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Gaúcha é processada após avaliar serviço por meio do Google; autora da ação fala em difamação e injúria

Caso ganhou repercussão na última semana

06/09/2025 - 17h11min


Isadora Garcia
Isadora Garcia
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Omid Studio/stock.adobe.com
Além de comentários, sistema permite dar estrelas.

A auxiliar de escritório e criadora de conteúdo digital Michele Luiza Petter, 24 anos, o namorado e uma amiga estão sendo processados por difamação e injúria após publicarem avaliações do serviço de uma advogada no Google

O trio foi pego de surpresa após o namorado de Michele receber uma intimação. Essa história repercutiu no final de agosto, após um vídeo com o relato de Michele ganhar destaque nas redes sociais.

— Fiquei totalmente em choque (ao descobrir que estava sendo processada). Nunca passei por nada parecido e, obviamente, assusta bastante. Nunca imaginamos passar por uma situação dessas por conta de uma avaliação — descreve Michele, que é moradora de Estrela, no Vale do Taquari

A ação penal movida contra os três foi aberta em 2023. A autora do processo é uma advogada (confira a versão dela abaixo) que a família da auxiliar de escritório contratou em 2013 para um processo relacionado a pensão alimentícia — à época, Michele era menor de idade. Ela afirma que o processo se estendeu e que, em 2023, as partes chegaram a um acordo. Foi então, segundo ela, que a família fez tentativas de contato com a advogada para que o acordo pudesse ser efetivado, mas sem sucesso.

Ainda em 2023, por meio da plataforma de avaliações do Google, a auxiliar de escritório decidiu avaliar o serviço da advogada. Ela escreveu: "Advogada que não atende os clientes. Uma única ligação atendida e é extremamente debochada, hostil e nada profissional. Não recomendo!". 

Na plataforma, além de comentários, é possível avaliar por meio de estrelas. Michele deu uma estrela, de cinco. O namorado e a amiga também deram essa nota, mas não escreveram comentários.

Michele explica que decidiu fazer uma avaliação sobre a advogada em questão por conta da "experiência pessoal" que teve.

— O Google é a ferramenta que nós temos para expressar experiências tanto boas quanto ruins. Após minhas tentativas de contato, senti necessidade de compartilhar o ocorrido — completa.

À Zero Hora, Michele conta que tinha o hábito de avaliar serviços e produtos pela plataforma, mas que isso mudou:

— Hoje em dia, só avalio quando o local é muito bom. Eu costumava avaliar tanto experiências positivas quanto negativas, pois achava a ferramenta interessante. Porém, hoje em dia, realmente não avalio mais as experiências negativas, pois não vale a pena o possível incômodo.

Pedido de indenização

No processo, a advogada solicitou uma indenização de no mínimo R$ 100 mil. Michele afirma que o valor "assusta bastante", mas que confia que a Justiça irá avaliar "de forma equilibrada e imparcial". O processo em questão segue tramitando.

De acordo com o portal BBC News Brasil, a advogada pediu também que o Google excluísse o comentário de Michele e as três avaliações. O pedido foi concedido por uma juíza, mas a plataforma contestou a decisão. Entre os argumentos, a empresa defendeu que a remoção de comentários "restringe desproporcionalmente as liberdades constitucionais de expressão e de informação (...), podendo caracterizar censura, em última análise". O Google, então, foi intimado. Diante disso, entrou com um mandado de segurança contra a determinação, que foi acatado pela Justiça.

O que diz a autora da ação?

Zero Hora entrou em contato com a advogada autora da ação, que optou por se manifestar por meio da defesa e não ser identificada. 

Em nota, a defesa escreve que "desde 2013, a advogada vítima prestou serviços jurídicos à ofensora e à sua genitora em demandas complexas e de longa duração, que se estenderam por mais de 10 anos, sempre com dedicação integral". 

A nota diz ainda:

Apesar de ter cumprido integralmente suas obrigações profissionais — inclusive obtendo sentença de procedência em favor de suas clientes — a profissional recebeu apenas parte dos honorários contratados, sendo obrigada a ajuizar ação de arbitramento. Essa ação resultou em sentença de procedência, proferida em agosto de 2025 pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Lajeado/RS, a qual reconheceu, inclusive, "a conduta não leal das requeridas, que deliberadamente buscaram se esquivar do pagamento dos honorários devidos pelos serviços efetivamente prestados durante uma década de trabalho jurídico especializado". Além disso, diante da cobrança legítima dos honorários, a ofensora ex-cliente passou a adotar condutas retaliatórias, publicando avaliações difamatórias e injuriosas em plataformas digitais. Não satisfeita, mobilizou terceiros — que jamais tiveram contato com a advogada ofendida — para replicar ataques ofensivos, ampliando artificialmente o alcance das ofensas. Tais condutas configuram abuso de direito e verdadeira perseguição, causando grave dano à honra e à reputação da profissional.

