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Arte voltando para casa: festival feminino de hip-hop realiza revitalização no Quilombo dos Machados 

Ação levou cerca de cem grafiteiras e artistas para dentro da comunidade, transformando cerca de 900 m² de muros e fachadas

29/11/2025 - 10h00min


Diário Gaúcho
Diário Gaúcho

– É diferente quando a arte entra na realidade das pessoas – resume Verte, uma das idealizadoras do Festival VGP, referindo-se à importância do evento que o Quilombo dos Machado, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, recebeu no sábado passado (22). 

A atividade, proposta pelo projeto Ação Hip-Hop, levou cerca de cem grafiteiras e artistas do hip-hop para dentro da comunidade, transformando 900 m² de muros e fachadas, com o tema “Natureza, crise ambiental e reconstrução da terra”.

Além da revitalização, a programação, que começou cedo, contou com 11 atrações musicais entre DJs e MCs, oficinas e espaços infantis para animar as crianças com leitura, malabares e brincadeiras. 

Do lado de fora, o coletivo Patine Brisa também montou uma pista de patins e skate, com rampas e oficinas abertas para quem quisesse participar. Segundo a organização, mais de 500 pessoas circularam pelo local ao longo do dia.

Para o líder quilombola Luis Rogério Machado, também conhecido como Jamaica, essa ação foi importante para a retomada da identidade da comunidade: 

– O grafite em si foi muito fortalecedor para o renascimento comunitário. Os moradores estão muito felizes, pois esse trabalho é fortalecedor. Que seja o primeiro de muitos, não só no Quilombo dos Machado, mas em outros lugares que também merecem renascer. 

Alegria

Tamires da Silva Antunes, moradora do quilombo há 12 anos, conta que o movimento foi uma alegria para a comunidade: 

– Receber cada artista que se dedicou, que passou o dia conosco, que veio de manhã e ficou até a noite, que trouxe alegria, cores, que parou e escutou as demandas de cada morador, foi muito importante. 

Antes do evento, a equipe circulou pelo quilombo por duas semanas, preparando paredes, pintando fundos e conversando com os habitantes.

A produtora cultural e grafiteira Verte, uma das idealizadoras do projeto com Sandy Kyoko e Taina Moxa, conta que o impacto já era sentido antes mesmo do festival.

– A gente escutou muito que a vila está mais linda. Uma moradora me disse: “Agora não parece mais invasão, agora parece bairro”. É curioso, né? Porque a verdadeira invasão começou em 1500 – diz.

Acesso à cultura

Para a produtora, levar grafite para a periferia é devolver à comunidade algo que nasceu ali.

– Para mim, faz muito sentido a arte voltada para a população periférica, que geralmente são pessoas excluídas desse nicho da cultura. Não é caridade, é direito. O projeto foi feito com dinheiro público, que é dessas pessoas mesmo. Muita gente aqui, às vezes, não vai poder acessar museu ou galeria, seja por dinheiro, por tempo ou por criação. Então, faz toda diferença quando a arte chega aqui – relata.

O evento reuniu 57 artistas contratadas, todas mulheres ou pessoas trans, e recebeu outras dezenas que vieram por conta própria, formando um mutirão espalhado por todo o quilombo.

Mateus Bruxel/Agencia RBS
Evento reuniu 57 artistas contratadas, todas mulheres ou pessoas trans.

Casa reconstruída 

Uma das histórias que mais emocionaram a equipe foi a de uma casa destruída por um incêndio. Vizinhos se uniram, levantaram a estrutura e, na ação, quatro artistas grafitaram toda a fachada.

Sandy Kyoko, também produtora do festival, lembra a reação do dono da casa:

– Ver o olhar de um senhor que perdeu tudo, viu os vizinhos reconstruírem e agora via aquela casa brilhar de novo… Isso não tem preço. Muitos moradores vieram abraçar a gente chorando.

Para quem participou, um dos maiores diferenciais foi justamente o evento ter acontecido entre as casas, junto das famílias, e não em um espaço isolado.

– Em muitos eventos, o artista chega, pinta e vai embora. Aqui não: quem pintava conversava com o morador, ouvia histórias, entrava na vila. Isso muda tudo – diz Verte.

Enchente

Em maio de 2024, durante a enchente no RS, o Quilombo dos Machado virou ponto de apoio, servindo como espaço de coleta e distribuição para desabrigados do Sarandi, um dos bairros mais afetados pela tragédia climática.  

Para Sandy, o festival foi mais que um dia de arte: foi reparação simbólica para um território que, embora não tenha sido atingido diretamente pela água, se tornou parte fundamental de apoio.

– O quilombo resgatou muita gente. Agora, a gente pôde ajudar a resgatar um pouco da autoestima deles – afirma Sandy, emocionada, que completa: – Me senti no auge da minha evolução. Parecia um privilégio estar naquele tempo e espaço, vendo olhares brilhando, gente agradecida, crianças correndo entre as paredes coloridas.

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