Coluna da Maga
Magali Moraes escreve sobre a dificuldade de enfiar a linha na agulha
Já fui melhor nisso. Pegava a agulha de qualquer jeito e, em dois segundos, a linha estava no lugar certo. Eu nem pensava, era automático. Diferente de costurar meia furada ou pregar botão, que me exigiam uma dose extra de concentração. Mas a linha e a agulha ficavam prontas rapidinho. Quando os olhos da minha vó (que foi uma grande costureira) começaram a cansar, ela passou a me delegar essa função. Era mais um motivo pra adorar passar as tardes com ela. Ser a neta enfiadora de linha na agulha dava orgulho! Minha miopia não atrapalhava nessas horas.
Isso foi há muito tempo. Não tenho mais a minha vó querida e agora são os meus olhos que andam cansados. Lembro dela cada vez que preciso enfiar a maldita linha na pavorosa agulha. Por que fazem buracos tão pequenos? Ou foram as linhas que engrossaram? Meus dedos quase perdem a paciência, segurando eternamente uma agulha e uma linha que se recusam a colaborar. Do mesmo jeito que a vó me pedia ajuda, eu peço socorro aos óculos (não gosto de precisar deles).
Perrengues da vida
A boa notícia é que melhorei nos botões e remendos! É assim com o passar dos anos. A gente ganha habilidades e perde outras. Dá mais trabalho enfiar a linha. Por outro lado, eu tiro de letra vários perrengues da vida. Se os olhos já não enxergam direito o buraco da agulha, meu jeito de olhar pro cotidiano aprimorou. Faço questão de enxergar cada detalhe, manter a curiosidade e observar. Tudo isso eu divido com você na coluna.
Sabe o que também melhorou? Hoje eu escuto mais. É um exercício constante prestar atenção naquilo que as pessoas dizem, em vez de só falar pelos cotovelos. Ouvir o outro é dar espaço para interesses que não são os nossos. Ao treinar o ouvido, treinamos a empatia. Já não me preocupo em abraçar o mundo, prefiro abraçar quem importa. Caiu uma ficha: a linha e a agulha nos preparam pra vida. Porque visão é muito mais que enxergar.