Impacto social
"Oportunidades que mudaram meu olhar": empreendedores da periferia discutem inovação com propósito na Expo Favela RS 2025
De um centro de oportunidades criado por um estudante à primeira IA periférica do país, o evento impulsiona ideias e transforma trajetórias


Nos dias 7 e 8 de novembro, o Instituto Caldeira, em Porto Alegre, será palco de um dos maiores encontros de inovação e impacto social do país: a Expo Favela Rio Grande do Sul 2025.
A feira, que chega à terceira edição no Estado, reúne empreendedores de favelas e periferias de todas as regiões gaúchas, conectando projetos locais a investidores, empresas e mentores.
Neste ano, a iniciativa bateu recorde de inscrições: mais de 6 mil empreendedores se candidataram, e 174 foram selecionados para apresentar seus negócios e ideias durante os dois dias de evento.
A programação inclui palestras, painéis, oficinas de capacitação, rodadas de negócios e apresentações culturais, promovendo um ambiente em que inovação e transformação social caminham lado a lado.
Mas a força da Expo Favela vai muito além dos números. O impacto real se mede nas histórias de quem, após participar da feira, conseguiu mudar a própria trajetória e a da comunidade a seu redor.
Do Mario Quintana para o palco do empreendedorismo
Um desses exemplos é Marco Antônio Marchi Carreiro, de 18 anos, morador do bairro Mario Quintana, na zona norte da Capital. Estagiário em uma multinacional de tecnologia e fundador do Centro de Oportunidades do MQ (COMQ), ele é prova de que o empreendedorismo social pode nascer cedo e com propósito.
O COMQ surgiu em 2024 com a missão de "colocar as oportunidades na palma da mão da comunidade". A iniciativa conecta moradores do bairro a vagas de emprego, cursos, capacitações e programas de jovem aprendiz por meio de uma ferramenta simples e poderosa: grupos segmentados de WhatsApp.

Esses grupos, divididos por temas como Jovens e Empreendedorismo, se tornaram uma rede viva de compartilhamento de informações, gerida por cerca de 20 voluntários organizados em grupos de trabalho.
Há equipes de marketing e design, responsáveis pelas redes sociais, e de tecnologia, que está criando o KAI, um assistente virtual que vai automatizar o envio de oportunidades.
— Vi muitos jovens abandonando a escola para trabalhar, sem acesso a cursos e formações que eu, por sorte, tive. Essas oportunidades mudaram meu olhar. Percebi que, com um curso técnico ou faculdade, era possível conquistar um emprego melhor. Quis compartilhar isso com outros jovens — conta Marco.
O primeiro grande passo foi dado em agosto de 2024, quando houve o lançamento oficial. Em parceria com a escola onde Marco estudou e apoio da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), ele conseguiu levar 140 jovens do Mário Quintana até a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) para participar de painéis e palestras.
A experiência marcou o início de uma rede que hoje já impactou mais de 250 pessoas em cursos, workshops, mentorias e processos seletivos.
— A Expo Favela foi um divisor de águas. Quando participamos da edição de 2024, ficamos entre os 15 melhores. Agora, voltamos mais preparados e confiantes. Nosso foco é melhorar o projeto e consolidar o COMQ como uma organização social formal, com CNPJ, para ampliar o alcance — afirma o jovem empreendedor.

O grupo já está em processo de formalização como Organização da Sociedade Civil (OSC). A meta é, a médio prazo, contratar moradores da comunidade e, a longo prazo, transformar o COMQ em um hub de inovação social dentro do bairro.
— Sonho que o (bairro) Mario Quintana seja visto como potência, e não apenas como sinônimo de desigualdade. O COMQ é sobre isso: mostrar que a periferia cria, transforma e lidera — resume Marco.
Tecnologia que fala a linguagem periférica
Se no Mario Quintana o foco é conectar jovens ao trabalho, na Restinga, o desafio é colocar a tecnologia a serviço do empreendedorismo local.
É com esse propósito que Roberta Capitão, palestrante e empreendedora da comunidade, fundou a PerifaTech, uma startup de impacto social que promete democratizar o acesso à inteligência artificial entre pequenos negócios da periferia.
A PerifaTech atua dentro do WhatsApp, onde um assistente virtual responde a dúvidas de microempreendedores sobre gestão, formalização, vendas, precificação, marketing e acesso a crédito.

O objetivo é tornar a linguagem digital simples e próxima da realidade periférica, sem a necessidade de instalar aplicativos nem dominar ferramentas complexas.
— A gente ouve muito que tecnologia é acessível a todos, mas, aqui na periferia, não é. Muitos empreendedores periféricos sequer sabem acessar o ChatGPT, que dirá fazer um prompt. O PerifaTech veio para isso: responder de forma acessível, com exemplos práticos, na linguagem de quem empreende na periferia — explica Roberta.
O projeto nasceu de uma longa caminhada. Moradora da Restinga, Roberta é dentista e fundadora da Associação Empreendedoras Restinga, entidade que presidiu por seis anos.
Foi ali que começou a mobilizar mulheres da comunidade em torno da inovação e do empreendedorismo.
Em 2023, ela liderou uma delegação de 30 empreendedoras no South Summit com ingressos sociais. Depois de uma pausa em 2024, quando enfrentou um burnout, Roberta retornou com o PerifaTech amadurecido e digitalizado.

Agora, a ferramenta está em fase de validação, com 50 empreendedoras testando o assistente ao longo de três meses. Os feedbacks, segundo ela, têm sido empolgantes.
— As mulheres usam o PerifaTech para aprender a calcular o preço justo do açaí, criar vídeos para redes sociais ou pensar promoções. É uma ferramenta que entende o contexto, fala a nossa língua e mostra que inteligência artificial também é coisa de periferia — diz.
Palco para ideias e oportunidades
Mais do que uma feira de negócios, a Expo Favela RS é uma vitrine para histórias como as de Marco e Roberta — e um catalisador para centenas de outras.
Em 2024, o evento reuniu mais de 17 mil pessoas, consolidando-se como o maior encontro de empreendedorismo das comunidades no Estado.
Para 2025, a expectativa é ultrapassar esse público e aprofundar a conexão entre as favelas e o ecossistema de inovação gaúcho.
A programação deste ano trará nomes de peso, como Samantha Almeida (diretora de marketing da TV Globo), MC Marechal, KL Jay (Racionais MC’s), MC Soffia, MV Bill, Karine Oliveira (fundadora da Wakanda Educação Empreendedora) e Negra Jaque, entre outros artistas e empreendedores sociais.
Além das palestras e shows, a feira vai abrigar batalhas de barbeiros, desfiles de drag queens, exposições fotográficas e de grafite, competição de robótica entre Centros de Juventude e o Hackatchê, que desafia alunos da rede pública a propor soluções para suas comunidades.
Realizada pela CUFA RS com financiamento do governo do Estado, a Expo Favela conta com patrocínio do Banrisul, Instituto Helda Gerdau e Sebrae RS e apoio do Grupo RBS e RS Seguro. O evento é viabilizado pela Lei de Incentivo à Cultura.
Serviço
- O que: Expo Favela Rio Grande do Sul 2025
- Quando: 7 e 8 de novembro de 2025
- Onde: Instituto Caldeira (Fábrica Guahyba) — Travessa São José, 455, bairro Navegantes, Porto Alegre
- Entrada gratuita: inscrições e ingressos no site do evento (vagas limitadas)