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Pintura corporal substitui cadáveres em aulas de anatomia de faculdade em Porto Alegre

Vantagens do bodypainting, segundo professoras, são movimento, possibilidade de interação e coloração mais adequada da musculatura

07/11/2013 - 06h02min

Atualizada em: 07/11/2013 - 06h02min


Fernando Gomes / Agencia RBS
Alunos da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul em aula de morfologia humana

De costas para uma turma de primeiro semestre, estudantes todos estreantes numa aula desse tipo, a modelo Roselaine Cabral serve de suporte para a obra do pintor Euler de Paula Silva. Nua cintura acima, Roselaine estica os braços, alonga para lá, encolhe para cá, e assim Cinara Garrido, professora de Morfologia Humana, vai apresentando as identidades de cada músculo dorsal, não sem antes confiar aos alunos a chance de arriscar uma resposta certa.

Na Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Fadergs), é com bodypainting que se aprende anatomia.

- Pensei que seria menos nítido. Já fiz anatomia com cadáveres em outras disciplinas, quando cursava Biologia, e vi uma diferença gritante - diz o estudante Régis Cunha, reparando que "o cadáver sofre ação de químicos e pode ter sido muito manuseado".

- É algo inovador - afirma a professora Marcia Otero Sanches, assinalando que o método integra uma revisão de paradigmas no ensino em saúde, implementada após um processo de capacitação junto a colegas da Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo).

No Estado, além da Fadergs, apenas a UniRitter trabalha com a ferramenta. Entre as vantagens apontadas está o movimento, a possibilidade de interação, a coloração mais "adequada" da musculatura e até aspectos ambientais:

- No início da década de 1990, surgiu a preocupação com o uso do cadáver, que é conservado em formol, um agente extremamente tóxico, tanto para quem trabalha nos laboratórios como para o meio ambiente - aponta Sanches, coordenadora do curso de Enfermagem.

VÍDEO: veja como funciona o bodypainting 



Segundo Juliana Bredemeier, diretora da Escola de Saúde e Bem-Estar da Fadergs, é sintomático que estejamos em uma aula de Morfologia Humana. A ideia é integrar conhecimentos como anatomia, fisiologia e patologia em uma única disciplina, lançando mão de "metodologias ativas" para quebrar o tabu do aluno como receptor passivo de informações.

- Quando o aluno imprime a sua vontade, o seu empenho, falamos de uma dedicação emocional. Por isso lançamos mão de recursos de encantamento - explica Bredemeier.

Não quer dizer que a aula é uma ciranda. Esses recursos são acompanhados por estudos de anatomia digital, apalpatória e de imagem, sem falar no bom e velho livro. A depender do aprendizado de Euler, convocado no semestre passado para ajuntar pincéis e tintas a uma sala com esqueletos e manequins de corpo aberto, o método funciona.

- O artista precisa entender anatomia, nem que seja o básico. Aqui, acabo aperfeiçoando o meu próprio trabalho. Tenho feito esculturas de corpo humano, e o que aprendo aqui vem ajudando bastante. Descobri músculos que achava que não existiam - relata.

Segundo Bredemeier, as mudanças, iniciadas há um ano, levaram em conta provas de órgãos de classe e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). A fragmentação do currículo, diz a professora, criava uma lacuna entre os conhecimentos complexos e os mais básicos, aprendidos a inícios de curso, e a formação prática ficava muito dependente de estágios.

No próximo semestre, uma ala de enfermagem e um estúdio de estética devem sediar atividades práticas, inclusive a encenação de conflitos que os futuros psicólogos devem saber domar. Na área da Saúde, a faculdade oferece os cursos de Educação Física, Enfermagem, Estética e Cosmética, Fisioterapia e Psicologia. Em todos eles, as descobertas em anatomia têm um quê de ateliê.



O que dizem os Conselhos

O Conselho Regional de Enfermagem (Coren) faz ressalva à metodologia.

- Entendemos que é meio complicado e que seria importante continuar utilizando cadáveres. Nós, enfermeiros, lidamos com pessoas, nosso erro custa uma vida - aponta o Conselheiro Secretário do Coren, Claudir Lopes da Silva.

De acordo com a coordenadora da Comissão de Educação do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito), Tania Fleig, há uma discussão mundial sobre o uso de peças anatômicas como cadáveres, justamente pela falta deles. Segundo ela, há uma série de fatores a serem considerados antes da substituição da anatomia humana original por uma artificial. O principal deles é a formação dos novos profissionais:

- Será que eles terão condições de se apropriar dos conhecimentos sobre anatomia sem que tenham tido o contato e a aproximação real dela? Esse é um debate já antigo, profundo, porém não finalizado.

VÍDEO: você é mais humano ou mais bactéria?


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