Dia de Finados
"Até para morrer a gente gasta": o custo para se despedir de alguém querido em Porto Alegre
Velório tem custo médio de R$ 4 mil, segundo funerárias. Enterro em cemitério tem custo de locação ou compra do espaço e manutenção anual

Além da dor da perda, a morte de alguém querido tem outros contornos que podem representar dificuldades para quem fica: a despedida não é barata e pode ser burocrática.
Definições relativas à decoração durante a cerimônia e à escolha do caixão, se o ente será cremado ou sepultado — e se for esta a opção, se já há área — influenciam no preço e dão dimensão do contraste social até depois da morte.
Para muitos, não há possibilidade de escolha. Somente em Porto Alegre, a cada mês, cerca de 70 pessoas são enterradas pelo serviço social de gratuidade (saiba mais abaixo) porque os familiares não têm condições de arcar com o custo da despedida.
De acordo com a Associação das Empresas Funerárias de Porto Alegre (Aefpoa), os funerais partem de R$ 1.160,99, em cerimônias populares, a atos de alto padrão que chegam a ultrapassar R$ 50 mil. Os mais luxuosos podem incluir caixões conceituais, apresentações instrumentais e chuva de pétalas.
— É um serviço digno e hoje se tem opções para a realidade de todas as famílias: o gratuito, o mais simples e até aqueles que podem desembolsar um valor maior. Com investimento a partir de R$ 4 mil é possível contratar um serviço que contempla diferenciais de qualidade e itens para agregar valor à homenagem — observa o presidente da Aefpoa, Ary Bortolotto.
A associação conta com 23 funerárias na Capital.
Da gratuidade ao alto padrão
No ano 2000, a prefeitura de Porto Alegre regulamentou o Sistema Funerário Municipal. Como contrapartida, as empresas permissionárias ficaram responsáveis por manter a Central de Atendimento Funerário (CAF). Lá, é emitida a guia de autorização para sepultamento ou cremação na Capital ou translado do corpo para fora do município. Hoje, a CAF é gerida pela Associação das Empresas Funerárias de Porto Alegre (Aefpoa). Entre as atribuições da central, está a de providenciar o serviço gratuito para pessoas de baixa renda.
Outra determinação da prefeitura é o Serviço Funerário Padronizado, o qual estabelece preços mínimos tabelados a serem praticados pelas funerárias sendo atualizados anualmente pelo IPCA, o índice oficial de inflação calculado pelo IBGE.
Desde outubro de 2021, uma resolução municipal exige que o preço mínimo popular para o serviço seja R$ 1.160,99. Este custo dá o direito a um caixão de madeira ou de MDF, compatível com as medidas do corpo, com alças e materiais resistentes ao transporte, forrada, envernizada, além do encaminhamento do velório, enterro ou cremação. Já o preço para serviços de médio a alto padrão oferecidos pela funerárias atendem ao desejo e ao bolso de cada família.
Quanto custa um funeral

Valores não incluem sepultamento ou cremação
- Gratuidade - serviço sem custo disponibilizado pela Central de Atendimento Funerário
- Serviço Padronizado Municipal - a partir de R$ 1.160,99
- Popular - de R$ 4 mil a R$ 8 mil
- Médio padrão - R$ 10 mil
- Alto padrão - a partir de R$ 15 mil
Fonte: Associação das Empresas Funerárias de Porto Alegre (Aefpoa)
Quanto custa o enterro nos cemitérios

- Valor médio para arrendamento de jazigos ou gavetas por três anos – cerca de R$ 1,5 mil*
- Valor médio para compra de jazigos ou gavetas – R$ 11,5 mil*
- Valor médio da taxa semestral de manutenção – R$ 180
*Inclui o uso da capela e/ou sala velatória para o funeral
Fonte: Associação Sul-Brasileira de Cemitérios e Crematórios (Asbrace)
Quanto custa a cremação

