Capital resiliente
Obras para proteger Porto Alegre de cheias avançam, mas ainda há pontos vulneráveis; veja o andamento dos projetos
Correção de falhas segue em execução em três eixos fundamentais de drenagem e contenção de enchentes: comportas, casas de bombas e diques


Um ano e meio após a pior enchente da história de Porto Alegre, as correções previstas para o sistema de proteção contra cheias apresentam avanços parciais. Metade das comportas foi fechada em definitivo ou consertada, a maior parte das casas de bombas recebeu ajustes emergenciais enquanto aguarda reformas mais amplas, e a recuperação dos diques avançou mais 300 metros nos últimos meses — mas, agora, depende da realocação de mil famílias para seguir adiante ou de uma mudança de projeto para que isso não seja necessário.
A avaliação do hidrólogo Fernando Fan, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é de que as melhorias recentes são positivas, mas a cidade ainda apresenta vulnerabilidades diante de uma eventual cheia equivalente à de 2024, principalmente na Zona Norte.
— De uma forma geral, as melhorias que estão sendo feitas são boas notícias. O tempo para a realização, ainda mais por serem obras públicas que dependem de licitação, é este mesmo, superior a um ano. Lembrando que, antes da construção de fato, são necessários os projetos de engenharia que dependem de cálculos e do levantamento de dados de campo — analisa Fan.
Em resumo (veja relatório detalhado ao final do texto), sete das 14 comportas foram recuperadas ou desativadas, a maioria das 23 casas de bomba recebeu geradores de energia, três ganharam proteção contra refluxo da água do Guaíba, e lotes do sistema estão em fase de licitação para reformas mais profundas. Quanto aos diques, as obras avançaram mais 300 metros junto ao Arroio Sarandi, somando 1,4 quilômetro recomposto de um total de 3,5 quilômetros.
Fernando Fan lembra que ainda há pontos sem proteção ao longo da linha de diques — principalmente em duas áreas no espaço da freeway:
— Nos diques, alguns pontos ainda estão pendentes. Em especial, é relevante saber como fica a questão da passagem que atravessa o dique na Rua Ernesto Neugebauer e também o quanto o sistema está comprometido no cruzamento com a Assis Brasil (onde o dique representado pelo leito da freeway é interrompido). Se as águas subirem na mesma ordem de 2024, ali são pontos por onde a água pode entrar. A região norte da cidade, como um todo, ainda tem fragilidades a serem observadas e sanadas.
O diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Vicente Perrone, afirma que o progresso realizado até o momento é significativo:
— Estou muito satisfeito com o andar do processo, tanto de licitação, de planejamento e de monitoramento de todas essas obras. São obras complexas, e às vezes a gente não tem noção dessa complexidade.
Perrone afirma que a regularização das comportas está "bem encaminhada" e deverá ser finalizada até o começo do ano que vem. Em relação às casas de bombas, as melhorias em um primeiro lote de quatro estações sofreram atraso por conta de uma discussão judicial envolvendo o cancelamento da primeira concorrência — repetida nesta segunda-feira (24). Outras quatro licitações ainda serão realizadas, envolvendo 18 das 23 casas de bombas que necessitam de aprimoramento.
Solução para os diques ainda está sob discussão
A situação dos diques é mais complexa. A obra de correção e elevação da barreira a uma cota de pelo menos 5,8 metros avançou até onde é possível, e dependeria agora da remoção de 500 famílias junto ao dique do Sarandi e outras 500 junto ao Arroio Areia. Vicente Perrone afirma que está em discussão uma saída alternativa.
— Estamos pleiteando junto ao Estado, ao Ministério das Cidades (...), mudar a concepção dos pôlderes (áreas protegidas) 7 e 8, que envolvem o aeroporto (...). Isso envolveria a construção de um novo dique, fechando aberturas sob a freeway, com novas casas de bombas, e que permitiria transformar os diques (do Sarandi e do Areia) em diques de drenagem, para conter água da chuva, em vez de diques de proteção de cheia. Assim, não haveria a necessidade de remover essas mil famílias por conta das obras de contenção — afirma Perrone.
No caso dos pontos vulneráveis junto à Assis Brasil e à Ernesto Neugebauer, o Dmae informa que as soluções ainda estão sendo detalhadas. No caso da Assis Brasil, envolveria a construção de um novo dique. Em relação ao outro ponto, a solução de engenharia ainda está sob análise.
