Bairro Arquipélago
Com famílias realocadas e dezenas de casas demolidas, ilha de Porto Alegre vive esvaziamento
Moradias estão sendo desfeitas porque ficavam em unidade de conservação, além do alto risco de enchente na área


Após décadas convivendo com enchentes que tomavam ruas e casas, famílias do bairro Arquipélago, em Porto Alegre, foram vencidas pela histórica cheia de 2024. É o que se observa ao circular por partes de algumas das ilhas que formam o bairro e testemunhar o fim de casas que, por gerações, foram chamadas de lar.
Balanço do Departamento Municipal de Habitação (Dehmab) aponta que 64 imóveis já foram demolidos na Ilha Mauá e outros 42 na Ilha da Pintada. Parte já havia sido posta abaixo pelas águas do Guaíba, no ano passado. Outras passaram a ser derrubadas pelo poder público, pelo menos desde outubro de 2024.
No esforço de retirar os moradores da área de risco, a prefeitura cadastrou 2.963 famílias para o programa Compra Assistida, do governo federal, das quais 1.360 assinaram contratos. Não há um balanço de quantas efetivamente pegaram as chaves das novas casas.
Com seis anos de trabalho social na Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, na Ilha da Pintada, o padre Rudimar Dal'Asta conhece como poucos a realidade das famílias da região. Para ele, o esvaziamento do bairro é uma realidade.
— Antes (da enchente) eram seis ou sete batizados por mês. Agora, principalmente de outubro (de 2024) para cá, é um batizado a cada dois meses — atesta o padre.
Quem ainda reside na área, se divide. Entre os mais antigos, após anos de uma história vivida às margens do Guaíba, a resistência é maior.
— Se for obrigado a sair, a gente vai para a Justiça lutar, nem que eu tenha que gastar meu último centavo de aposentadoria. É perigoso morar aqui? Aqui é o lugar mais bonito. Em Porto Alegre é mais perigoso ainda — afirma Vitor Ferreira Alves, 68 anos, que reside na Ilha Mauá com a irmã e a companheira.

Mas há quem, após anos de flagelo com enchentes, avalie que a tragédia de 2024 mandou um sinal definitivo. É o caso de Cida Lopes Marques, 65, que ainda mora na Ilha Mauá com o filho e aguarda ser chamada para o Compra Assistida. O objetivo, segundo ela, seria se mudar para outra casa numa parte mais segura do Arquipélago.
— Dá um aperto no coração. Onde vou ter um povo desse jeito, um vizinho para ajudar a gente? Tenho muitos vizinhos bons — afirma a moradora.
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura destaca, em nota (leia abaixo), que a área habitada na Ilha Mauá fica em unidades de conservação e, por isso, a remoção de famílias atende ação civil pública e é necessária para recuperação ambiental da área.
Nota da Secretaria Estadual do Meio Ambiente
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura apoia o planejamento para a remoção segura da população residente em áreas de risco na Ilha Mauá, inserida no Parque e Área de Proteção Ambiental Delta do Jacuí, duas Unidades de Conservação Estaduais.
A medida atende a uma ação civil pública de 2008 contra o Estado e a prefeitura de Porto Alegre. A realocação das famílias é responsabilidade municipal, e conta com o apoio da Defesa Civil e do Ministério Público.
A região apresenta alto risco de inundações, conforme laudos da Defesa Civil e estudos técnicos, evidenciado pelas enchentes de 2023 e 2024. Foram constatados comprometimentos estruturais de edificações irregulares, instabilidade do solo e risco grave à vida humana, reforçando a necessidade de medidas preventivas e corretivas.
Após a liberação da área, a Sema, dentro da sua estratégia de atuação, deverá realizar a recuperação ambiental da Ilha Mauá, garantindo a preservação do patrimônio público e da biodiversidade. Essas áreas possuem relevância ecológica para a manutenção da dinâmica hídrica, biodiversidade e qualidade ambiental da Região Metropolitana de Porto Alegre.