Fraudes digitais
Novo golpe do TikTok usa vídeos na rede social para oferecer falsos prêmios em dinheiro e ofertas irreais; veja
Criminosos também usam a estética da plataforma para enganar usuários com promessas de saque via Pix


Vídeos que parecem inofensivos, exibindo uma compra ou celebrando um suposto "bônus", têm sido usados como porta de entrada para golpes no TikTok. As publicações funcionam como chamariz e, ao clicar em um link indicado, o usuário é levado para páginas externas que imitam o visual da plataforma.
Nesses ambientes, dois tipos de fraude se destacam. No primeiro, aparecem anúncios de produtos caros por valores muito abaixo do normal, apresentados como ofertas da TikTok Shop.
No segundo, páginas prometem um prêmio em dinheiro e, na etapa final, exigem o pagamento de uma taxa via Pix para liberar o valor. Mesmo com narrativas diferentes, os golpes começam no feed do TikTok e se concretizam fora do aplicativo, em sites que imitam a plataforma para convencer a vítima.
Como funciona o golpe do falso prêmio em dinheiro?
Nos vídeos que circulam no TikTok, pessoas aparecem comemorando supostos ganhos de R$ 2 mil, R$ 3 mil, atribuindo o valor a um prêmio na plataforma e dizendo que o dinheiro "salvou o fim de ano". Outro argumento usado é de que a quantia seria uma "recompensa" para contas antigas.
O conteúdo, embora seja identificado como publicidade, se apresenta como espontâneo, reforçado até por comentários que repetem o mesmo discurso, a maioria deles falsos, criados para aumentar a ilusão de legitimidade.
A isca leva o usuário a clicar no link exibido no vídeo ou na descrição. Ele então é direcionado para uma página externa que simula a interface do TikTok, com logotipo, cores, organização visual e até campanha a "Gol de Prêmios" (que realmente existe), semelhantes às reais.
No topo da página, aparece um saldo fictício acompanhado de "TikTok Bônus", contador regressivo e tarefas concluídas. A vítima vê um painel com páginas de check-in, pontos acumulados, histórico de recompensas e até um botão de "sacar" com o símbolo do Pix.
Em outra etapa, surge um formulário solicitando nome completo, CPF e chave Pix, sugerindo que o saque está prestes a ser liberado.
Para liberar os valores prometidos, o site exige o pagamento de uma "taxa de confirmação", supostamente necessária para "verificar identidade". A página ainda exibe selos falsos do Banco Central, gov.br e Receita Federal, além da promessa de "reembolso automático em 1 minuto".
Nada disso é verdadeiro: depois do pagamento, o dinheiro desaparece e o saque nunca é liberado. Para a advogada Ana Rios, especialista em cibersegurança, trata-se de um caso clássico do golpe da taxa antecipada.
— O objetivo não é capturar os dados, mas, sim, induzir a vítima a transferir dinheiro imediatamente. A pessoa paga e nunca recebe nada. A sensação de estar prestes a ganhar muito dinheiro faz com que ela aja na pressa, e essa pressa é justamente o que os golpistas exploram — afirma.
Golpe da falsa loja traz produtos por valores abaixo do mercado
Além do falso prêmio em dinheiro, a reportagem identificou outro esquema: páginas que imitam a TikTok Shop para vender produtos caros por valores muito abaixo do normal.
Os vídeos que funcionam como isca aparecem no feed como qualquer conteúdo comum, muitas vezes apresentados por criadores usando humor ou frases como "últimas unidades" e "promoção especial".
Ao clicar no link destacado no vídeo, o usuário é levado para sites que novamente repetem a identidade visual da plataforma, mas com elementos adulterados.
Um exemplo encontrado foi o anúncio de um ar-condicionado portátil por R$ 63,90, com suposto desconto. A página inclui fotos do produto, um cronômetro de contagem regressiva e até o botão "comprar com cupom", tudo montado para simular urgência e autenticidade.

Em vez de "tiktok.com" ou "tiktokshop.com", o usuário acessa domínios desconhecidos. A estética tenta compensar a fraude: há selos falsos de "garantia de 1 ano", "produto original" e um número inflado de avaliações positivas.
Entre elas, comentários longos, padronizados e redigidos em linguagem de publicidade, um sinal clássico de conteúdo gerado por Inteligência Artificial (IA). Ana afirma que esse tipo de fraude se apoia em detalhes visuais muito específicos.
— Se, ao clicar, a pessoa é redirecionada para um site externo, ela já deve ficar atenta. O principal sinal de alerta é o endereço do site. Se não tiver "tiktok.com" ou "tiktokshop.com", a página muito provavelmente é falsa. Outro ponto é o preço fora da realidade: celular de R$ 5 mil por R$ 200 não existe — afirma.
Segundo Emanuel Ferreira, especialista em redes sociais, a checagem de alguns elementos pode evitar prejuízos.
— O primeiro alerta é conferir se o vendedor tem selo de verificação e se há histórico de vendas reais. Nenhuma ou pouquíssimas avaliações são motivo para desconfiar. E o detalhe principal: se o link joga para fora do aplicativo, já é um grande risco. A pessoa pode acabar colocando os dados do cartão em um ambiente totalmente controlado pelo golpista — explica.
