Após onze horas
Câmara de Porto Alegre aprova projeto que autoriza concessão parcial do Dmae à iniciativa privada
Executivo poderá prosseguir com os estudos técnicos e a modelagem financeira da concessão, conduzidos pelo BNDES



Após mais de onze horas de debate e protestos dentro e fora do plenário, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou, na madrugada desta quinta-feira (23), o projeto que autoriza a concessão parcial dos serviços do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) à iniciativa privada. A sessão foi marcada por protestos e ânimos acirrados entre os vereadores.
O projeto foi aprovado com 21 votos a favor e 14 contra. Com o resultado, a prefeitura está autorizada a avançar no processo de modelagem da parceria com o setor privado. Um estudo neste sentido vem sendo conduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O texto aprovado prevê que a captação e o tratamento da água permaneçam sob gestão pública, enquanto a distribuição, a cobrança das contas, o tratamento de esgoto e manutenção da rede poderão ser operados por uma concessionária. A drenagem urbana da chuva (pluvial) e sistema de proteção contra enchentes também seguem públicas.
Emendas
Os vereadores também aprovaram emendas ao projeto.
- emenda 9: assegura a manutenção da tarifa social para a população de baixa renda e obriga a concessionária a garantir abastecimento emergencial e contínuo de água potável.
- emenda 10: institui uma fila de atendimentos prioritários para os chamados provenientes de comunidades em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
- emenda 13: prevê a criação de uma conta específica vinculada para assegurar recursos para modicidade das tarifas públicas e financiar a implantação, ampliação e melhoria do sistema de abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem em áreas vulneráveis, irregulares ou desatendidas pelo município, não contempladas nas metas e investimentos previstos no contrato de concessão.
- emenda 14: define prioridade de investimento para áreas de interesse ambiental, turístico, cultural, esportivo e econômico e para comunidades em situação de vulnerabilidade socioeconômica e regiões da cidade com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
- emenda 15: postula que a inexistência de pavimentação ou de sistema de drenagem pluvial não constituirá, por si só, impedimento para a implantação da rede de esgotamento sanitário.
- emenda 18: define que o Executivo deve enviar relatórios mensais à Câmara com informações sobre o andamento do projeto de concessão.
- emenda 23: estabelece que o contrato de concessão deverá prever metas de universalização para todas as regiões de planejamento da cidade.
Sessão marcada por tensão e protestos
A sessão desta quarta aconteceu em um cenário de tensão entre vereadores, esquema de segurança reforçado e manifestações nas galerias do plenário Otávio Rocha. Integrantes de movimentos sociais e sindicatos ligados ao Dmae protestaram contra o projeto, exibindo faixas e cartazes e vaiando parlamentares favoráveis ao projeto.
Vereadores da situação e da oposição se revezaram na tribuna para defender seus posicionamentos.
— Essa gente é acostumada a pegar dinheiro público, para comprar coisa pública, para tornar privada, para explorar o povo — destacou Pedro Ruas (PSOL) na tribuna ao se manifestar contra o projeto.
Ramiro Rosário (Novo), por sua vez, defendeu a concessão do Dmae:
— Tratamos apenas 54% do esgoto de Porto Alegre. Nós temos, desde a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) Serraria, hipoteticamente uma capacidade instalada de 72%. O problema é que não tem rede. O esgoto não chega na ETE Serraria.
Antes mesmo de a sessão começar, a tensão já era perceptível. O prédio da Câmara recebeu reforço no esquema de segurança. A ação foi motivada pela confusão generalizada que interrompeu uma sessão na semana passada e deixou cinco vereadores feridos.
Para evitar novo tumulto, gradis foram instalados no portão principal da Câmara. A medida integra o protocolo de segurança de "dias atípicos" na Casa, conforme resolução da Mesa Diretora publicada no Diário Oficial de Porto Alegre (Dopa) desta quarta-feira.
A resolução não foi bem recebida pela oposição, que, cerca de 40 minutos após o começo da sessão, apresentou uma liminar da Justiça, assinada pelo desembargador Francesco Conti, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que suspendeu o novo esquema de segurança. A medida obrigou a presidência da Casa a ordenar a retirada dos gradis posicionados em frente à Câmara.
— Cumpre informar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por meio de decisão monocrática, em agravo de instrumento da vereadora Atena e da vereadora Grazi, deferiu tutela antecipada recursal para suspender os efeitos dos novos protocolos de segurança aprovados pela mesa diretora da Câmara Municipal de Porto Alegre no dia 21 de outubro. Porém, conforme a decisão do próprio desembargador, o manual de procedimentos em dia de sessões plenárias atípicas vigente desde 2019, deve continuar sendo aplicado — declarou a Comandante Nádia.
Mesmo com a retirada do novo protocolo de proteção, princípios de confusão foram registrados durante as discussões do tema. Instigados pelos manifestantes presentes nas galerias e por parlamentares, os episódios fizeram a Guarda Municipal avançar ao plenário.
Em uma das ocasiões, os vereadores Roberto Robaina (PSOL) e Alexandre Bobadra (PL) se desentenderam. Bobadra afirmou ter sido agredido pelo psolista e disse que registraria boletim de ocorrência na Polícia Civil.
