Cabeça revisitada
Confira o faixa a faixa do disco "Cabeça Dinossauro", dos Titãs
Repertório de disco conceitual pode ser sintetizado em uma palavra: porrada


Em seu terceiro disco, o Titãs buscou um denominador comum capaz de dar coesão à diversidade criativa das oito cabeças da banda. Essa unidade pode ser sintetizada em uma palavra: porrada.
Álbum conceitual, Cabeça Dinossauro parece ecoar o pensamento antiburguês de Antonio Gramsci e soa em suas 13 faixas como um panfleto contra os chamados pelo teórico italiano de "aparelhos ideológicos do Estado" - Igreja, Polícia, Porrada e Família são músicas que fecham o punho já no título.
CABEÇA DINOSSAURO
A faixa-título promove o casamento inusitado do cerimonial para afugentar maus espíritos dos índios do Xingu com punk rock. A letra é minimal e animal: "Pança de mamute / Espírito de porco".
AA UU
Segue a receita de dizer muito com poucas palavras. Coautor com o guitarrista Marcelo Fromer, Sérgio Britto urra: "Estou ficando louco de tanto pensar / Estou ficando rouco de tanto gritar".
IGREJA
Talvez a mais ultrajante faixa, o punk rock não tem papas na língua: "Eu não gosto de bispo / Eu não gosto de Cristo / Eu não digo amém". Arnaldo Antunes não comungava do ateísmo de Nando Reis: o ex-titã não aparece no clipe e saía do palco na hora do tema.
POLÍCIA
Em pouco mais de dois minutos, a música do guitarrista Toni Bellotto confronta a truculência do aparato de repressão oficial. Um dos versos virou slogan até hoje entoado: "Polícia para quem precisa de polícia".
ESTADO VIOLÊNCIA
Esse protesto do indivíduo contra o poder instituído é um funk na voz de Paulo Miklos. O discurso de tintas anarquistas picha: "Estado violência / Estado hipocrisia / A lei ao meu redor / A lei que eu não queria".
A FACE DO DESTRUIDOR
Cuspida como uma metralhadora punk, essa vinheta de 34 segundos teve suas bases gravadas de trás para frente. Durante as gravações, Paulo Miklos chegava ao fim do atropelo de versos quase sem fôlego.
PORRADA
Parceria de Arnaldo Antunes e Sérgio Britto, esse rock irônico só entrou na undécima hora - originalmente, o disco teria no lugar Vai pra Rua, música incluída na recém-lançada versão em CD duplo.
TÔ CANSADO
Aproximando outra vez poesia concreta e síntese punk, esse hino indignado concentra sua força no verso-título para reclamar do mal-estar do homem contemporâneo: "Tô cansado de me cansar".
BICHOS ESCROTOS
Um dos maiores sucessos da banda, a censura proibiu na época o verso que mandava os bichinhos peludos "se foder" - mesmo assim, muitas rádios tocavam a versão original, pagando multa por sua difusão pública.
FAMÍLIA
A música é um reggae solar na voz de Nando reis - mas a letra de Arnaldo Antunes não poupa vovô, vovó, sobrinha, cachorro, galinha: "O choro do nenê é estridente / Assim não dá pra ver televisão".
HOMEM PRIMATA
Ska dançante na linha das bandas inglesas two tone - formações que misturavam músicos brancos e negros e casavam ritmos caribenhos com o pós-punk. "Homem primata / Capitalismo selvagem", diz o refrão.
DÍVIDAS
Nesse reggae, Branco Mello chia contra os juros abusivos cobrados de quem está devendo. "Meu salário / Desvalorizou / Dívidas, juros, dividendos". Não mudou muito de 1986 para cá, né?
O QUÊ
O funk de Arnaldo Antunes tem a estrutura enxuta e objetiva do concretismo - uma das maiores influências do poeta e letrista. A letra circular é um desdobramento de um poema visual em forma de mandala do livro Psia, publicado em 1986 por Antunes.