Mês de conscientização
Ultraprocessados, sedentarismo e depressão: o que aumenta o risco de diabetes no Brasil segundo 17 anos de estudo
Pesquisa aponta medidas simples que melhoram a qualidade de vida de quem tem a doença e que podem inclusive preveni-la


Intervenções simples, como manter uma alimentação equilibrada e praticar atividade física, seguem sendo a estratégia mais eficaz para prevenir o diabetes tipo 2 e suas complicações. É o que aponta um novo boletim do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), que reúne evidências produzidas ao longo de 17 anos de acompanhamento de mais de 15 mil participantes.
Lançada neste Mês de Conscientização sobre o Diabetes, a publicação detalha o impacto do consumo de ultraprocessados, de carne vermelha e do sedentarismo, que aumentam o risco da doença, além de destacar fatores como a maior probabilidade de depressão em mulheres com diabetes (e vice-versa). O documento, que reforça a centralidade da prevenção, aponta que mudanças nos exames diagnósticos podem aprimorar a detecção precoce.
— Dá para prevenir diabetes, e se a pessoa já tem pré-diabetes, pode não apenas prevenir, mas reverter e ir para a normalidade — salienta Maria Inês Schmidt, médica endocrinologista, coordenadora do ELSA-Brasil no Rio Grande do Sul e professora do programa de pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Conforme a Federação Internacional de Diabetes (IDF), 589 milhões de adultos convivem com a doença no mundo — número que pode chegar a 853 milhões até 2050. No Brasil, sete em cada 10 pessoas com diabetes estão em idade ativa.
A importância do estudo
O ELSA-Brasil é um dos maiores estudos longitudinais sobre saúde do adulto na América Latina. Criado em 2008, acompanha servidores públicos de seis instituições: UFRGS, USP, UFBA, UFMG, UERJ e UFES. Os objetivos incluem investigar determinantes do diabetes, doenças cardiovasculares, saúde mental e envelhecimento.
Os dados do estudo permitem entender a carga do diabetes tipo 2 na população brasileira e identificar fatores de risco, complicações, impactos no bem-estar e oportunidades de prevenção e controle.
Conforme Maria Inês, artigos que indicam os fatores de risco para desenvolvimento de diabetes com dados dos brasileiros são pouco comuns, e os resultados representam, de fato, o perfil de risco da população.
O principal: alimentação e exercício

Em linha com evidências já bem estabelecidas, alimentação e estilo de vida influenciam o risco de desenvolver diabetes. Por isso, as medidas mais eficazes de prevenção são manter uma alimentação saudável e praticar atividade física. Dois pontos se destacam nos estudos:
- O consumo elevado de ultraprocessados aumenta em 24% o risco de diabetes. Produtos como embutidos, salsichas e bebidas açucaradas são os maiores impulsionadores do risco
- O alto consumo de carne vermelha aumenta em 40% a chance de novos casos de diabetes em homens
- Um alto índice alimentar inflamatório (grande consumo de carnes processadas, carne vermelha, carne de porco e bebidas adoçadas) aumenta em 26% o risco de diabetes
Em relação ao exercício físico, o sedentarismo está associado a uma maior prevalência de pré-diabetes e diabetes. Por outro lado, praticar 150 minutos semanais de atividade física está associado a uma menor prevalência, além de proteger contra o declínio cognitivo — preocupação crescente em meio ao envelhecimento populacional — relacionado ao diabetes nos pacientes diagnosticados.
Os estudos mostram que o diabetes tipo 2 eleva o risco de dinapenia (perda de força muscular) e sarcopenia (perda de massa, força e função muscular).
— Isso vale também para quem já tem diabetes: alimentação e atividade física são fundamentais — reforça Maria Inês.
Depressão em mulheres com diabetes

As descobertas ressaltam, ainda, que os impactos vão além do controle da glicemia. Dados da IDF mostram que três em cada quatro pessoas com diabetes podem apresentar ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental.
Um estudo conduzido pelo ELSA-Brasil mostrou que mulheres com diabetes apresentam risco 54% maior de desenvolver episódios depressivos. Trata-se de uma relação bidirecional: a depressão também é um fator de risco para o desencadeamento de diabetes.
— Os ultraprocessados contribuem nesse processo. Ter alimentação saudável é importante para prevenir questões de saúde mental, problemas de diabetes, obesidade, um conjunto de questões — acrescenta Maria Inês.
Para viver bem com diabetes, resume o boletim, é essencial o diagnóstico precoce e iniciar o tratamento rapidamente. Os cuidados devem incluir: manter alimentação equilibrada; praticar atividade física; dormir bem; não fumar; seguir corretamente as orientações e utilizar os medicamentos; controlar glicemia, pressão e colesterol; além de monitorar possíveis danos aos olhos, rins e pés.
Critérios devem mudar
Atualmente, três testes são utilizados para o diagnóstico do diabetes: glicose de jejum, teste de tolerância à glicose de duas horas e hemoglobina glicada para diagnóstico do diabetes.
A realização do teste de tolerância à glicose após uma hora da ingestão da solução consegue identificar pessoas com alto risco de desenvolver a doença de forma mais precoce e com maior precisão do que em outros testes — especialmente quando combinada com glicose de jejum.
O teste é um passo importante para entender quando, em quem e como intervir para prevenir o diabetes e suas possíveis complicações. O principal ganho é para o paciente pré-diabético, explica a médica Maria Inês:
— É bastante preditivo daquilo que está acontecendo no pâncreas da pessoa e se está chegando muito próximo do desencadeamento do diabetes. Então, é preciso saber isso para poder reverter.
O estudo brasileiro gerou dados relevantes para a consolidação dessa evidência e apoio ao conceito, que já vem sendo desenvolvido na comunidade científica há alguns anos. A IDF já se manifestou favoravelmente ao uso como critério diagnóstico, e há expectativa por uma mudança nos próximos meses — algo que precisa ser baseado em um conjunto de evidências e avaliado por sociedades científicas, como salienta a endocrinologista.
Outras descobertas do estudo
- A doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (acúmulo de gordura no fígado relacionado à síndrome metabólica, como diabetes) está associada a um aumento de 88% no risco de desenvolver diabetes
- Alcançar metas de glicemia e de pressão arterial em pessoas com diabetes está associado a menor mortalidade
- No entanto, o controle ainda é um desafio: apenas 28,6% dos pacientes atingem simultaneamente as metas principais de controle da glicemia, pressão arterial e colesterol LDL
- Baixa adesão aos medicamentos foi o único comportamento de autocuidado consistentemente associado a um controle glicêmico inadequado — o que reforça a necessidade de estratégias de educação em saúde e apoio
Calculadora de risco para diabetes
Em 2023, os pesquisadores do ELSA-Brasil desenvolveram uma ferramenta online para calcular o risco de desenvolver diabetes em 10 anos. Ela utiliza a idade, resultado de exames como glicemia de jejum e medidas como o Índice de Massa Corporal (IMC). De acordo com os cientistas, a ferramenta é mais eficaz do que o rastreamento convencional. A calculadora pode ser acessada neste link.