Eu queria ser menos barulhenta, sabe? Em locais públicos, juro que me comporto. Fico quietinha no cinema. Deixo o celular no silencioso pra não incomodar ninguém no trabalho. Fecho as janelas do carro se quero ouvir música alta. Pra eu buzinar, tem que ter um bom motivo (e como adoram meter a mão na buzina!). Em casa, cuido o volume da TV. Evito ao máximo caminhar de salto na cabeça da vizinha (mas acontece de eu dar umas passadas pesadas). Desculpa aí, Vera.

Meu problema mesmo é com as portas. Mais especificamente, com as maçanetas. Parece que elas escorregam da minha mão. O trinco range o dobro quando sou eu que abro a porta do banheiro. Às vezes não fecho, justamente pra não fazer barulho ou porque logo vou voltar. Daí esqueço que deixei a maldita só encostada e pá! Em vez de abrir, acabo fechando (e isso que odeio bateção de porta). Quanto mais silêncio quero fazer, mais barulho eu provoco. Essa sou eu. Uma sirene ligada. Uma britadeira desgovernada.

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O sono dos justos

Escrevo as colunas tarde da noite e geralmente sou a última a dormir. Em vez de me concentrar pra não acordar a turma, é como se eu pendurasse sinos pelo corpo. Sério, eu não queria estar dormindo nessas horas. Vou pé por pé, entro sorrateiramente no quarto, daí abro a gaveta da mesinha de cabeceira pra pegar o carregador do celular e pá! Dou um gavetaço! Ou derrubo algo no chão. Pobre do Ricardo, que tenta mas não consegue dormir o sono dos justos. Eu deveria ter feito balé na infância pra garantir uma leveza de gestos no futuro.

Quando deito cedo (o que é raro), o jogo vira. Daí eu incomodo pra fazerem silêncio. A contradição em pessoa, né? Se escuto a TV ligada lá no outro quarto, abro um bocão mandando baixar. Cheia da razão, vê se pode. Sinceramente, tenho uma santa família pra me aguentar. Aiaiai. A Vera deve ouvir tudo isso. Tomara que ela tenha um sono profundo.