Infraestrutura
RS desperdiça 40% da água tratada e segue longe da meta do Marco Legal do Saneamento
Relatório do Instituto Trata Brasil aponta também que apenas um a cada quatro gaúchos possuem acesso a esgoto tratado; principais indicadores não avançaram nos últimos anos


O Rio Grande do Sul desperdiça 40,14% da água tratada antes de chegar aos consumidores. Enquanto isso, quase 1,5 milhão de gaúchos não têm acesso a água. É o que aponta o relatório mais recente do Instituto Trata Brasil (ITB), divulgado na segunda-feira (24). O estudo usa os últimos indicadores do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), do Ministério das Cidades, coletados em 2023.
Em 2021, uma portaria do governo federal definiu em 25% o limite ideal para desperdícios. Conforme o ITB, o Estado não avançou nesse índice nos últimos 15 anos.
— Em Caxias do Sul, por exemplo, de cada cem litros que eles tratam, 53 não chega até o consumidor. Em Porto Alegre, o valor cai para 28 litros. Mas, em algumas cidades e países desenvolvidos, são 5 litros — afirma o engenheiro químico Marçal Pires, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Por que ocorre desperdício?
A porcentagem de perdas no território gaúcho é equivalente à nacional: o Brasil desperdiça 40,31% da água tratada nas redes antes mesmo de chegar às torneiras. O volume poderia abastecer cerca de 50 milhões de brasileiros em um ano.
Os desperdícios podem ocorrer por vazamentos, erros de medição e consumos não autorizados. Evitar que a água tratada seja desaproveitada auxilia a diminuir a demanda de água retirada de rios em meio às mudanças climáticas e crises hídricas.
O estudo ainda aponta que somente 13 dos cem municípios mais populosos do país estão dentro do teto de desperdício de água estabelecido. Entre as capitais, Goiânia é a mais eficiente, com cerca de 12% de perda.
Na divulgação do estudo, o Trata Brasil apontou que a gestão eficiente é fundamental para garantir maior disponibilidade de água potável para a população "sem a necessidade de expandir a captação, evitando a pressão sobre mananciais e mitigando os efeitos das mudanças climáticas na oferta hídrica".
Investimentos são desafio
Há cinco anos, o Novo Marco Legal do Saneamento foi promulgado para aumentar o acesso a água potável, coleta e tratamento de esgoto. Um dos pilares do projeto é atrair capital para investimentos, já que a universalização do alcance dos serviços esbarra na falta de aportes.
Segundo o relatório do Instituto Brasil, em cinco anos, os processos licitatórios e de concessão avançaram, chegando a um investimento de mais de R$ 370 bilhões no período.
O Rio Grande do Sul está entre os nove Estados que concederam os serviços das companhias de abastecimento à iniciativa privada. Em 2022, o Consórcio Aegea adquiriu a Corsan, com plano de investimento de R$ 15 bilhões para atingir as metas do Marco Legal em 2033.
— Temos redes muito antigas nas cidades. Essas perdas significam água potável que poderia estar abastecendo alguém e se perdeu pelo caminho. Isso é manutenção de rede, troca de tubulações, de bombas. Tudo isso são investimentos pesados que você só consegue ter retorno no longo prazo — afirma o presidente do Instituto Aegea, Édison Carlos.
O papel de cada um
A área de concessão da Corsan Aegea abrange 317 municípios gaúchos. Para os não atendidos, o governo do Estado está preparando a estruturação da concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
A Secretaria da Reconstrução Gaúcha destaca que "iniciou um projeto para apoiar os municípios não atendidos pela Corsan. O projeto está em fase inicial de estruturação. Primeiro será feito um diagnóstico dos investimentos necessários e na sequencia, serão apresentadas soluções. A previsão de apresentação do projeto para a sociedade é no 1º semestre do ano que vem"
A supervisão do cumprimento das metas de saneamento no Estado é realizada pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs). Conforme a instituição, procedimentos regulatórios são adotados para incentivar as concessionárias a reduzir as perdas, inclusive com metas estabelecidas nos contratos de concessão.
Em nota, a Agergs informa também que fiscaliza as redes em campo para evitar que pressões elevadas provoquem vazamentos.
Na última segunda (24), a Agergs também assinou um contrato para começar a regular os serviços de água e esgoto na Capital. A prefeitura sancionou neste mês a lei que autoriza a concessão parcial do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). A estratégia é a mesma reportada pelo relatório: buscar em uma empresa privada os investimentos necessários para acelerar as obras necessárias.
