Santa Catarina
Entenda a polêmica envolvendo prefeito que anunciou controle de visitantes em Florianópolis
Prefeito Topázio Neto afirmou que mais de 500 pessoas foram "devolvidas" a cidades de origem; administração nega bloqueio e diz que ação ocorre há dois anos



O vídeo no qual o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), aparece falando em "controlar quem chega" à capital catarinense gerou repercussão nas redes sociais nesta semana. A prefeitura nega o bloqueio e afirma que o atendimento ocorre somente quando a própria pessoa procura o posto em busca de ajuda.
Na publicação, feita no último domingo (2), o chefe do Executivo aparece mostrando a instalação de um posto da Secretaria de Assistência Social na Rodoviária Rita Maria, no centro da cidade.
Topázio afirma que mais de 500 pessoas foram "devolvidas" às cidades de origem e que, caso alguém desembarque sem emprego ou moradia, a prefeitura "dá a passagem de volta".
O caso provocou reações de órgãos públicos. A Defensoria Pública de Santa Catarina (DPE-SC) instaurou um procedimento para apurar a medida, e o Ministério Público (MPSC) informou que acompanha a situação.
"Viola tanto o princípio da liberdade quanto o da igualdade", diz especialista
O doutor em Direito Constitucional Roberto Dias, advogado e professor da FGV Direito São Paulo, explica que a ação "fere a Constituição em vários pontos".
O primeiro seria o artigo que fala sobre a livre locomoção em território nacional durante tempos de paz. Em outro artigo, fica expresso que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Como explica o especialista, isso significa que o município não pode diferenciar quem mora em um lugar ou outro, se a pessoa é pobre ou rica, se tem emprego ou não, e se é jovem ou idosa, por exemplo.
Dias reforça que dois princípios fundamentais da Constituição são feridos: o da igualdade e o da liberdade.
— Fundamentalmente, o que o prefeito faz é violar tanto o princípio da liberdade quanto o princípio da igualdade, que são dois pilares da democracia brasileira. E quando ele diz que faz o atendimento da assistência social, que atende as questões de saúde daquela pessoa, ele não faz mais do que a obrigação dele, porque esse é um dever que a Constituição impõe aos municípios também — completa.
O especialista pontua também que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Assim como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação.
— Está lá na parte inaugural da Constituição, logo no artigo 3º, falando que isso é um dos objetivos fundamentais do Brasil. Então, ele tem a obrigação de atuar de modo a erradicar a pobreza, erradicar a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais. Ele tem a obrigação de promover o bem de todos, sem preconceito de origem — acrescenta Dias.
O que disse o prefeito
Topázio publicou dois vídeos sobre o assunto. No primeiro, afirmou que o objetivo do posto é "garantir o controle de quem chega" à cidade:
— Se chegou sem emprego e local para morar, a gente dá a passagem de volta — disse o prefeito.
Na mesma publicação, ele relatou o caso de um homem que teria sido enviado de outro município catarinense e "devolvido" após contato com a família.
— Mais de 500 pessoas já foram devolvidas pelo trabalho dessa equipe e devemos reforçar ainda mais no verão. Não podemos impedir ninguém de tentar uma vida melhor em Florianópolis, mas precisamos manter a ordem e as regras. Quem aqui desembarca deve respeitar as nossas regras e a nossa cultura. Simples assim — afirmou.
Em um segundo vídeo, divulgado na quarta-feira (5), Topázio manteve a posição e voltou a defender a medida:
— Algumas pessoas que desconhecem a realidade da cidade estão falando que vamos fazer controle migratório. O que a gente não quer é ser depósito de pessoas em situação de rua. Se alguma cidade mandar para cá, nós vamos impedir sim — disse.
E completou:
— Se a pessoa chega aqui sem saber onde vai dormir, sem qualquer plano de vida, é óbvio que foi despachada de algum lugar.
O que dizem a Defensoria e o Ministério Público
Em nota (leia a íntegra abaixo), a Defensoria Pública de Santa Catarina (DPE-SC) informou que abriu procedimento para apurar a medida e destacou que ninguém pode ser impedido de circular pelo território nacional por não ter emprego ou moradia.
A instituição afirmou ainda que a remoção ou transporte compulsório de pessoas em situação de rua é vedado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e só pode ocorrer com consentimento da pessoa envolvida.
A defensora pública Ana Paula Fão Fischer, coordenadora do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos, pontuou que o vídeo divulgado pela prefeitura "passa a ideia de que determinadas pessoas não são bem-vindas na cidade", o que, segundo ela, "pode representar uma violação ao direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pela Constituição".
Já o Ministério Público de Santa Catarina informou que o vídeo foi encaminhado às Promotorias de Justiça com atribuição na área da cidadania para ciência e adoção das providências que entenderem cabíveis.