- Valor médio - R$ 2 mil*
- Valor médio de urnas funerárias - R$ 800
*Somente o procedimento, não inclui outros serviços
Fonte: Associação Sul-Brasileira de Cemitérios e Crematórios (Asbrace)
Planos funerários
Os planos funerários dependem de cada empresa. Oferecem assistência funeral básica à completa. Alguns incluem seguro de vida, patrimonial e saúde. Há opções de acolhimento e orientação jurídica pós-luto para dependentes e até cobertura de funerais para pets. O valor médio varia entre R$ 50 e R$ 150 por mês.
Quem tem direito a gratuidade ou funeral social
O encaminhamento para velório e enterro gratuito se dá por meio do serviço social que funciona na CAF, de segunda-feira a domingo, das 8h ao meio-dia e das 13h às 16h30min. A sede fica na Rua Botafogo, 1.287, bairro Menino Deus.
Para ter direito ao auxílio, é necessário passar por uma entrevista com a assistente social. É preciso apresentar:
- Declaração de óbito
- Documento de identificação do falecido comprovante de que residia em Porto Alegre
- Documento de identificação e comprovante de renda de quem faz o encaminhamento
A concessão do auxílio é limitada a quem recebe até dois salários mínimos. Para mais informações, o telefone do serviço social é 51 3019-6090. Em Porto Alegre, a gratuidade permite funerais nos cemitérios Santa Casa e São João.
Em Porto Alegre
De 1º de janeiro a 30 de outubro de 2025
- Sepultamentos – 5.503
- Cremações – 2.860
"Até para morrer a gente gasta, e gasta muito"

Entre as centenas de corredores do Cemitério Santa Casa, no bairro Azenha, Marli Mello e André Guimarães trocaram cumprimentos sem nunca terem se visto. Eles compartilhavam um gesto em comum: o de levar flores a parentes mortos. Ela enterrou o marido há 50 anos, ele sepultou o pai há cinco.
Marli tinha 29 anos quando ficou viúva. Até hoje, o peso da perda é motivo para que ela evite falar sobre o que aconteceu. Ao longo dos anos, a hoje aposentada também sepultou o pai, a mãe e quatro irmãos. Discreta e resignada, vai ao cemitério homenagear seus entes nas datas de seus aniversários e na semana que antecede o Dia de Finados, celebrado neste domingo (2).
— Não nos preparamos para morte, e quando aconteceu comigo (morte do marido) eu não sabia o que fazer. Na época, nem se falava em planos funerais, nada. As coisas estão mudando e hoje é mais organizado, mas quem cuida dessas coisas são meus sobrinhos. Nunca me envolvi, só venho deixar meu carinho a eles — conta.

Uma experiência diferente foi vivida por André. O administrador de empresas de 58 anos tomou a frente diante do falecimento pai. Coube a ele e ao irmão providenciarem "a papelada" pós-óbito e demais trâmites.
— Até para morrer a gente gasta, e gasta muito. É um momento em que estamos tão fragilizados que nem sabemos por onde começar. No nosso caso, já tínhamos o jazigo da família, que foi uma coisa a menos para resolver, mas era meu pai que cuidava dessa parte, pagava as taxas mensalmente. De repente, nos vimos tendo de providenciar tudo — diz o administrador, que também faz questão de todos os anos homenagear os avós sepultados no mesmo cemitério.
O pai de André morreu em 2020. A família gastou cerca de R$ 4 mil para a despedida. Na manutenção de duas sepulturas, seguem pagando uma taxa anual ao cemitério de cerca de R$ 600.
A documentação após a morte
Declaração de óbito
- Em caso de falecimento na residência por causa natural, depois de diagnosticada a causa da morte por equipe médica, do Samu, por exemplo, é fornecida a declaração de óbito, estando a partir daí o corpo liberado para o serviço funerário.
- Se o falecimento acontecer em um estabelecimento de saúde, a própria unidade fornece a declaração. Se a morte for por causa não natural, como homicídio, acidente ou circunstância suspeita, essa declaração é fornecida pelo Departamento Médico-Legal (DML) após a necropsia.
- Se a opção for por cremação, a declaração de óbito tem de estar assinada por dois médicos ou um médico legista.
Registro de óbito
- Para o registro do óbito no cartório e emissão da certidão é preciso apresentar a declaração do óbito, o documento de identificação do falecido e o da pessoa responsável pelo encaminhamento. No momento do registro, são necessárias as seguintes informações sobre o morto: estado civil, nome completo do cônjuge, nome completo e idade do(s) filho(s), se possui bens imóveis, se deixou testamento, cemitério onde será sepultado ou crematório onde será cremado
- Autorizada a liberação do corpo para sepultamento, cremação ou translado a outro município, o velório pode ser realizado. A partir daí, os serviços que seguem dependem de cada família
Serviço humanizado

