A gente usa de teimosia. O tênis branco não permanecerá assim pra sempre, é pura ilusão. Ou escovão. Quem compra um desses quer eternizar a sensação de tirar um tênis novinho da caixa, onde tudo é 0km: o cordão, a sola, a palmilha interior e - claro - a cor externa. Pagamos caro, queremos manter ao máximo o branco alvo, puro e imaculado. Pode marcar o tempo no cronômetro, logo a primeira sujeira quebra a magia do momento. Rapidinho, vira off-white (ou como se chama o branco sujinho).

Na infância e adolescência, o terror iminente é algum amigo (da onça) batizar o tênis novo, ainda mais se for branco. Na vida adulta, nós mesmos sujamos. Um tropeço, uma topada, um descuido. Em dias de chuva, o estrago que faz uma lajota solta na calçada. Ah se fosse só a calça que molha. Mas quem é louco de sair de tênis branco quando chove? Conheço esse tipo. E conheço bem os que só vestem roupa preta e tênis branco. Não são eles que limpam, pode apostar.

Rota

Cada vez que penso em tirar o meu do armário, eu penso bem. Vale a pena? Procuro traçar mentalmente a rota do dia, na tentativa de me antecipar ao que vem pela frente (literalmente). Será um trajeto limpo pra um tênis branco circular em segurança? Como se a vida pudesse ser prevista desse jeito. O acaso e o caos estão na próxima esquina. E tem a Lei de Murphy, que diz “se algo pode dar errado, dará”. Pronto. Já imagino uma lata de tinta vermelha caindo nos meus pés.

A ilusão do tênis branco vai sendo derrubada por risquinhos que se instalam aqui e ali. É inevitável. Dá pra passar o spray que promete limpeza instantânea. Testar truques da internet, como limpar com pasta de dentes (cuidado que elas andam bem coloridas). Dá pra relaxar e ver no que dá. Talvez o tênis branco seja apenas um sonho. Um ideal impossível de se manter. Uma bandeira da paz. Uma nostalgia do uniforme do colégio. O tênis branco é um ato de rebeldia adulta.

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