— Pelas minhas costas, fui agredido pelo vereador Robaina, sorrateiramente. Eu acho uma injustiça. Eu só vi ele batendo nas minhas costas, machucou. Eu vou na Polícia Civil e vou tomar as medidas cabíveis — afirmou Bobadra.
Robaina, por sua vez, negou a acusação e rebateu:
— O vereador Bobadra agarrou o microfone e foi embora com ele. É uma coisa absurda. É coisa de vereador irresponsável, e a Câmera não pode ser essa bagunça.
A confusão levou à suspensão temporária da sessão por cinco minutos. Na sequência, Jessé Sangalli (PL) pediu as filmagens do momento em que ocorreu a suposta agressão de Robaina a Bobadra.
Na volta dos trabalhos, parlamentares da oposição chegaram a pedir a retirada dos agentes da Guarda Municipal do plenário, justificando medo de novos episódios como o registrado na semana passada.
Outros vereadores foram às galerias para tentar acalmar o público presente. A atitude foi elogiada pela presidência da Casa.
Tentativas de suspensão e adiamento
Mesmo sob ânimos acalorados, os trabalhos seguiram noite adentro. A oposição utilizou de instrumentos regimentais para tentar adiar ou suspender a votação, apresentando diferentes requerimentos de ordem. Os instrumentos foram votados e, em maioria, rejeitados. Por isso, a discussão seguiu.
O pedido dos manifestantes também era de adiamento da apreciação do projeto.
Entenda o projeto
O texto aprovado garante que a captação e o tratamento da água permanecem sob gestão pública, enquanto a distribuição, a cobrança das contas, o tratamento de esgoto e manutenção da rede poderão ser operados por uma concessionária. A drenagem urbana da chuva (pluvial) e sistema de proteção contra enchentes também seguem públicas.
— Vai afetar diretamente aquelas comunidades mais vulneráveis de Porto Alegre. Com relação à estruturação que nós estamos propondo, ela vai permitir uma aceleração dos investimentos e, ao mesmo tempo, permitir que a burocracia que hoje permeia a administração pública, não se tenha — disse o secretário-geral do governo Melo, André Coronel.
A proposta, no entanto, abre brecha para que estações de captação e tratamento que comecem a operar depois da sanção da lei sejam operadas pela iniciativa privada.
Por outro lado, o projeto garante estabilidade a servidores e impede extinção de cargos do Dmae, além de permitir que a prefeitura utilize recursos obtidos com a concessão para subsidiar a conta dos consumidores e financiar obras relacionadas ao saneamento, sobretudo no manejo de águas pluviais e na proteção contra cheias.
Visões distintas
No mérito, o governo Melo sustenta que a concessão é necessária para que sejam atendidas, até 2033, as metas do Novo Marco do Saneamento.
Conforme a justificativa enviada pela prefeitura à Câmara no projeto de concessão, Porto Alegre já está muito próxima de entregar água potável para 99% da população. O desafio trazido pelo novo marco é alcançar 90% de coleta e tratamento de esgoto. Segundo a justificativa, a Capital atende somente 52,84% dos domicílios nesse indicador. É para avançar no quesito que o governo Melo assenta a convicção pela concessão dos serviços.
A oposição, por outro lado, defende um programa de modernização do setor público. Isso incluiria manter o Dmae totalmente sob gestão municipal, com captação de recursos externos para os investimentos necessários. Os oposicionistas avaliam que recentes privatizações no Estado levaram a serviços precários e cobranças consideradas abusivas de tarifas.
A privatização é uma venda definitiva do patrimônio, enquanto a concessão, caso do Dmae, é temporária.
Próximos passos
Com a aprovação, o Executivo poderá prosseguir com os estudos técnicos e a modelagem financeira da concessão, conduzidos pelo BNDES. Existe um detalhamento a ser feito, incluindo a definição do tempo de concessão, do modelo de escolha do parceiro privado — maior valor de outorga ou menor tarifa —, além da definição de cronograma de obras, investimentos e indicadores de qualidade.
O secretário Municipal de Parcerias do Saneamento de Porto Alegre, Bruno Vanuzzi, detalhou que o processo deve ser longo:
— Esse processo de estruturação deve durar em torno de seis meses. Depois nós temos três meses de consulta pública, audiência pública, órgãos de controle e depois três meses de licitação. Então, é um processo que deve durar, ao todo, em torno de um ano. A partir do fim do ano que vem, já devemos ter escolhido a empresa e também o início dos trabalhos — explicou.
Esses pontos de detalhamento não constam no projeto de lei. A intenção da prefeitura é de que as minúcias sejam apresentadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que está elaborando estudo de modelagem para a concessão do saneamento na Capital.
As análises técnicas estavam interrompidas desde a enchente de 2024. Em 9 de outubro deste ano, a prefeitura e o BNDES assinaram um aditivo contratual para viabilizar a retomada dos estudos de modelagem. Eles deverão ser readequados à realidade de Porto Alegre após a inundação.
O aditivo contratual tem vigência até dezembro de 2027, mas a prefeitura mencionou a crença de que será possível ter acesso aos primeiros resultados do diagnóstico já em 2026. Tendo a posse da modelagem do BNDES, o município e o Dmae terão de lançar um edital de licitação, contendo todo o detalhamento da concessão. Só depois disso é que um concessionário deve ser escolhido em concorrência pública. É um processo que não se encerra na votação desta quinta-feira (23) na Câmara de Vereadores.