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Bairro Bom Jesus

"Nós dependemos e vivemos do lixo": conheça a recicladora que ensina a separar os resíduos

Nas redes sociais do Centro de Educação Ambiental (CEA), Sirlei Batista de Souza orienta a população a fazer a separação dos recicláveis

04/11/2025 - 09h34min


André Malinoski
André Malinoski
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Duda Fortes/Agencia RBS
Recicladora Sirlei Batista de Souza coordena o local.

A recicladora Sirlei Batista de Souza, 50 anos, tem chamado a atenção nas redes sociais do Centro de Educação Ambiental (CEA) da Vila Pinto, no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre. As suas postagens dentro do galpão de triagem são diretas e auxiliam os seguidores a dar o destino correto para as embalagens dos produtos.

Natural de Santo Ângelo, nas Missões, Sirlei mora na Capital desde 1997 e trabalha com reciclagem há 25 anos. Coordenadora do CEA, a profissional conta que conseguiu criar os cinco filhos com o dinheiro tirado da venda de materiais recicláveis. 

Determinação não falta para essa mulher de rosto com traços indígenas formada em Gestão Ambiental. Ela ainda cursa o terceiro semestre de Sociologia na Uniasselvi. Trata-se da realização de seu sonho, pois, para o futuro, ela planeja ser educadora no Educação de Jovens e Adultos (EJA).

— O trabalho do catador é uma coisa primordial. Eu sempre falo que é a primeira coisa a ser pensada. Se tu tem uma cidade no que vai pensar? No lixo. Tem que ter um destino correto para isso. A importância do nosso trabalho é cuidar do meio ambiente e deixar um mundo melhor para os que vierem depois de nós. Essa é a coisa mais importante. Se cada um fizer a sua parte, as coisas vão começar a melhorar — reflete Sirlei.

No Centro de Educação Ambiental (CEA) da Vila Pinto, 35 mulheres trabalham no formato de associação cooperativada das segundas-feiras aos sábados. São 35 tipos diferentes de materiais processados na triagem. O lucro é dividido em partes iguais. 

A gente gostaria muito que as pessoas fizessem uma coisa simples: separassem o lixo orgânico do seco.

SIRLEI BATISTA DE SOUZA

Recicladora

As trabalhadoras tiram o sustento de suas famílias do que chega em sacos e sacolas plásticas trazidos por caminhões dos bairros da Capital. Cerca de 40 toneladas de material manuseado pelas cooperativadas pode ser encaminhado por mês para reciclagem de indústrias.

— A minha percepção é que Porto Alegre precisa muito, e para ontem, de educação ambiental. As pessoas ainda fazem misturas de materiais que não é legal.  Não conhecem um galpão de reciclagem. Aqui, eu dependo do que tu produz para nós todos os dias. O que tu manda para nós é a nossa dignidade e o nosso salário. A gente gostaria muito que as pessoas fizessem uma coisa simples: separassem o lixo orgânico do seco — relata.

As recicladoras já encontraram coisas inesperadas. A mais surpreendente, segundo Sirlei, foi um gato morto. Porém, tem um objeto que se repete na rotina de abrir os sacos para conferir o que pode ou não ser aproveitado. E esse item, além de ser orgânico, contamina todas as embalagens.

— O que a gente encontra todos os dias é papel higiênico misturado com lixo seco. Já fizemos um vídeo sobre isso. É um absurdo tu mandar papel higiênico sujo para os catadores fazerem a separação — reclama.

Orgulhosa, Sirlei apresenta as duas filhas que também trabalham no espaço — Ângela de Souza Pereira, 28, que fica no setor administrativo, e a coordenadora operacional Ketlyn de Souza Pereira, 24.

— As pessoas não fazem as coisas porque não querem. Precisa ter vontade. É a vontade que nos guia todos os dias. Trabalhar na reciclagem é como dizer assim: "Você está no lugar certo com as pessoas certas" — pondera sobre sua vocação profissional. 

Antes de terminar a entrevista, a recicladora tem uma mensagem para a população:

Nós dependemos e vivemos do lixo. Para quem não conhece uma unidade de triagem deveria conhecer. Ali eles vão ver as vivências do dia a dia das pessoas que vivem do lixo. Onde ganham o seu salário, sustentam seus filhos e têm o dinheiro para sobreviver. Nós dependemos da separação correta da casa deles.

Ajuda para os vídeos

Incubada no Tecnopuc, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a Green Thinking – startup de educação ambiental – trabalha em parceria com o CEA da Vila Pinto.

— Dentro do CEA temos o Centro de Triagem da Vila Pinto (CTVP), que presta o serviço de separação dos resíduos para a prefeitura de Porto Alegre. E aqui temos a parceria de desenvolver conteúdos de educação ambiental já há algum tempo — contextualiza o educador ambiental da empresa Green Thinking, Lucas Fontes. 

Nessas interações, a startup começou a desenvolver roteiros de vídeos com a recicladora. O formato engloba uma mensagem direta de um minuto a um minuto e meio. São duas postagens por semana com recomendações em relação ao destino correto do lixo.

— A Sirlei não foi treinada. É uma pessoa que buscou se qualificar no que faz. Ela sempre fala que está aqui reciclando vidas. Tem essa habilidade de oratória bem desenvolvida. O que fizemos com os conteúdos foi potencializar o talento dela — explica Lucas Fontes.

"Consumo consciente" 

A assessora de Divisão do Destino Final do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), Fabiana de Araújo Ribeiro, destaca a importância de o consumidor exercer o chamado "consumo consciente" na hora de adquirir os produtos no supermercado. Ou seja, a pessoa precisa se informar se a embalagem do item tem como ser reaproveitada após o descarte.

— Algumas embalagens, que são os plásticos estalantes, ou aquelas que contém dois tipos de plástico junto em sua composição, não têm comprador. Não tem reciclador aqui — esclarece.

Segundo o DMLU, neste ano, houve incremento orçamentário de R$ 3,2 milhões nos contratos firmados com as unidades de triagem. Os vínculos garantem recursos para cobrir custos operacionais. Por sua vez, a renda dos trabalhadores ocorre por meio da separação e comercialização dos resíduos recebidos via Coleta Seletiva.

A prefeitura afirma que, diariamente, são recolhidas nas residências cerca de 1.240 toneladas de resíduos em Porto Alegre. Desse total, 73,6 toneladas são de recicláveis vindos pela coleta seletiva. O restante é composto por resíduos orgânicos e rejeito da coleta domiciliar. Conforme o município, aproximadamente, 471 toneladas de materiais mistos, que poderiam ser reciclados, são descartados indevidamente por dia na Capital. 



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