Nome sujo
Clima, juros e poder de compra: as causas para a disparada da inadimplência no RS em 2025
População gaúcha com dívidas em atraso chegou a 45,5% em outubro, o maior percentual no ano, mesmo em cenário de inflação e desemprego baixos


A inadimplência no Rio Grande do Sul atingiu o maior patamar de 2025 em outubro, expondo uma condição econômica dos gaúchos que se deteriorou após tragédias climáticas. Mesmo com indicadores gerais de inflação e desemprego em baixa, a perda do poder de compra e o endividamento pioram a capacidade das famílias de limparem o nome.
Em outubro, a inadimplência atingia 45,51% da população adulta do RS, a maior taxa registrada no ano. Cerca de 4 milhões de pessoas tinham dívidas em atraso no Estado, conforme indicador da Serasa.
No Brasil, o percentual no mês foi de 49,22%, com forte avanço em um ano: eram 73,1 milhões de brasileiros inadimplentes em outubro de 2024, contra 80,4 milhões em outubro de 2025.
O cenário ocorre mesmo em um contexto de inflação em queda — a menor para novembro desde 2018 — e desemprego em baixa. Segundo os economistas, vários fatores explicam o quadro, entre eles o reflexo tardio das dívidas e o peso dos juros nas contas.
Entenda os conceitos
- Endividado: é qualquer pessoa com contas a pagar, como parcelas de cartão de crédito, financiamentos ou empréstimos.
- Inadimplente: é quem tem dívidas em atraso, ou seja, que não conseguiu pagar o valor devido no prazo.
Ainda que o desemprego seja baixo, a renda das famílias cresce menos do que a inflação. Na prática, significa que não há ganho em termos reais, o que faz cair a capacidade aquisitiva, explica a economista Juliana Inhasz Kessler, professora do Insper:
— Isso faz com que as pessoas precisem complementar, via crédito, a renda necessária para manter um padrão de vida.
Efeitos do clima
Educadora financeira e professora do curso de ciências contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Wendy Haddad Carraro acrescenta outro fator à realidade do Estado. Muitas famílias tiveram a necessidade de renovar itens após os eventos climáticos. Buscaram crédito, parcelaram no cartão, e a conta foi chegando.
— É difícil identificar uma única razão e não é algo específico de um mês, porque as dívidas são reflexo de decisões tomadas anteriormente. Muitas famílias se comprometeram com gastos. Juntando tudo, viram grandes dívidas — diz Wendy.
— No caso do RS, tem muito a ver com o baque do clima, que faz com que muitas pessoas ainda tenham dificuldade de se reerguer. Ainda que se tenha uma fotografia de que a economia está voltando à normalidade, no dia a dia os setores mais sensíveis ainda sentem muitas dificuldades, mesmo acessando crédito barato, gerando um endividamento tanto da pessoa física como da jurídica — acrescenta Juliana.
Quando há redução de preços, como nos alimentos, os efeitos da dinâmica econômica são mais imediatos no bolso. Diferentemente das dívidas contraídas, que se prolongam pelo tempo do parcelamento. Quando se toma crédito, o pagamento não se dá no mesmo instante, por isso a dívida estoura mais para frente.
Além disso, os juros altos contribuem para a escalada dos devedores, fazendo com que o endividamento vire inadimplência. Por isso, indicam as especialistas, é fundamental que os consumidores tenham controle de suas contas.
— Os juros são muito elevados, inclusive por conta do próprio índice de inadimplência. Isso faz com que as famílias que já não tinham dinheiro fiquem cada vez mais endividadas. É uma situação alimentada — alerta a professora do Insper.
Como ajustar as contas
Uma das alternativas para organizar o orçamento e limpar o nome é renegociar as dívidas. Na maioria dos casos, as empresas se mostram dispostas a recalcular o valor dos juros, o que alivia a conta final. Para quem tem direito a 13º salário, vale considerar o quanto do benefício pode ser alocado para quitar a dívida.
- As economistas dão dicas básicas de como reequilibrar as contas. A primeira delas é não ter medo dos números e conhecer a realidade do seu orçamento.
- Evite pedalar dívidas, optando pelo pagamento mínimo. Isso faz a conta se prolongar, já que a cada adiamento somam-se mais juros, virando uma bola de neve.
- Tenha atenção aos juros. Apesar de a taxa básica aplicada no país ser de 15% ao ano, os cartões em atraso incidem taxas maiores, o que pode inviabilizar o pagamento total. O juro acaba sendo uma grande parcela da dívida.
- Limpar o nome é importante. O nome sujo impede outros tipos de acesso a crédito.
- Use os recursos de fim de ano para colocar as contas em ordem.
- Se o recurso disponível não for suficiente para bancar a dívida em aberto, tente possibilidades de renegociação.
- Faça contato com as empresas e tente negociar pelo menos o juro. As instituições costumam ser acessíveis a esse tipo de ajuste.
- Se a renegociação não for possível, avalie o que for mais urgente pagar, priorizando os juros maiores.
- Se sobrar recurso após a quitação da dívida, guarde o valor restante para despesas extras e futuras que podem surgir.
- Faça as contas. O consumidor só pode assumir dívidas se a parcela couber no seu orçamento.
- Busque tecnologias que ajudem a organizar o orçamento. Aplicativos e ferramentas de inteligência artificial podem dar dicas de como alocar o dinheiro.
- Peça ajuda a órgãos como Defensoria Pública, Procon e universidades que têm canais de educação financeira.
- Independentemente da situação financeira, busque a oportunidade de dar um primeiro passo para a organização. Ter iniciativa muda a realidade financeira das famílias.
O perfil das dívidas

O tíquete médio por dívidas no RS é de R$ 1.710,38. O perfil indica que a inadimplência está igualmente dividida (50%) entre homens e mulheres, com maior ocorrência entre consumidores de 41 a 60 anos (34,4%). Dívidas com bancos e cartões (26,2%) e contas básicas como luz e gás (14,5%) representam a maior parte dos débitos.
Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas e Pelotas lideram entre as cidades gaúchas com o maior número de inadimplentes. Veja a lista:
Cidades gaúchas com mais inadimplentes
Porto Alegre:
- 573.858 pessoas (devem R$ 4,4 bilhões)
Canoas
- 164.372 pessoas (R$ 1,1 bilhão)
Caxias do Sul:
- 164.055 pessoas (R$ 1,3 bilhão)
Pelotas:
- 119.658 pessoas (R$ 758,6 milhões)
Santa Maria:
- 110.738 pessoas (R$ 781,9 milhões)
Novo Hamburgo:
- 93.081 pessoas (R$ 713,6 milhões)
Rio Grande:
- 86.816 pessoas (R$ 577 milhões)
Passo Fundo:
- 85.270 pessoas (R$ 637,4 milhões)
Uruguaiana:
- 52.243 pessoas (R$ 334,5 milhões)
Bagé:
- 50.966 pessoas (R$ 339,2 milhões)
Santa Cruz do Sul:
- 42.354 pessoas (R$ 287,4 milhões)
Bento Gonçalves:
- 38.509 pessoas (R$ 272,3 milhões)
Erechim:
- 34.648 pessoas (R$ 302,9 milhões)
Cachoeira do Sul:
- 28.292 pessoas (R$ 161,7 milhões)
Cruz Alta:
- 27.451 pessoas (R$ 189,3 milhões)
Carazinho:
- 24.399 pessoas (R$ 170,4 milhões)
Santa Rosa:
- 21.228 pessoas (R$ 169,2 milhões
Fonte: Serasa, com dados referentes a outubro de 2025