Impactos no cotidiano
Fios emaranhados, obras e trânsito: como o ambiente urbano afeta a saúde dos moradores de Porto Alegre
Situações da vida em grandes cidades podem causar estresse, ansiedade e resultar em problemas cardíacos

Emaranhados de fios nos postes da Rua Ramiro Barcelos, em Porto Alegre. As barulhentas obras na Avenida Sertório. O trânsito lento, diariamente, para entrar ou sair da Capital nos horários de pico, e até a iluminação ao longo da Avenida Protásio Alves. Todos são fatores que têm impacto, mesmo que de maneira silenciosa – ou nem tanta –, na saúde física e mental de quem circula por Porto Alegre.
Mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor médico do Instituto Mente e Cérebro, o neurologista Diógenes Zãn explica que moradores das grandes cidades, como Porto Alegre, estão expostos a uma quantidade excessiva de informações e acontecimentos que afetam o lobo frontal do cérebro, conhecido como "a área da atenção". O ambiente mais clássico para essas situações, diz, é o trânsito:
— Muitos pacientes que realizam o exame de monitorização da pressão arterial mostram seu pico justamente quando estão dirigindo.
Zãn explica que o estresse dessas situações cotidianas libera cortisol e adrenalina no cérebro, sendo a porta de entrada para problemas como ansiedade. Além disso, afeta não apenas o cérebro, mas "se espalha pelo corpo inteiro, influenciando coração, vasos, sistema imunológico".
— Quando somos bombardeados o tempo todo por informações, estímulos e tarefas acumuladas, a mente fica em estado de alerta permanente. O resultado? Mais ansiedade, mais tensão, e um desgaste que repercute em toda a saúde — complementa o neurologista.
Pertencimento

De acordo com a doutora em psicologia ambiental Camila Bolzan de Campos, é importante as pessoas criarem relação de pertencimento com a cidade, porque isso também auxilia a manter o ambiente cuidado e ter uma sensação de bem-estar.
Por outro lado, quando não há esta relação, as pessoas podem desenvolver dois quadros: a fobia social e aversão ao espaço.
— Posso ficar recluso, ficar afastado, inclusive ter comportamentos de aversão a alguns espaços. Posso ter emoções que são evocadas em alguns espaço, de não querer retornar ou circular nestes espaços.
A psicóloga ambiental explica que este sentimento pode ser resultado de situações e estímulos como excesso de cores, luzes piscantes ou muito claras e até o trânsito.
Exposição continua
Em situações extremas, o quadro inicial de estresse pode evoluir para condições mais graves. Zãn alerta que a alteração na pressão arterial, que é um dos sintomas ligados ao estresse, por exemplo, pode aumentar os riscos de taquiarritmias e outros problemas cardiovasculares.
A poluição também é fator de risco, resultado dos veículos que circulam 24 horas por dia e das obras. O neurologista afirma que o problema aumenta as chances de um acidente vascular cerebral (AVC) e propicia o desenvolvimento de doenças pulmonares.
— Tudo isso vai afetar a nossa saúde — salienta.
E como a cidade impacta a saúde?
Da cor da luz dos postes ao trânsito, cada situação do cotidiano da vida urbana representa risco de uma maneira diferente ao nosso organismo.
Os prédios enormes, os fios emaranhados, por exemplo, embora pareçam inofensivos, causam poluição visual. Eles chamam a atenção e mesmo sem causar impacto imediato na saúde física ou mental, auxiliam a sobrecarregar o lobo frontal do cérebro em meio aos acontecimentos do cotidiano.
No caso das obras, o impacto é mais amplo. Além do estresse em razão dos barulhos ou obrigar alguém a desviar o caminho para casa ou para o trabalho, também libera poluição no ar.
Situação parecida com o trânsito que, além de poluir, causa estresse com o barulho e com o tradicional "arranca e para" de um congestionamento.
Problemas arquitetônicos e iluminação
O trânsito, as obras e a poluição sonora e visual se somam a problemas de planejamento. É o que explica sobre o modelo arquitetônico de Porto Alegre a professora e doutora Betina Tschiedel Martau, do Departamento de Arquitetura da UFRGS:
— É um modelo que não considera o ser humano e suas necessidades como ponto central.
Betina aponta problemas especialmente com a iluminação da Capital. Ela explica que há cada vez menos prédios com a acesso à luz natural na cidade e que a coloração das lâmpadas utilizadas nos postes não são adequadas:
— Podemos observar índices elevados de poluição luminosa, em sua maior parte proveniente da iluminação pública excessiva ou com equipamentos que permitem que a luz atinja as edificações, onde dormitórios muitas vezes são privados de escurecimento — diz.
Também professor e doutor do Departamento de Arquitetura da UFRGS, Roni Anzolch cita o excesso de iluminação em áreas centrais de Porto Alegre:
— À noite, por exemplo, a cidade fica mais quieta, porém a iluminação pública, tão necessária à segurança, pode ser um estorvo para quem precisa do escurecimento para dormir em áreas mais centrais da cidade — diz.
Para exemplificar, Betina cita áreas da Cidade Baixa e do Centro Histórico de Porto Alegre, onde os postes de luz são próximos às janelas de apartamentos residenciais. Segundo ela, a iluminação utilizada atualmente é com tons brancos e azulados, considerada desconfortável e nociva à saúde durante a noite em caso de "exposição prolongada".
Nesta linha, o neurologista Diógenes Zãn diz que a luz e sua coloração estão diretamente relacionados ao ciclo circadiano, considerado o "relógio biológico". Ele explica que corpo humano tem hora para acordar e dormir, que são definidos pela produção de melatonina na glândula pineal. A presença de luz inibe a produção de melatonina, enquanto ambientes escuros propiciam o processo:
— O que faz a glândula pineal liberar mais ou menos melatonina? A luz. Isso fica organizado no ambiente natural porque o sol vem, amanhece, e depois a gente sabe que ele se põe — observa.
Falta de verde