O diretor-geral do Dmae afirma que o conjunto de todas as melhorias previstas envolve 50 projetos, que se subdividem em cerca de 200 obras avaliadas em cerca de R$ 3,2 bilhões. A intenção da prefeitura é executar cerca de R$ 2 bilhões até o final do mandato da atual gestão, em 2028. A expectativa de conclusão de todo o processo de recuperação e modernização do sistema anticheias da Capital, porém, é para cinco anos.
Radiografia das obras
Veja um resumo do que já foi feito e do que falta realizar em alguns dos equipamentos mais importantes de proteção contra enchentes da Capital.
Recuperação e melhoria dos diques
- Dique da Fiergs
Obra concluída. Foi reforçado e elevado à cota de 5,8 metros (marca da cheia de 2024) em julho.
- Dique do Sarandi
Trecho 1 - Concluído. Com 1,1 quilômetro de extensão, entre a freeway e o começo da Vila Nova Brasília, foi reconstruído e entregue em janeiro deste ano. A estrutura foi refeita com diferentes técnicas construtivas e também teve sua cota elevada para 5,8 metros.
Trecho 2 - Em andamento. A reconstrução do trecho de 300 metros, entre o começo da Vila Nova Brasília e o ponto que rompeu durante a cheia, começou apenas no dia 27 de junho por conta de uma decisão judicial. A previsão da prefeitura é de que o trabalho seja concluído "nas próximas semanas".
Trecho 3 - Parado. O início das obras em mais 2,1 quilômetros depende do acolhimento de centenas de famílias que vivem irregularmente na área. Ainda não há previsão exata para o começo dos trabalhos. Também é possível que uma revisão do projeto torne desnecessário o deslocamento dos moradores.
Qualificação das casas de bombas
- Chaminés e tampas
Três das 23 Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (Ebaps) passaram por obras destinadas a aumentar a resiliência contra cheias. As Ebaps 17 e 18 (Centro) receberam "chaminés de equilíbrio" - estruturas que impedem o avanço do Guaíba pelos poços. A Ebap 13 (Menino Deus) recebeu tampas herméticas sobre os poços com o mesmo objetivo de ampliar a segurança operacional em caso de enchente.
- Painéis, geradores e motores
Em licitação. As obras que incluem elevação de painéis eletromecânicos, instalação de geradores e substituição de motores começaram por quatro Ebaps (5, 6, 8 e 10, na Zona Norte). A concorrência pública que definirá a empresa responsável (com valor estimado em R$ 50,3 milhões) ocorrerá na segunda-feira (24). O processo se repetirá em 11 de dezembro para as Ebaps 12, 17, 18 e 20 (Sarandi, Centro e Menino Deus, com contrato estimado em R$ 51,1 milhões). Um terceiro lote está previsto para ser licitado até o fim do ano. Dois restantes devem sair no ano que vem. As obras devem ser iniciadas em 2026.
- Geradores de energia
Atualmente, 17 Ebaps contam com geradores para garantir a drenagem em caso de falta de energia na rede geral. Ao todo, 31 equipamentos foram contratados pelo Dmae para atender essas unidades. A instalação dos quadros de transferência automática (QTAs), iniciada em janeiro, foi concluída em março. Com isso, os geradores passam a operar automaticamente em caso de oscilação no fornecimento da concessionária, e são desligados assim que a energia retorna. Cerca de R$ 7 milhões foram investidos em geradores e automação.
- Linhas exclusivas
Contrato assinado. Em 7 de novembro, foi firmado o acordo entre a prefeitura e a CEEE Equatorial para a instalação de linhas exclusivas de energia destinadas aos serviços de saneamento. Das 23 casas de bombas, 22 receberão o novo sistema para garantir a continuidade do serviço mesmo sob episódios extremos. O investimento será de R$ 18 milhões, com execução das obras em 12 meses.
Comportas
- No Muro da Mauá
Trabalho concluído. As passagens 1, 2, 4 e 6 foram reformadas e permanecem móveis. Os portões 3, 5 e 7 foram desativados e substituídos por estruturas de concreto armado que impedem a entrada da água.
- Outras comportas
Fechamento definitivo - Obras em andamento. Os portões 8, 9, 10, 13 e 14, entre a zona central e o norte da Capital, serão fechados em definitivo por meio de investimento de R$ 3,5 milhões. Previsão de término do trabalho até o final deste ano.
Substituição - Em andamento. As comportas 11 e 12 serão substituídas. As novas estruturas, projetadas especificamente para as condições da região, estão em fabricação. O investimento é de R$ 8,2 milhões, e a conclusão das melhorias está prevista para até o fim do primeiro trimestre de 2026.