rio Grande do Sul, porém, foi necessário um processo de transformações que levaram à sua emancipação.

O professor e historiador Fabiano Vaz, autor do livro Histórias de Alvorada: A emancipação do Passo do Feijó e a Paisagem Urbana em 1965, relembra os marcos que contribuíram para esse movimento.

O território de Alvorada nasceu como distrito de Viamão, com a sua denominação de Passo do Feijó. O nome ficou gravado por meio da lei nº 216, no dia 22 de setembro de 1952. O historiador destaca que a ocupação do local, porém, é mais antiga, com registros datados de 1780 a 1790.

Nesse período, o primeiro território oferecido como lote de terras foi para o açoriano português Manoel de Souza Feijó, cujo nome teve grande significado. A maior parte do território de Alvorada já foi ocupada por ele e seus familiares, tendo sido uma região rural por muito tempo, até o século 20

– Quando acontece o processo de industrialização, que as indústrias começam a ser construídas em todo o Brasil, as regiões próximas de Porto Alegre começam a receber muitas pessoas do Interior para trabalhar nessas novas indústrias – explica Fabiano.  

Novos moradores

Pelo destaque de Manoel na região, o local começou a ser reconhecido como Passo do Feijó. O então bairro, que nesse momento da história pertencia a Viamão, se expandiu rapidamente com a chegada de novos moradores. O professor ressalta que, no início dos anos 1960, quase um terço da população de Viamão se encontrava no local.  

Mas, voltando uma década antes, em 1950 um casal chegava ao local. Felippe Enery de Jesus Maria e Lenira Maria de Jesus acompanharam todo o desenvolvimento da futura cidade. Recém- casados, adquiriram um terreno no Passo do Feijó, que, na época, não possuía vizinhos

A paisagem era preenchida pelo verde da grama e do mato, sem construções. Lenira engravida de sua primeira filha e, alguns anos depois, também um guri nasce pelas mãos de uma parteira. O segundo filho, batizado de Brenílcio Maria de Jesus, cresceu e criou suas raízes no território escolhido por seus pais. 

O nascimento de Brenílcio, em 1954, ocorre em um contexto em que a região encontrava dificuldades para se desenvolver. Segundo Fabiano, pela abundância de moradores do Feijó, o município não estava dando conta de oferecer os pilares necessários para a população, como escolas e serviços de saúde adequados.  

Com esse cenário, os moradores começaram um movimento para se separar de Viamão. O professor destaca que foram se organizando e, a partir de 1964, surge a comissão de emancipação:  

– Os moradores realizaram todo um estudo, um dossiê para encaminhar um projeto de lei de emancipação.  

O historiador explica que, um ano depois, esse aceite foi possível, pois a localidade possuía uma boa infraestrutura e teria uma arrecadação de impostos. Com isso, no dia 17 de setembro de 1965, Alvorada se torna um município independente.  

Um guardião da cultura 

Brenílcio Maria de Jesus, então com 11 anos, viu as movimentações e a luta do povo do seu território para adquirir o seu próprio espaço. E, ao longo dos anos, sua trajetória se fundiu à história de Alvorada. Atualmente, é conhecido como um dos residentes mais antigos. Aos 71 anos, o jornalista e artista plástico vive como um verdadeiro guardião da memória da cidade.   

Ele relata que repetiu a escolha dos pais e construiu sua vida na mesma casa onde cresceu. Amante das artes e da cultura, o jornalista fez parte, ao longo dos anos, da construção da cena cultural de Alvorada. Por exemplo, participou da formação do primeiro grupo de teatro da cidade.

Como forma de disseminar a cultura, abriu um bar chamado Africa’s Bar – local que abrigou a juventude alvoradense nos anos 1980 e que funcionou como ponto de encontro para a disseminação da história da África na cidade, além de ser um espaço que trazia a visibilidade do povo negro do município: 

– Eu sempre quis que tivesse um bar temático, para as pessoas sentarem, trocar ideias. Nunca foi aquela coisa de ganhar dinheiro. E, graças a Deus, funcionou! – relembra.

Ativista

Com o passar dos anos, o nome de Brenílcio também trouxe visibilidade para o jornalismo, ao criar o primeiro jornal da cidade, e para o carnaval, no qual seu envolvimento foi um dos principais combustíveis para os festejos no município

Com seu ativismo cultural, conquistou um dos maiores feitos à época: a criação da Secretaria de Cultura no Município. Dentro do África’s, Brenílcio, junto da comunidade, realizou um movimento para a criação do órgão

A partir de listas de assinaturas e do incentivo da sociedade para explorar a cultura, a ideia dada pelo grupo vingou. Reconhecido como uma figura da cultura local, em 2018 se tornou patrono da Feira do Livro Municipal e guarda registros de todos os reconhecimentos obtidos em nome da cidade. 