O que diz a prefeitura de Florianópolis
Em nota (íntegra abaixo) enviada à Zero Hora, a prefeitura explicou que o posto de assistência social na rodoviária funciona há cerca de dois anos e que o objetivo é orientar e apoiar pessoas que chegam à cidade. O atendimento, segundo o município, ocorre apenas quando a própria pessoa procura o posto em busca de ajuda.
"O objetivo é oferecer apoio a quem precisa e identificar situações em que outros municípios enviam pessoas em situação de rua para Florianópolis de forma irregular", diz o texto.
A prefeitura informou também que o Benefício de Vulnerabilidade Temporária Transporte é concedido somente quando a pessoa manifesta o desejo de retornar à cidade de origem, após contato com familiares ou com a assistência social do município de destino.
Em alguns casos, a equipe identifica que pessoas foram enviadas por outros municípios para viver em situação de rua na capital catarinense. Nessas situações, a prefeitura entra em contato com o município de origem ou com familiares e organiza o retorno com acompanhamento social.
Veja as notas completas
Defensoria Pública de Santa Catarina
Defensoria Pública acompanha atuação da assistência social na rodoviária de Florianópolis
A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, por meio do Núcleo de Cidadania, Direitos Humanos e Ações Coletivas (NUCIDH), instaurou procedimento para apurar medidas que estariam impedindo o ingresso de pessoas em situação de vulnerabilidade em Florianópolis e determinando seu retorno às cidades de origem. A iniciativa ocorre diante da divulgação de que mais de 500 pessoas teriam sido “devolvidas” pela Prefeitura da capital.
Para a Defensoria Pública, é essencial que o poder público mantenha serviços socioassistenciais acessíveis e acolhedores para orientar e proteger quem chega ao município em busca de melhores condições de vida. Esses serviços devem existir para oferecer apoio e encaminhamentos adequados, garantindo que ninguém fique desamparado.
O que causa preocupação, no entanto, é o discurso e a forma de abordagem adotados, que passam a ideia de que determinadas pessoas não são bem-vindas na cidade ou estão sendo identificadas e “devolvidas” com base em critérios discriminatórios.
“O vídeo divulgado pela Prefeitura traz um discurso de estigmatização e exclusão, ao dar a entender que pessoas pobres não podem permanecer na cidade. Além de ferir a dignidade humana, isso pode representar uma violação ao direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pela Constituição”, destaca a defensora pública Ana Paula Fão Fischer, coordenadora do NUCIDH.
A Defensoria lembra ainda que não existe qualquer controle de fronteira entre municípios e que ninguém pode ser impedido de circular pelo território nacional por não ter emprego ou moradia. A remoção ou o transporte compulsório de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social é vedado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e por legislações municipais que regulamentam o benefício eventual de passagem - que só pode ser concedido quando há vontade expressa da pessoa em retornar e comprovação de vínculo familiar ou comunitário na cidade de destino.
Diante da gravidade dos fatos, a Defensoria Pública informa que irá acompanhar e apurar a situação, a fim de garantir que nenhum direito fundamental seja violado e que a atuação da assistência social em Florianópolis ocorra dentro dos princípios de dignidade, acolhimento e não discriminação que devem nortear as políticas públicas.
Ministério Público de Santa Catarina
O vídeo chegou ao conhecimento do Ministério Público de Santa Catarina e foi encaminhado às Promotorias de Justiça com atribuição na área da cidadania para ciência e adoção das providências que entenderem cabíveis.
Prefeitura de Florianópolis
O posto da Assistência Social na rodoviária de Florianópolis funciona há cerca de dois anos. A equipe permanece no local para orientar e apoiar pessoas que chegam à cidade. Não há abordagem de todos os passageiros, o atendimento é realizado apenas quando a própria pessoa procura o posto em busca de ajuda. A partir desse contato, são feitos os encaminhamentos necessários para a rede socioassistencial. O objetivo é oferecer apoio a quem precisa e identificar situações em que outros municípios enviam pessoas em situação de rua para Florianópolis de forma irregular.
O Benefício de Vulnerabilidade Temporária Transporte também já é oferecido para pessoas em vulnerabilidade que procuram a Assistência Social e manifestam o desejo de retornar a sua cidade de origem. A emissão da passagem ocorre somente após contato com familiares e/ou com a Assistência Social do município, garantindo que a pessoa tenha suporte ao chegar ao destino.
Em algumas situações, a Assistência Social identifica que a pessoa foi enviada por outro município para viver em situação de rua em Florianópolis. Quando isso acontece, a equipe entra em contato com o município de origem ou com familiares e organiza o retorno, sempre com acompanhamento da Assistência Social, considerando que, no local de origem, a pessoa já possui vínculo e atendimento.