Mobilidade urbana
"Os aplicativos estão matando as garagens", diz empresário sobre estacionamentos estarem dando lugar a novos negócios
Em 10 anos, Porto Alegre perdeu 432 espaços para guardar carros de acordo com dados da Receita Federal, uma redução de 35%


Depois de completar a maioridade, o publicitário Fábio Menezes, hoje com 26 anos, foi reprovado em duas oportunidades antes de ser aprovado e obter a carteira de motorista. Desde então, dirigiu poucas vezes o carro dos pais e afirma não ter vontade de comprar um próprio.
— Vou para tudo que é lugar utilizando aplicativo. Lembro que surgiram aqui na época em que fiz a prova. Naquele primeiro ano com a carteira, eu não poderia levar multas, então passei a pedir muito carro por aplicativo. Acabei me acostumando e assim fiquei. Nunca dirijo. O preço de um estacionamento é, às vezes, mais caro do que o valor da corrida — diz o publicitário.
No final da tarde de quarta-feira (29), Menezes desceu de um carro que o levou para a Rua da República, no bairro Cidade Baixa. Ali, se encontraria com amigos para beber em um bar. Se fosse dirigindo, correria o risco de ser pego em uma blitz ao voltar para casa.
Dono da Garagem Sender, na Rua João Alfredo, Gerson Sender diz que a implementação da Lei Seca, somada ao crescimento do uso por aplicativos de transporte, fez a procura por vagas em seu estacionamento cair para mais da metade. O negócio, que existe há 60 anos, é cercado por bares e restaurantes.
Na pandemia, Sender permutou dois terços do terreno da garagem com uma construtora. No lugar, foi erguido um prédio residencial com acesso pela Rua José do Patrocínio, no outro lado da quadra. Sobraram ainda 55 vagas para o estacionamento, sendo que metade delas são ocupadas por mensalistas.
— Antes da chegada dos aplicativos isso aqui ficava lotado. Hoje, eu mesmo peço carro quando vou sair para beber. É do jogo. Mas o fato é que os aplicativos estão matando as garagens — diz o empresário.

Fechamentos
O cadastro de empresas ativas na Receita Federal mostra que Porto Alegre perdeu 432 garagens entre 2014 e 2024, o que representa uma queda de 35% no número de estabelecimentos. Essa queda ocorre também em âmbito estadual (veja no gráfico abaixo).
Atualmente, a Capital conta com 811 estacionamentos ativos, conforme dado levantado pelo economista Eduardo Luis Bartholomay.
Até 2014, a abertura de estacionamento estava em alta. Professora de Ciências Econômicas na área de Gestão e Negócios da Unisinos, Raquel Pereira Pontes diz que o número de fechamentos superando as aberturas começou a ocorrer em meio à crise econômica no país entre 2015 e 2016. Foi justamente nesse período que também surgiram os aplicativos de transporte no Brasil.
— Tivemos um grande crescimento econômico na década de 2000. Isso fez com que mais pessoas tivessem acesso a carros. Tivemos uma política de inserção do álcool na gasolina, e ela ficou mais barata a partir dessa mistura. Em 2015, surgiram os problemas fiscais dentro do governo e o país sofreu muito com inflação, impactando muitos comércios, entre eles os estacionamentos — relembra a professora.
Raquel diz que a pandemia também impactou muito o segmento. Somente de 2020 para 2021, período em que foi adotado o isolamento social, Porto Alegre perdeu 251 garagens. Desde então, o número seguiu caindo gradativamente. De acordo com a professora, isso estaria relacionado à falta de interesse dos jovens em ter carro.
— Meu sonho com 18 anos era dirigir um carro. Hoje isso não existe mais. A maioria dos meus alunos não possui interesse em ter carro. É diferente das gerações passadas. Eles vão para festa com aplicativo, os pais até os encorajam a isso. É uma geração acostumada com internet, com aplicativos. Para eles é muito mais fácil pedir um Uber do que manter um carro.
Terrenos transformados em outros negócios
Além da Garagem Sender, que negociou parte de seu terreno com uma construtora, mais estacionamentos em Porto Alegre estão sendo transformados em outros tipos de empreendimentos. Esse movimento ocorre, na maioria das vezes, em bairros onde o metro quadrado está valorizado.
— É a forma como a cidade vai se moldando. Existem terrenos que o valor do metro quadrado é muito valorizado. Dificilmente tu vais viabilizar a operação só com estacionamento — aponta o presidente do Sindicato das Empresas de Garagens, Estacionamentos, Limpeza e Conservação de Veículos do Rio Grande do Sul (Sindepark-RS), Gabriel Loesch.
Na Rua da República, no bairro Cidade Baixa, e na Rua Felipe Camarão, no Bom Fim, construtoras estão finalizando as obras de prédios onde antes ficavam estacionamentos. O mesmo aconteceu recentemente em um terreno que antes tinha vagas para carros ao lado do Hospital Mãe de Deus, no bairro Menino Deus.
Esse movimento chegou também ao Centro Histórico, que passou a receber novos empreendimentos imobiliários. Na Rua Siqueira Campos, um edifício-garagem será demolido para dar lugar a um prédio de 98 metros de altura.
Na esquina das ruas Alberto Bins e Pinto Bandeira, um mercado 24 horas também será aberto em parte de um outro edifício-garagem.
Kleber Sobrinho, que atua com vendas no Centro Histórico, diz que há mais projetos imobiliários previstos para terrenos que hoje são estacionamentos nas ruas Duque de Caxias e João Manoel.
— Como o segundo carro de uma família hoje é o Uber, acaba que as garagens sofreram muito. No passado, o box de garagem era uma moeda de investimento. Eu já vendi muito box de garagem. Hoje, não é mais assim. Sequer tu consegues locar, tem que ficar pagando condomínio — diz Sobrinho.
Segmento que ainda vai bem
Apesar dos fechamentos registrados na última década, ainda há um segmento de garagens que segue prosperando na Capital. O presidente do Sindepark-RS, Gabriel Loesch, diz que a aposta do mercado agora é em estacionamentos junto a complexos comerciais ou hospitais, onde ainda há muita procura por motoristas.
— As garagens vêm se reinventando, mudando o perfil de usuário. As torres comerciais atraem grandes negócios e, por consequência, motoristas. Shoppings e hospitais ganham muito dinheiro com seus estacionamentos — afirma Loesch.
Contudo, lamenta que o mercado sofra com a informalidade.
— Muitos pegam um terreno e abrem um estacionamento. Sem alvará, sem cumprir regras de segurança. Isso prejudica o setor. Precisamos de uma fiscalização maior — pede o empresário.