Histórias DGente
Vidas em sala de aula: "A gente precisa ser forte", diz educador
Em alusão ao Dia do Professor, o DG conversou com dois docentes que tiveram suas trajetórias transformadas pelo ensino.

Na adolescência, Christian Mello, 34 anos, não tinha planos de seguir no caminho da docência. Morador de Alvorada, ele recebia o incentivo de professores e dos pais para continuar nos estudos. Sua mãe, empregada doméstica, parou de estudar na 4ª série, e seu pai, pedreiro da prefeitura, na 3ª.
– Minha mãe dizia: “A gente já te dá alimento, já consegue te manter, te sustentar. O que a gente sempre pede para ti e é que tu não deixes de estudar”. E foi o que eu fiz – lembra Christian.
Quando chegou ao Ensino Médio, ele começou a pensar sobre o futuro profissional. Em 2006, aconselhado por uma tia “emprestada”, ingressou no magistério da Escola Municipal 1º de Maio, em Porto Alegre. Diariamente, Christian acordava às 5h30min para pegar o ônibus que saía de Alvorada de hora em hora com destino à Capital, mesmo sem saber se aquela era a melhor ideia.
Dois aspectos da sua formação fizeram o jogo virar. Primeiro, o exemplo dos professores da escola, que revelaram a ele, aos poucos, a rotina da profissão. Depois, as práticas que passou a desenvolver em 2007, ainda no magistério, em uma turma de 2ª série (atual 1º ano).
Coube a ele elaborar o plano de ensino e auxiliar em um dos processos mais complexos da vida escolar: a alfabetização de crianças. Foi aí que ele se encantou.
E não deu outra: assim que se formou, entrou na faculdade de Pedagogia, mesmo tendo que se desdobrar em três para pagar a mensalidade: estudou conciliando estágio e um emprego como atendente de telemarketing. Saía de casa às 9h e voltava às 21h.
Desafios
Atualmente, já formado, Christian segue lecionando nos primeiros anos do Ensino Fundamental à tarde. Além disso, ele atua como coordenador pedagógico de uma escola de Ensino Médio, pela manhã, onde também coordena uma turma de Educação para Jovens e Adultos (EJA), à noite. Semelhante à época da faculdade, seu dia começa às 7h30min e termina às 22h20min. Ele aponta que a motivação para uma rotina tão intensa passa pela remuneração e pelo reconhecimento que recebe dos alunos.
Desde a formação, Christian sabia que a remuneração da profissão que escolheu não era das maiores. Já entrou sabendo que seu papel “não era simplesmente ganhar dinheiro”, mas atender a quem mais precisa.
Para ele, é nesse ponto que entram os desafios da profissão. Na EJA, segundo ele, os alunos enfrentam muitas dificuldades de aprendizagem decorrentes das responsabilidades da vida adulta.
– Há muitas questões envolvidas – diz Christian. – Por não ter estudado na época em que precisavam, eles não mostram suas dúvidas para que a gente sane. A rotina também é intensa: é trabalho, é família, é o vir estudar e a questão de ter algo para jantar.
Já nas turmas de Ensino Fundamental e Médio, ele comenta que o desafio está no relacionamento diário. Para ele, a impossibilidade de separar o vínculo de professor com o de ser humano cria nas turmas uma relação quase de família.
– Um dia, tu vais chegar na sala de aula e vais saber que o teu aluno está indo super bem no aprendizado e, em outro momento, tu podes descobrir que aquele aluno foi machucado de alguma forma. A gente precisa ser forte – afirma Christian.
Assim como seus professores foram parte essencial da sua busca por mudança de vida, ele segue com determinação para repetir esse efeito aos seus pupilos, que retribuem sempre que dizem frases do tipo: “Profe, tu consegues motivar a gente a querer mais e mais”.
Do hospital à faculdade
Augusto Guidoti, 31 anos, também tenta retribuir diariamente a transformação que a sala de aula trouxe a sua vida. Natural de Cachoeira do Sul, ele tinha o sonho de seguir na área da saúde após o Ensino Médio. Contudo, a falta de dinheiro e o serviço militar desviaram seu caminho do ingresso no Ensino Superior.

Cumprido o período no Exército, ele passou a atuar como auxiliar de limpeza no Hospital de Caridade e Beneficência da cidade, a meia quadra de casa. O trabalho no local permitiu que Augusto ingressasse em um curso técnico oferecido pela instituição. O curso, por sua vez, lhe garantiu uma bolsa integral para cursar Fisioterapia.
Augusto abraçou a oportunidade, mesmo tendo que conciliar o técnico, o trabalho e a faculdade. Mas isso não o desmotivou.
– Cresci com a minha família sempre sinalizando que eu podia perder tudo na vida, menos meu ensino.
Nessa rotina agitada, floresceu a semente da docência, plantada por seus professores do Ensino Médio: nos intervalos do trabalho, ajudava colegas que também estudavam.
Formado, ele decidiu tentar a vida na Porto Alegre, após o apoio de professores da faculdade na busca pelo mestrado. Hoje, ele é professor da Fadergs, na Capital, onde coordena o curso de Fisioterapia, cursa doutorado e, mais do que tudo, é testemunha diariamente do poder que a educação e os professores têm na vida de seus alunos.
– A gente tem um poder, enquanto professor, de formar não só a pessoa, mas o profissional, estimulando ou desestimulando, dependendo da nossa postura diante da sala de aula. Temos que motivar os alunos e mostrar a felicidade na profissão, ensinando a não desistir – diz ele.
*Produção: Breno Bauer