A defesa afirma que, após a repercussão do caso, houve uma "nova onda de ataques virtuais" contra a advogada e que "essa exposição indevida colocou a profissional em situação de extrema vulnerabilidade, afetando sua integridade física e moral". A nota diz também:

Além de inúmeros comentários desabonadores de pessoas que sequer a conhecem, houve sério comprometimento de sua imagem perante clientes e potenciais clientes, ocasionando prejuízos significativos ao exercício regular da advocacia. O desgaste emocional tem gerado um abalo psicológico intenso, afetando sua rotina diária, sua capacidade de concentração e até mesmo o convívio social, evidenciando a gravidade das consequências que vem enfrentando.

A defesa reforça que medidas judiciais cabíveis estão sendo adotadas a fim de responsabilizar envolvidos e reparar danos. E destaca:

Neste momento, a prioridade da advogada vítima é preservar sua vida pessoal e profissional. Por essa razão, reitera que não deseja ampliar a divulgação do episódio, mas apenas registrar sua versão dos fatos, esclarecer a gravidade da situação e reafirmar que vem sendo vítima de perseguição e crimes contra a honra, com consequências sérias e irreparáveis para sua trajetória profissional.

Injúria e difamação: qual a diferença?

Injúria e difamação, assim como calúnia, são os chamamos crimes contra a honra.

A injúria trata da ofensa à dignidade ou ao decoro da pessoa. Fabiano Clementel, professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e integrante do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal, explica: é quando são atribuídos adjetivos pejorativos a alguém. Nesse crime, independe de outras pessoas saberem, terem ouvido ou visto a ofensa.

A difamação, por sua vez, se relaciona à reputação social. É quando o nome e a honra da pessoa, no meio em que se vive, são atingidos. Poderia ser interpretado como difamação, por exemplo, quando alguém fala que uma pessoa traiu outra no casamento.

Nos dois casos, não importa se o fato citado é verdadeiro ou falso

A calúnia, por outro lado, ocorre quando se atribui a alguém um fato que é definido pela lei como crime e a pessoa faz essa atribuição sabendo que a outra não cometeu esse crime.

Como saber se estou cometendo um crime?

Clementel lembra a conhecida expressão: a brincadeira só é brincadeira quando os dois riem dela. Segundo o professor, um cuidado que ajuda a estabelecer uma diferença entre crítica e ofensa consiste em ter embasamento ou garantia do que se fala. 

Em uma prestação de serviço, por exemplo, caso não seja bem cumprido, o contrato pode ser uma prova para embasar uma crítica feita, explica. O que está no Código de Defesa do Consumidor também pode auxiliar.  

O especialista reforça que toda liberdade tem um limite, que está na própria Constituição:

— A Constituição te assegura a liberdade de expressão, veda o anonimato e diz que tu deves respeitar a honra, a imagem e o nome das pessoas. Então, a crítica é um elemento central para que a gente possa evoluir como sociedade e como indivíduo. Nós precisamos saber lidar com a crítica. Mas a crítica não pode extrapolar a ponto de se tornar uma ofensa.

Ele esclarece, ainda, que é necessário avaliar se a intenção da pessoa era ofender ou apenas fazer uma crítica.  

Há penalização?

De acordo com o Código Penal, a calúnia possui pena de seis meses a dois anos de detenção. Na difamação, a pessoa pode ficar detida de três meses a um ano. E na injúria, de um mês a seis meses. Nos três crimes, também há possibilidade de multa

Conforme Clementel, duas situações podem aumentar a pena: se o crime for praticado em um meio que facilite a divulgação, como a internet, e se, de forma mais específica, ocorrer nas redes sociais. Mas o especialista ressalta:

— Só existe condenação quando há demonstração de que a pessoa que profere uma frase ofensiva ou até mesmo um adjetivo pejorativo faz com a intenção, o dolo de ofender. Existem situações em que a pessoa não é condenada porque se demonstra que não houve um dolo de ofender, uma intenção de ofender, mas sim um animus de crítica, um animus de descrever algo que realmente aconteceu.

Por serem crimes de menor potencial ofensivo, a tendência é de que sejam adotadas medidas consensuais, como acordos, ou penas restritivas de direitos, como perdas de bens, pagamentos de certos valores e prestação de serviços à comunidade, ao invés de prisão.

No caso de eventual indenização, de acordo com Clementel, ainda que uma das partes do processo estabeleça um valor a ser pago, quem decide de fato se haverá pagamento e o valor é o juiz. A definição é feita com base em elementos como gravidade e extensão do dano, grau de culpa e condição socioeconômica das partes.


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