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Em Gravataí

Templo com estátua de Lúcifer está abandonado há mais de 1 ano; líder fala em "perseguição religiosa"

Cenário contrasta com a expectativa criada em agosto de 2024, quando Mestre Lukas de Bará da Rua, um dos representantes da Nova Ordem de Lúcifer na Terra (N.O.L.T), pretendia inaugurar o local

02/12/2025 - 11h37min


Madu Brito
André Ávila/Agencia RBS
Área tem cinco hectares.

O terreno onde foi erguida a estátua de Lúcifer, em Gravataí, na Região Metropolitana, está tomado pelo abandono. A grama alta cobre o espaço, galhos caídos se acumulam e mosquitos se multiplicam.

Ainda assim, ao adentrar nos cinco hectares de área aberta, o que mais chama a atenção continua sendo a estátua de cinco metros que representa Lúcifer, já visível da estrada de chão batido.

Para algumas religiões, como o cristianismo, a figura é associada ao demônio. Por outro lado, para o Mestre Lukas de Bará da Rua, um dos representantes da Nova Ordem de Lúcifer na Terra (N.O.L.T), Lúcifer representa o portador da luz.

Ainda no local, uma casa que antes abrigava mais de 200 imagens admiradas pela N.O.L.T agora está vazia. Elas foram levadas para outros lugares, onde os encontros acontecem de forma reservada.

Quem ousar realizar atividades no espaço interditado, situado a cerca de 15 quilômetros da área urbana, pode receber multa diária de R$ 50 mil.

O cenário contrasta com a expectativa criada em agosto de 2024, quando o grupo pretendia inaugurar o templo. O plano, porém, foi interrompido após a chegada da polícia para impedir a cerimônia por falta de alvará, relembra Mestre Lukas.

Após a interdição, o grupo iniciou imediatamente o processo para obter a licença. Primeiro, o grupo tentou enquadrar o templo como "povo de terreiro". Depois, como instituição. Segundo ele, ambos os pedidos foram negados.

André Ávila/Agencia RBS
Segundo o religioso, imagem retrata a dualidade do homem humano e do esqueleto, com pés e asas.

— A prefeitura disse que o processo administrativo para concessão do alvará estava cancelado porque o Conselho do Povo de Terreiro não estava devidamente homologado e por isso não poderia nos fornecer o alvará. É curioso que esse Conselho liberou mais de 500 alvarás e só o meu foi cancelado — relata.

Qual é a situação na Justiça

André Ávila/Agencia RBS
Líder religioso busca na Justiça a abertura do templo.

O caso ganhou um novo capítulo em setembro de 2025. A Justiça concedeu parcialmente um mandado de segurança impetrado por Lucas Alves Martins — nome completo do Mestre Lukas — determinando que a prefeitura reabra o processo administrativo, que havia sido encerrado sob alegação de duplicidade de pedidos.

Na decisão, o juiz apontou falta de fundamentação legal para o indeferimento e afirmou que não existe norma que impeça a tramitação simultânea de dois pedidos de licença para atividades religiosas no mesmo endereço.

A sentença não concede automaticamente o alvará. Desta forma, a análise dos requisitos seguirá na esfera administrativa.

A prefeitura recorreu, e o processo está sujeito a reexame necessário, o que significa que será analisado por uma instância superior antes de decisão definitiva. Enquanto isso, a interdição permanece.

A prefeitura informou que "aguarda o julgamento dos embargos declaratórios apresentados pela Nova Ordem".

Repercussão e ameaças

André Ávila/Agencia RBS
Religioso afirma que número de adeptos aumentou após a repercussão do caso.

Para o Mestre Lukas, a negativa não é apenas burocrática e o caso já se tornou "perseguição religiosa".

— Estamos no Brasil e o Estado é laico. Então, nós temos a liberdade de culto. E nós não temos verba pública aqui. É um espaço privado. Nós trabalhamos, nos dedicamos, investimos pra ter o nosso espaço. Não é um espaço aberto ao público — desabafa.

Na época da interdição do espaço, a polêmica ganhou repercussão nacional. No início, segundo Mestre Lukas, houve muita intolerância: o grupo recebeu ameaças de morte, mensagens dizendo que iriam botar fogo no local e até cortar-lhes os pescoços.

No entanto, com o tempo, os ataques diminuíram e surgiram mensagens de apoio:

André Ávila/Agencia RBS
Estátua é feita de cimento.

— A prefeitura acha que está nos atrapalhando, mas é o contrário: está nos dando espaço para falar sobre a nossa ordem, a nossa visão sobre Lúcifer. E hoje nós temos muito mais adeptos do que tínhamos no passado, mais pessoas se aproximaram — comenta.

Para a ordem, Lúcifer não é um demônio, mas um símbolo de conhecimento

— Ele é o portador da luz. Queremos estudar, conhecer mais. Esse espaço na natureza foi pensado para isso — explica Lukas.

A estátua

André Ávila/Agencia RBS
Noltismo tem dogmas próprios.

A estátua de Lúcifer tem cinco metros de altura (contando com o pedestal), pesa uma tonelada e custou R$ 35 mil, pagos por integrantes da ordem. Mestre Lukas de Bará da Rua afirma que deve contar com uma iluminação especial caso for inaugurada.

A imagem de Lúcifer foi produzida em cimento por um ateliê e, segundo o religioso, retrata a dualidade do homem humano e do esqueleto, com pés e asas, representando o espírito da divindade. Mestre Lukas afirma ter sonhado com a imagem para concebê-la. O projeto contou com o apoio de um engenheiro.

— Para nós é algo sagrado. Eu tenho uma história de 21 anos dentro da religião. A gente tem feito um trabalho de conscientização, para demonstrar a força que a nossa religião tem — comenta.

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Mestre Lukas afirma ter sonhado com a imagem para concebê-la.

Noltismo

A Nova Ordem de Lúcifer na Terra (N.O.L.T.) foi oficializada pelos fundadores do templo no último ano.

De acordo com o Mestre Lukas de Bará da Rua, o noltismo tem dogmas próprios, prega o culto aos demônios e uma nova interpretação da espiritualidade luciferiana.

Os seguidores são chamados de noltistas ou daimomantes, termo derivado da união entre daimon (entidade espiritual interior) e amantia (estado de entrega ritual), explica Lukas.

— O noltismo não é apenas mais um movimento. É agora uma religião e uma casa simbólica para os que caminham com o Lúcifer vivo. E todos estarão convidados a entrar — afirma o religioso.

Apesar de estar associado ao diabo e ao "mal", o nome de Lúcifer é, para os noltistas, uma "manifestação simbólica de transformação, conhecimento e libertação".

Quem é Mestre Lukas

André Ávila/Agencia RBS
Religioso é natural de Gravataí.

Mestre Lukas de Bará da Rua é um mestre de quimbanda independente e trabalha com cartas e búzios negros. Em maio do último ano, o religioso atuou na criação de um monumento dedicado a Exu no município de Gravataí.

Lukas conta que decidiu fundar a ordem para poder trabalhar com as figuras de demônios.

"A gente resolveu tratar fora da casa (de quimbanda) porque existe um preconceito muito grande quando se fala de demônios", diz.

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