Por que vídeos no feed enganam tanto
Para Ana Rios, a eficácia desses golpes está diretamente ligada ao fato de começarem na própria rede social.
— Nesse ambiente, o usuário está mais relaxado, consumindo conteúdo que parece confiável, e acaba clicando em links sem questionar. Ao ser direcionado para fora do TikTok, ele chega a uma página que é visualmente idêntica à oficial. O cérebro entende como algo confiável, e é justamente isso que facilita a fraude — afirma.
Há também a tentativa de apelo emocional das promessas de dinheiro fácil e de histórias de sucesso exibidas nos vídeos.
— As pessoas caem porque elas acreditam em facilidade. Acreditam em uma promoção milagrosa, uma fórmula milagrosa, na solução nunca contada. Todo mundo quer trabalhar de casa, fazer pouca coisa e ganhar bem. As pessoas caem nisso — diz Emanuel.
Que tipo de crime é esse e o que diz a lei
Do ponto de vista jurídico, golpes como os identificados pela reportagem são considerados estelionato. A conduta está prevista no Artigo 171 do Código Penal e, desde a Lei 14.155/2021, conta com uma forma específica quando a fraude ocorre pela internet.
— A legislação criou o § 2º-A do Artigo 171, que trata do estelionato eletrônico. Quando a vítima é enganada por meio digital, redes sociais, páginas falsas ou anúncios fraudulentos, a pena é mais alta: de quatro a oito anos de reclusão, além de multa — explica a advogada Ana Rios.
Ela destaca que, do ponto de vista técnico, o mecanismo usado pelos golpistas é o phishing, modalidade em que páginas falsas são criadas para enganar o usuário e induzi-lo a fornecer dados sensíveis ou a fazer pagamentos:
— Esses golpes são variações de engenharia social. O criminoso se aproveita do comportamento humano, e não de uma falha tecnológica. As páginas imitam o TikTok justamente para criar a sensação de legitimidade e levar a vítima a agir sem questionar.
Qual é a responsabilidade das plataformas
Ana avalia que existe responsabilidade compartilhada entre empresas e usuários.
— Elas precisam investir constantemente em sistemas de detecção e remoção rápida desses conteúdos, facilitar canais de denúncia e adotar medidas mais rigorosas para impedir que golpistas usem a plataforma para enganar usuários. Ao mesmo tempo, existe uma parcela de responsabilidade que é do próprio usuário, que precisa desenvolver hábitos básicos de segurança digital — afirma.
Para os especialistas, depois de cair em um golpe desses, usuários devem procurar as autoridades.
— A única forma que a pessoa que cai em um golpe tem de ser socorrida é via polícia. Ela tem que ir na Polícia Civil fazer uma denúncia. Em alguns Estados você tem a delegacia de crimes virtuais — diz Emanuel.
O que diz o TikTok?
Contatado pela Zero Hora, o TikTok afirmou que os vídeos e perfis relacionados aos golpes identificados pela reportagem foram removidos da plataforma por violarem as Diretrizes da Comunidade.
A empresa destacou que proíbe qualquer tentativa de enganar usuários, incluindo golpes financeiros, esquemas de enriquecimento rápido, phishing, fraudes envolvendo empregos ou transações e demais práticas que busquem ludibriar o público.
Segundo a plataforma, a moderação é feita de maneira proativa, por meio de uma combinação de tecnologia e uma equipe global de mais de 40 mil profissionais responsáveis por localizar e retirar do ar conteúdos que infringem as regras, incluindo comentários associados a comportamentos nocivos.
O TikTok afirma ainda que a primeira etapa de verificação de segurança acontece antes mesmo da publicação do vídeo, e que o sistema de recomendação também leva em conta as diretrizes, restringindo a distribuição de conteúdo problemático na "Página Para Você".
A empresa citou ainda dados do relatório global de transparência referente ao segundo trimestre de 2025. Nesse período, mais de 189,5 milhões de vídeos foram removidos por violação das diretrizes. Vale ressaltar que, de fato, os conteúdos analisados na reportagem já não estão disponíveis, pois foram removidos pela plataforma. Mesmo assim, ainda é possível encontrar variações do mesmo tipo de golpe.
Dicas para se proteger de golpes que usam o TikTok como isca
Especialistas ouvidos pela reportagem sugerem cuidados práticos para evitar esse tipo de fraude:
- Desconfie de ofertas irreais: produtos muito abaixo do preço ou promessas de prêmios altos em troca de tarefas simples.
- Observe o endereço do site: páginas legítimas da plataforma usam domínios "tiktok.com" ou "tiktokshop.com".
- Evite compras fora do aplicativo: se o anúncio redirecionar para outro site, redobre a atenção.
- Nunca pague taxa para receber prêmio: se pedirem Pix ou qualquer pagamento antecipado, trata-se de golpe.
- Verifique selo e avaliações da loja: perfis sem histórico, sem comentários ou com poucas avaliações exigem cautela.
- Guarde provas e registre ocorrência: em caso de prejuízo, é importante salvar prints, registrar Boletim de Ocorrência e avisar o banco imediatamente.