— Esgotamento sanitário é uma política pública extremamente trabalhosa que exige muito investimento, muito trabalho de rua e os prazos são relativamente curtos — afirma o Secretário Extraordinário de Parcerias do Saneamento, Bruno Vanuzzi.
Longo caminho à frente
O último dado do Sinisa divulgado pelo Trata Brasil aponta que o Rio Grande do Sul investe, em média, cerca de R$ 131 em saneamento básico por habitante anualmente. O valor está acima da média nacional, que é de R$ 126. O Plano Nacional de Saneamento Básico estima R$ 223,82 como aporte necessário per capita para alcançar a universalização.
— Ainda tem um longo caminho pela frente quando a gente pensa em universalização, mas esse investimento (de R$ 223,82 por pessoa) proporcionaria um benefício enorme para a população do Rio Grande do Sul. Um estudo do Trata Brasil apontou que o ganho líquido para a população seria de R$ 34,3 bilhões. O acesso pleno ao saneamento básico leva à despoluição dos rios e mares, traz maior qualidade de vida para a população e, consequentemente, uma melhor saúde, produtividade e um futuro mais promissor — analisa a presidente-executiva do ITB, Luana Pretto.
Apenas 25% dos gaúchos têm esgoto tratado

O relatório deste ano do Instituto Brasil também aponta que somente um quarto da população do Rio Grande do Sul tem acesso a esgoto tratado. O número deixa o Estado na 20ª posição no ranking de tratamento de esgoto, sem avanço nos últimos anos: a cobertura estava em 25,22% em 2023, contra 25,87% em 2019.
Quando considerada a porcentagem da coleta de esgoto, o Rio Grande do Sul sobe para 13º, mas com evolução ainda tímida, tendo ido de 32,29%, em 2019, para 39,05%, em 2023. Isso significa que 60% da população gaúcha não tem coleta de esgoto. Édison Carlos, do Instituto Aegea, avalia:
— Nos nossos indicadores internos, avançamos já quase 10 pontos percentuais em coleta de esgoto (desde que a Aegea assumiu a concessão, em 2022). Mas isso vai começar a aparecer talvez no ano que vem nos dados nacionais, porque estão defasados em dois anos. Se a gente olhar historicamente, nunca se fez aqui em tão pouco tempo R$ 4 bilhões de investimento em água e esgoto nessas 317 cidades (sob concessão da empresa).
Previsão nos planos diretores
Já o alcance do abastecimento de água potável no Estado é maior: em 2023, cerca de 86% das famílias contavam com o serviço nas torneiras de casa, garantindo o 9º lugar no ranking nacional. A abrangência, entretanto, é a mesma de 2019, também sem evolução. Marçal Pires, da PUCRS, afirma:
— O primeiro aspecto é o investimento, mas me parece também que há necessidade de que essas infraestruturas, a coleta e o tratamento estejam muito bem previstos nos planos diretores dos municípios, inclusive com a questão do crescimento.
A partir dos dados do Sinisa, o Trata Brasil elabora o Ranking do Saneamento, classificando os cem municípios mais populosos do país. Na edição deste ano, Porto Alegre aparece na 49ª posição, uma queda de cinco lugares em relação a 2024. Outras cidades gaúchas aparecem na lista: Caxias do Sul (51º), Canoas (67º) e Pelotas (78º). Canoas e Caxias do Sul foram destacados entre os municípios com maior variação positiva entre o levantamento de 2025 e do ano anterior, pulando 12 e 11 posições, respectivamente.
Saneamento reverte em economia na saúde
Uma projeção da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que a cada R$ 1 investido em saneamento básico, há um potencial de economia de R$ 4 em saúde. Isso porque doenças como leptospirose, diarreia, hepatite, micoses e dengue podem ser causadas a partir da contaminação da água e do contato com esgoto não tratado.
Um estudo publicado também neste ano pelo Instituto Trata Brasil aponta que o Rio Grande do Sul gastou cerca de R$ 6 milhões de reais em 2024 com internações por doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado. Cada hospitalização custou, em média, R$ 500 aos cofres públicos. Foram mais de 12 mil casos de pacientes que precisaram buscar esse atendimento. Crianças e idosos estão entre os públicos mais vulneráveis, sendo que 149 pessoas morreram em decorrência de doenças de veiculação hídrica em 2023.