Outro ponto levantado por Betina é o avanço de áreas pavimentadas, com mais prédios e menos áreas de vegetação. A professora explica que isso resulta na absorção do calor pelas superfícies construídas, o que torna a cidade mais quente:
— Temos um parque linear na orla (do Guaíba) com um projeto fantástico, porém sem vegetação ou sombra — observa.
Além do calor, o avanço dos prédios deixa a cidade mais cinza. É neste ponto que Zãn explica como a percepção das cores pode impactar na saúde mental, destacando que estudos indicam que cores verdes e azuis têm uma "implicação direta em uma melhora na percepção de felicidade".
— Quanto mais estamos cercados de tons de verde e azul, o azul do céu e o verde da natureza, melhor tende a ser a nossa percepção de bem-estar e saúde mental. Em contrapartida, quando estamos em locais dominados por prédios, trânsito intenso e pouca presença de áreas verdes, diversos estudos mostram que isso impacta negativamente a saúde mental. Entre as razões estão o aumento do estresse, a sobrecarga de estímulos e a sensação constante de hiperacionamento, como se estivéssemos o tempo todo sob pressão.
Melhorias

Betina defende que o planejamento urbano precisa ser mais orientado por questões de saúde. Seu principal destaque é em relação a instalação de luminárias com coloração de temperatura "mais morna".
Roni Anzolch indica a necessidade de diminuir a poluição visual, com a redução de letreiros, totens de grandes proporções e cuidados com prédios e edifícios abandonados. Ele também defende a criação de mais áreas arborizadas, a proibição de estacionamento em áreas abertas e um novo pensamento para shoppings: lojas com portas para a rua.
Rômulo Giralt, professor doutor da UFRGS, pede uma revisão sobre os recuos de jardins, a fim de afastar edifícios da via pública:
— Nas áreas centrais, mesmo as edificações residenciais poderiam ter um térreo ativo, com recuo no alinhamento, o que traria mais vida a cidade, e consequentemente, mais segurança. Os recuos laterais também deveriam ser rediscutidos, já que são ineficientes na questão da insolação, principalmente no inverno, quando o sol é necessário — argumenta.
A psicóloga Camila Bolzan de Campos argumenta que a administração pública precisa adotar medidas para tornar os espaços mais inclusivos e atender as especificidades, de maneira que o ambiente se torne confortável para todos. Procurada pela reportagem, a prefeitura de Porto Alegre não se retornou os questionamentos.
*Produção: Lucas de Oliveira