Às vezes eu me pego pensando sobre aquele último gole de café que sempre sobra na xícara. Frio, amargo, esquecido e resignado. É um gole só. Podia muito bem ser ingerido em um susto junto com o último. Ou, em um instante de determinação e luta contra a preguiça, jogado no ralo da pia. Sua quantidade é quase insignificante. Mas insistimos em deixá-lo ali. Esfriando, adentrando pelos poros (porcelana tem poros?) da caneca e manchando sua superfície. 

Depois, fica até mais difícil de lavar, já que o gole provavelmente vai ficar boiando até quando, no dia seguinte, algum colega vai dizer a prazerosa frase: “passei café!”. Aí você é obrigado a limpar o utensílio e passar a esponja seguidas vezes para desintoxicar aquele último gole que foi esquecido de propósito. Higienizar tudo na marra para pegar um café fresquinho, quente e que vai te deixar acordado pelas próximas horas.

Analogia

Às vezes eu me sinto vivendo nesse último gole. Não em uma tentativa de autopiedade de dizer que estou esquecida. Mas me sinto ali, nadando em um limbo. Eu sei que aquele finzinho já não serve mais, é frio, é aguado e contém todas as impurezas decantadas. Mas jogá-lo fora não seria desperdício? Ainda mais com o preço do grão nas gôndolas. Deixá-lo ali é mais confortável, causa menos culpa, mas talvez não seja a melhor opção. 

Acho que você já percebeu a analogia que eu estou tentando construir aqui. A verdade é que esse pensamento serve para decisões complexas que temos que tomar na vida. Muitas vezes, precisamos encerrar ciclos, jogando o que não encaixa mais fora e lavando a caneca para servir uma nova realidade. Encerrar ciclos para começar novos que sejam mais frescos. Tomar o último gole seria amargo, frio, e simplesmente não faz mais sentido se um novo pode ser servido. É difícil, mas faz parte do processo de apreciar um bom café – e uma boa vida.