Orgulho

Sua atuação está guardada em um mini museu, nomeado pelo jornalista como ponto de cultura, na casa que guarda a história da família (Rua México, 65). Lá, é possível encontrar registros das fitas com as músicas que embalavam as conversas no África’s Bar, os desenhos nas paredes, páginas de livros feitos por Brenílcio e o DVD de um filme que conta a história da lenda da Pedra da Cruz, conhecida na cidade. 

Questionado sobre por que se manteve tão presente na cidade, o jornalista responde:

– Eu sempre tive essa vontade de fazer o que era e seria importante para a cidade. Independente de governos, independente de qualquer coisa. Nunca visei nada a mais

Porém, seu maior orgulho e felicidade é de ainda pertencer ao mesmo bairro escolhido por seus pais e onde nasceu. Segundo o artista plástico, ele veio ao mundo pelas mãos de uma parteira. Desde o seu nascimento, o então Passo do Feijó se tornou seu lar, e assim segue até os dias de hoje. E é por esse amor que Brenílcio dedicou sua vida ao progresso de Alvorada.

O primeiro alvoradense registrado

Arquivo Pessoal/Reprodução
Romildo faz aniversário com Alvorada.

No mesmo dia em que os alvoradenses comemoravam o primeiro capítulo de sua história, Antônia de Castro Brum, no auge de seus 30 anos, vivia outro início. Em 17 de setembro de 1965, data da emancipação, ela dava à luz ao seu terceiro filho, Romildo Castro Brum.  

O recém-nascido ficou cravado na história de Alvorada como o primeiro registrado, segundo os históricos dos livros do primeiro tabelionato. Os pais de Romildo procuraram a região em busca de oportunidade. No ano em que completa seu sexagésimo aniversário, o motorista de aplicativo fala com orgulho sobre “ser cria de Alvorada”.  

Com a sua memória tendo acompanhado a do município, ele destaca que viu tanto a parte ruim quanto a parte boa de ser morador do local. Ali, Romildo construiu família e criou os seus quatro filhos. 

Questionado sobre não ter deixado a cidade, fala com orgulho que nunca teve o pensamento de trocar sua moradia.

Nasci em Alvorada e eu vou morrer aqui. Acreditei muito no município. É uma cidade que tem muito a melhorar, mas que é boa

ROMILDO CASTRO BRUM

Entre as memórias positivas que vieram acompanhadas da responsabilidade de dividir o aniversário com sua cidade natal, Romildo lembra com diversão o momento em que percebeu que isso era um fato curioso.  

Quando ele tinha 13 anos, um grupo de estudantes de Porto Alegre localizou o adolescente, que na época estava sob os cuidados da avó. Os jovens precisavam da ajuda de Romildo para completar pontos em uma gincana. A prova em questão era encontrar um cidadão que tivesse nascido no mesmo dia que a cidade de Alvorada.  

Com a empolgação juvenil, ele avisou em casa que daria uma volta e saiu de seu município rumo à capital gaúcha. Apenas um detalhe foi capaz de estragar sua empolgação no dia: a aventura seria a pé

– Eu pensei que íamos pegar um táxi, algum deles ia falar que tinha um carro, ou iam me pagar um ônibus. Não, fomos caminhando, e era muito longo, da parada 48 até Porto Alegre – relembra, aos risos. 

O percurso cansativo se tornou uma boa memória, que hoje é a história predileta de Romildo para contar na roda de amigos.

Hipóteses para o nome

No dicionário, Alvorada significa “a primeira claridade, o crepúsculo da manhã”. Fabiano relata que há duas versões para o nome escolhido para a localidade. A primeira diz que surge como uma homenagem aos trabalhadores, por terem suas rotinas já no raiar do sol, no alvorecer do dia. Eles seguiam, explica o professor, para Porto Alegre, em direção às fábricas que surgiam na época. 

Já a outra versão o historiador conta com descontração, por ainda não ser comprovada por documento. Estudiosos, segundo ele, dizem que membros da comissão de emancipação pensaram o nome por questões financeiras:

– Nos anos 60, existia um recurso estadual pago aos municípios por ordem alfabética. Municípios que começavam com letras do início do alfabeto recebiam primeiro os pagamentos. 

Por Viamão começar com a letra “V”, sofria com atrasos constantes. A comissão, então, teria optado por um nome que começasse com a primeira letra do alfabeto, para evitar os mesmos problemas e garantir que seriam os primeiros a receberem os recursos. A hoje sexagenária Alvorada tem mais de 70 km² de extensão e mais de 180 mil habitantes.

*Produção: Josyane Cardozo


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