Há 50 anos no ramo funerário, Ary Bortolotto, 78 anos, se orgulha de participar de uma mudança de cultura entre empresa e cliente. O trabalho começou em Vacaria, na serra gaúcha, se estabeleceu na Capital e se expandiu para todo o Estado. O empresário defende que, embora as opções e preços dos serviços funerários sejam diversos, a atuação está cada vez mais profissional e focada em eternizar o legado de quem morre e confortar quem fica.
Bortolotto destaca que nem sempre está é uma tarefa simples e faz questão de mencionar um dos momentos mais difíceis da carreira. Ele fez a remoção dos corpos de 11 crianças que morreram em uma creche.
Além de estar presidindo a Associação das Empresas Funerárias de Porto Alegre (Aefpoa), Bortolotto tem o próprio empreendimento, no qual tem como premissa oferecer um serviço em que a sensibilidade com a pessoas é obrigação:
– Quando cheguei em Porto Alegre, em 1978, tinha vergonha do serviço. Pouco funcionava, as pessoas que perdiam familiares, principalmente as de municípios do interior, esperavam um tempo enorme, era um caos. Hoje nosso foco é o humanismo e a sensibilidade. Qualquer pessoa tem que receber o mesmo tratamento, não importa quanto vai pagar, se vai pagar.
O presidente ressalta que é preciso treinamento e doação constantes:
– Não é simples, mas nós, da empresa, precisamos atender e ir pra casa todos os dias com o sentimento de que fomos importantes, fomos úteis e humanos. Eu já vi tragédias, já vi de tudo, pobre, rico e quando alguém perde um ente querido, sai da sua condição normal.
408 funerárias no RS
Conforme o Sindicato dos Estabelecimentos Funerários do Rio Grande do Sul (Sesf-RS), o Estado tem 408 funerárias. O presidente do Sesf-RS acrescenta que os investimentos em infraestrutura e capacitação, o que não havia no passado, é constante, bem como a prestação do serviço com foco na homenagem a histórias de vida:
– A alcunha de papa-defuntos ficou para trás. Quebramos o estereótipo pelo comprometimento dos empresários. O serviço funerário é considerado essencial, e isso aumenta a nossa responsabilidade.
A Associação Sul-Brasileira de Cemitérios e Crematórios (Asbrace) informou que os locais têm passado por adequações ao longo dos últimos anos.
Em Porto Alegre, são 11 cemitérios associados, sendo dois com serviço de crematório.
– Podemos afirmar que a estrutura das necrópoles do Estado, em especial das particulares, vai ao encontro das necessidades de quem passa pela dor da perda e busca o que há de melhor para a despedida do ente querido – reitera o presidente da entidade, Gerci Perrone.
Os cemitérios administrados pela prefeitura são três: o Tristeza, o São João e o Belém Velho. O telefone para informações sobre valores e procedimentos é (51) 3289-8347.
Responsabilidades das funerárias
A realização de um funeral compreende três fases que dependem da categoria de serviço e possibilidade do contratante.
- Fornecimento de artefatos: inclui urna funerária e ornamentos como véu, velas ou lâmpadas incandescentes, material para assepsia do corpo e limpeza dos ambientes e EPI descartáveis
- Prestação de serviço funerário: inclui remoções necessárias do corpo, por via terrestre, para liberação e/ou apresentação na capela, procedimentos e manipulações necessárias a acomodação do corpo na urna e sua apresentação à família; expedição de documentos de competência da funerária; orientação técnica e operacional sobre os processos e ações necessárias para realização da liberação do corpo e seu sepultamento/cremação; serviço de limpeza e desinfecção dos ambientes
- Realização de cerimonial: organização e gerenciamento das homenagens póstumas, assistência às pessoas durante as homenagens; cortejo fúnebre do local do velório até o do sepultamento ou cremação (perímetro urbano); contratação, supervisão ou realização da celebração (atividade desenvolvida por um religioso ou cerimonialista); agendamento de horário e local para sepultamento ou cremação; acompanhamento e guarda do corpo até encerramento do funeral; suporte aos presentes; envio de anúncio, comunicado ou publicação na mídia a respeito do falecimento.