Coluna da Maga
Magali Moraes: o queimadinho do arroz

Existe uma grande diferença entre um arroz queimado e o queimadinho do arroz. O primeiro é acidente, má sorte, distração. O segundo é de propósito. Chega ser uma provocação. Ao contrário de quem deixa queimar a comida porque foi atender o celular ou está com a cabeça nas nuvens, quem planeja esse queimadinho sabe muito bem o que está fazendo. É um erro calculado pra lamber os beiços depois. Imagine um carreteiro ou um arroz com galinha feitos numa panela de ferro. E lá no fundo, discretas raspinhas tostadas na medida certa, esperando pra serem disputadas.
Porque o queimadinho é pouco, não dá pra todo mundo, mas é imperdível. A gente descobre essa iguaria quase sem querer, quando os talheres já estão cruzados em cima do prato e o estômago saciado. Como fingir que não viu o queimadinho? Como não pegar de novo o garfo e partir pro ataque? Alguém vai contar calorias numa hora dessas?
Almoço
Tem que ser cozinheira de mão cheia pra sacrificar esses grãos de arroz, sem comprometer o sabor e a própria reputação. É como se ela nos mostrasse que domina mais que o sal, domina o fogo. O queimadinho
não vai se alastrar feito um incêndio de verão na floresta. No momento exato, a panela sairá do fogão em direção à mesa. Corra pra garantir o eu lugar! Que sorteio do bife, que nada. O queimadinho do arroz é o
novo filé.
Tomara que você esteja lendo essa coluna perto do almoço, pra não morrer de fome. Eu salivei só de lembrar. Ainda estou sob o impacto de um queimadinho do arroz que comi recentemente. Os grãos tinham uma cor vermelho-alaranjada, não dava pra saber onde terminava o molho de tomate e onde começava o queimadinho. Eu poderia ter almoçado duas vezes naquele dia. Da próxima vez que você encontrar um queimadinho maravilhoso, esqueça que alguém está querendo te engordar. Dispute essa delícia como se fosse a última coxa de um peru perneta.