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Diagnóstico

Auditoria do TCE aponta que equipe de proteção contra cheias de Porto Alegre tinha só um servidor

Relatório conclui que enchente do ano passado na Capital foi agravada por uma série de falhas de diferentes gestões municipais

15/12/2025 - 10h50min


Carlos Rollsing
Carlos Rollsing
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Marcelo Gonzatto
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Mateus Bruxel/Agencia RBS
Documento inicial apura responsabilidade de 32 pessoas e uma empresa por inadequações.

Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) para apurar as causas das falhas do Sistema de Proteção Contra Cheias (SPCC) de Porto Alegre durante a enchente de 2024 concluiu que a tragédia foi agravada por uma série de erros envolvendo a concepção, a manutenção e a gestão do aparato que deveria ter protegido a população.

Entre as inadequações, os auditores citam o fato de que a Equipe de Proteção Contra Cheias do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) era integrada por um único servidor — a quem cabia acompanhar a situação dos arroios e a "adequação das casas de bombas, dos diques, do Muro da Mauá e das comportas".

O documento, finalizado em julho mas tornado público em novembro, é a primeira etapa de um processo instaurado para apurar possíveis irregularidades e aponta 32 pessoas e uma empresa pelas deficiências. A lista inclui os dois últimos prefeitos da Capital, Sebastião Melo e Nelson Marchezan Júnior, secretários, diretores e servidores do Dmae e de outros órgãos. Os citados já prestaram esclarecimentos à auditoria do TCE, os quais estão em fase de análise. 

A próxima etapa é o envio do processo ao Ministério Público de Contas (MPC), que opina pela regularidade ou irregularidade dos atos dos gestores. Caso opte pela responsabilização por irregularidade, o MPC pode emitir parecer pedindo imposição de multa e débito, determinação para a adoção de medidas corretivas e recomendações. 

A última etapa do processo é a possibilidade de julgamento pelos conselheiros, cujo andamento e inclusão na pauta depende da definição da relatora do caso, a conselheira-substituta Heloisa Piccinini, integrante da Primeira Câmara Especial do TCE. Nessa modalidade de apuração, chamada de Processo de Contas Especiais, a possibilidade de arquivamento é atribuição dos conselheiros do TCE.

O documento assinado por seis auditores conclui que "numerosas falhas eram de conhecimento da gestão do Dmae e da Prefeitura, mas não receberam o tratamento adequado". Um desses problemas era a insuficiência de quadros de pessoal que deveria zelar pelo funcionamento dos equipamentos de proteção da cidade. Isso teria dificultado a manutenção do sistema e a reação à enchente, em meio a um cenário mais amplo de falta de profissionais. Os auditores destacam que o número de funcionários que executavam as funções do antigo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), extinto durante a gestão Marchezan (2017-2020), caiu de 200 no período 2013-2014 para menos da metade após serem absorvidas pelo Dmae.

Renan Mattos/Agencia RBS
Dique do Sarandi atualmente passa por obras de reforço.

Relatório diz que problemas já eram conhecidos

O documento aponta ainda fragilidades envolvendo casas de bombas, comportas e diques que, conforme apurações realizadas pelo corpo técnico do TCE, já eram de conhecimento prévio das administrações municipais. Isso envolve problemas estruturais causados pela construção de moradias irregulares na área de diques, como junto ao Arroio Sarandi, situação conhecida desde os anos 1980, ligação inadequada de redes de drenagem diretamente ao Guaíba e ao Dilúvio (relatada desde 2015) e inadequações em casas de bombas (desde 2018).

Principais pontos do relatório:

Diques

  • Desde 2015, a prefeitura sabia que "uma extensão de aproximadamente 2,5 mil metros" do dique da Fiergs "estava com cota inferior à do restante do sistema de proteção já implantado".
  • Estudo de 2018 da Metroplan informava que o dique do Arroio Areia "precisava ser elevado em aproximadamente 1 (um) metro para evitar a inundação".

Redes conectadas ao Guaíba

  • Desde 2015, a prefeitura sabia que a ligação de duas redes de drenagem diretamente ao Guaíba (em vez de se conectarem a casas de bomba) poderia fazer com que a água refluísse em vez de escoar.

Falhas estruturais em casas de bomba

  • Em 2018 e 2019, engenheiros do Dmae observaram problemas estruturais nas casas de bomba 17 e 18 (ao longo da Avenida Mauá) que permitiriam o refluxo de água em caso de cheia.

Comportas do Muro da Mauá

  • Após vistorias realizadas em 2022 e 2023, Dmae e empresa contratada tinham conhecimento das más condições de conservação das comportas.
  • Não foi evidenciada a frequência anual de testes de fechamento dos portões, o que poderia ter identificado problemas com antecedência.

Casa de bombas 13

  • Desde 2023, era sabido que a casa de bombas localizada no bairro Menino Deus não tinha o equipamento adequado para impedir refluxo da água do Guaíba.

Condutos forçados

  • Problemas de manutenção de tampas na rede de drenagem que escoa a água para fora da cidade por gravidade provocaram extravasamento.

Problemas de gestão

  • Entre 2013 e 2014, o DEP contava com cerca de 200 servidores. As atividades do extinto órgão, quando assumidas pelo Dmae, passaram a ser exercidas por aproximadamente 90 funcionários.
  • Entre 2019 e 2024, período em que o Guaíba avançou três vezes sobre a cidade, a equipe de proteção contra cheias foi composta por apenas um servidor do cargo de engenharia.
  • A carência de servidores foi igualmente apontada no Dmae. O percentual de cargos ocupados no departamento passou de 49% em 2014 para 28,8% em abril de 2024. Isso significa a redução de 808 cargos ocupados.

