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Casamento civil no RS: levantamento aponta que mulheres têm deixado de adotar sobrenome do marido
Dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado mostram que percentual caiu de 41,46% para 28,66%, de 2003 para 2024


O número de mulheres que adotaram o sobrenome do marido no casamento diminuiu nos últimos 20 anos. Um levantamento divulgado com exclusividade por Zero Hora mostra que, em 2003, 41,46% das mulheres que se casaram aderiram ao sobrenome do marido. Em 2024, a porcentagem foi de 28,66%.
Os dados são da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen-RS) e levam em conta apenas casamentos heteroafetivos. Confira abaixo.
O que explica a redução
Na avaliação da advogada Helena Sanseverino Dillenburg, especialista em Direito de Família e Sucessões e vice-presidente da comissão voltada a essa área na Ordem dos Advogados do Brasil do RS (OAB/RS), um conjunto de mudanças parece explicar a redução apontada pelos dados.
— Primeiro ponto: o casamento deixou de ser um vínculo insolúvel ao longo do tempo. Antigamente, sequer era permitido o divórcio. Por conta disso, as pessoas viam como um vínculo eterno, que só se dissolveria no caso de falecimento de um dos cônjuges, então a pessoa mudava de sobrenome em caráter definitivo — destaca entre os motivos.
A advogada ainda acrescenta a independência que as mulheres garantiram com a entrada no mercado de trabalho. Junto a isso, ela lembra da burocracia de se refazer todos os documentos: carteira de identidade, de motorista e profissional, título de eleitor e passaporte. Em caso de divórcio, essas mudanças precisam ser desfeitas.
— Antigamente, as pessoas casavam mais jovens. Atualmente, considerando que às vezes essa mulher já tem uma carreira, já tem a construção de um nome no âmbito profissional, isso (a alteração) pode inclusive se mostrar prejudicial para publicações acadêmicas, científicas — argumenta.
Em sessões de terapia
Uma transformação cultural, social e afetiva também é notada pela psicóloga Rita Daniela Bruni Nunes, que coordena o Comitê de Sexualidade da Sociedade de Psicologia do RS. No consultório, ela vê, com frequência, que os casais estão optando por união estável ao invés do casamento. Um dos motivos é a partilha do plano de saúde.
A psicóloga ressalta que os sobrenomes lembram identidade e história, e a mudança não deve ser apenas uma obrigação conjugal. A escolha deve ser consciente e sem imposição, afirma:
— Estamos vivendo uma época de tentar buscar escolhas mais igualitárias, negociadas, com respeito também às individualidades.
Rita lembra que, em décadas passadas, a concepção predominante era de que a mulher deveria adotar o sobrenome do marido para pertencer à família dele e ser mais respeitável. Hoje, na avaliação da psicóloga, o casamento parece ter deixado de ser o principal guia do status feminino.
Rita, que também é sexóloga e subdelegada da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana, acrescenta outro aspecto:
— Muitas vezes, a vida sexual pode ser impactada quando tem mais respeito à identidade individual, aos desejos, às fantasias. Até pode ter menos mágoas se a comunicação for mais aberta.
Homens também podem mudar sobrenome
Não só mulheres, mas homens também podem alterar o sobrenome no matrimônio, assim como as duas pessoas do casal. Essa permissão está presente no Código Civil de 2002. Antes, apenas a mulher poderia fazer a alteração e, até 1977, era obrigatório que a esposa adotasse o sobrenome do marido.
Para o presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do RS (Arpen/RS), Sidnei Hofer Birmann, essa alteração na lei ajuda a explicar a redução vista nos últimos anos, assim como a busca pela igualdade entre homens e mulheres.
Os casos em que homens adotam o sobrenome da mulher ou ambos fazem a alteração são mais raros, mas não inexistentes no RS. Veja no gráfico.
Como funciona o processo para incluir o sobrenome do cônjuge
Caso o casal queira fazer alguma das opções de mudança de sobrenome, a alteração pode ser feita no ato do casamento civil, no cartório.
O presidente da Arpen/RS explica que, mesmo após o casamento, também é possível incluir ou excluir o sobrenome cônjuge. Para isso, é necessário ir a um cartório de registro civil e solicitar a mudança.
— É um procedimento simples. A lei 14.382 (de 2022) veio para desburocratizar isso, porque antigamente você dependia de um processo judicial que, às vezes, se estendia por anos — completa.