O que diz Sebastião Melo

"Porto Alegre possui um sistema de proteção de cheias que se estende da Zona Norte até a região Centro-Sul, concebido nos anos 1960 e finalizado na década de 1970. A bacia hidrográfica do Guaíba, com seus 85 mil quilômetros quadrados, é abastecida por cinco rios e mais de 200 afluentes. 

Em maio de 2024, este sistema foi submetido ao maior evento climático da história do Brasil. Nunca havia sido testado em tal magnitude e se mostrou insuficiente diante da quantidade de água. É preciso lembrar que proteção de cheias é de responsabilidade federal, conforme prevê a Constituição, e envolve também os demais prefeitos, governadores e presidentes das últimas cinco décadas. Nós tínhamos dois caminhos: buscar culpados ou soluções. E optamos por encontrar soluções. Muitas obras já foram feitas em diques, comportas e casas de bombas, algumas estão em andamento e outras ainda virão. Não há proteção de cheias sem obras concretas também na bacia do Guaíba e Região Metropolitana.

Nos causa estranheza que uma auditoria, ainda em fase preliminar, exponha agentes públicos sem considerar os esclarecimentos apresentados pela prefeitura. As respostas foram encaminhadas em 8 de setembro, de forma técnica, responsável e transparente, e seguimos aguardando a análise definitiva do Tribunal."

O que diz Nelson Marchezan

Por nota, afirma: "Causa estranheza que determinados apontamentos de determinados servidores do Tribunal de Contas insistam em teses de gestão, algumas já superadas pelo próprio Judiciário, pela incompetência do TCE em 'opinar' nos temas. Esse enfoque seletivo de alguns também ignora elementos centrais do período, entre eles o volume histórico de investimentos realizados pela Prefeitura, mesmo diante da pior crise financeira já enfrentada pelo Município - situação que herdamos ao assumir a administração. Nesse contexto, não mencionar a concepção, o financiamento e a execução da maior obra de macrodrenagem da história de Porto Alegre produz uma leitura incompleta da realidade, assim como iniciativas comprovadas de qualificação estrutural. Da mesma forma, surpreende que não tenha sido mencionado que nós estruturamos, em parceria com o BNDES, os estudos e publicamos o edital de concessão do DMAE, e assinamos o contrato com a Caixa Econômica Federal para a PPP de drenagem e diques. A gestão que nos sucedeu optou posteriormente por cancelar tanto o edital quanto o contrato - decisões tomadas quatro anos antes da inundação e com impactos diretos sentidos pela população. Os valores envolvidos, atualizados, alcançam R$ 7,16 bilhões (IPCA)."

O que diz o Dmae

Em nota, afirma: "Com a extinção do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) assumiu a operação do sistema de drenagem urbana de Porto Alegre em 2019. Os projetos do setor foram incorporados às atividades da autarquia dois anos depois.

Inicialmente, a base da estrutura administrativa do Dmae foi mantida, e a operação e manutenção das Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (Ebaps) ficou à cargo da, hoje, extinta Diretoria de Tratamento (DT). Todo o corpo de servidores da unidade era empregado nas atividades das três verticais de serviço do Departamento: água, esgotamento sanitário e, desde 2019, drenagem urbana. Já em 2025, foi instituída a nova Diretoria de Proteção Contra Cheias e Drenagem Urbana (DPCCDU) - que, além de operar e manter o sistema de drenagem, atua na interlocução com os governos estadual e federal na proteção de cheias. 

A substituição das tampas dos condutos forçados, danificadas pela enchente histórica de 2024, foi contratada pelo Departamento em 2025. As novas estruturas foram projetadas para suportar a pressão causada por eventuais elevações no nível do Guaíba e do rio Jacuí. As obras custarão R$ 1,2 milhão e acontecerão a partir de janeiro de 2026. As Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (Ebaps) 13, 17 e 18 passaram por obras, já concluídas, em 2025. A primeira recebeu tampas pressurizadas para aumentar a proteção dos motores e painéis eletroeletrônicos, enquanto as duas últimas tiveram a construção de chaminés de equilíbrio para impedir o retorno da água pelos poços de controle. 

No âmbito da proteção de cheias, no início do próximo ano, oito das 14 comportas terão sido extintas, por meio da construção de barreiras permanentes em concreto armado. Das seis passagens móveis, quatro foram revisadas, reformadas e testadas em 2025, e duas serão substituídas por estruturas reprojetadas, adequadas às características geográficas da região. Os testes das comportas de proteção contra cheias são realizados, no mínimo, a cada um ano. A Lei Municipal nº 14.158, de 30 de dezembro de 2024, determina que os portões sejam fechados e reabertos, na presença de órgãos da sociedade civil, sempre no dia 3 de maio. 

O Dique da Fiergs passou por elevação de cota e, atualmente, oferece proteção de 5,8 metros frente ao rio Gravataí. A obra também foi concluída neste ano. O Dmae tem mais de R$ 3 bilhões em investimentos previstos para os próximos cinco anos, sendo a maior parte deste montante destinado às ações de microdrenagem, macrodrenagem e suporte à proteção contra cheias. As iniciativas integram o programa POA Futura, lançado nesta semana pela Prefeitura de Porto Alegre." 

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